17.12.08

A Rosa

Andava pela praça, como fazia todas as manhãs, quando a viu. Nunca, em toda sua curta existência, havia colocado os olhos em algo tão belo. Esqueceu-se de onde ia, o que faria. Esqueceu-se de si. A rosa o havia laçado. 
Seus pés, cada vez mais rápido, se moviam, levando-o para perto daquela rosa grande e vermelha. Estava a menos de um metro. Podia já sentir seu perfume. Agachou-se, olhou em volta. Sentia-se envergonhado por não conseguir controlar sua vontade daquela forma. Olhava em volta para ter certeza de que ninguém o vigiava.
Olhou para a rosa novamente. Tinha ainda pequenas gotículas de orvalho em suas pétalas que, embora dessem um ar melancólico à rosa, também realçavam sua perfeição. Tocava as pétalas, sentia o toque doce na ponta de seus dedos. Estava em enlevo.
Foi aí que se lembrou. Já havia estado ali. Já havia se ajoelhado frente àquela obra da natureza,  tantas e tantas vezes. E lembrava-se de como havia a descrito antes: ela era plástica!
Lembrava-se também dos espinhos. Mas queria tanto tê-la. Sabia também que a rosa morreria se dali fosse arrancada.
Decidiu não tocá-la. Levantou-se e seguiu seu caminho, voltando os olhos, vez ou outra, por cima do ombro, enquanto podia, tentando guardar cada detalhe daquele encontro.

16.12.08

A Correntinha

Encontrou aquela correntinha no meio da mudança. Era dourada, mas qualquer um perceberia que não era ouro. Sem valor algum. Financeiro. Mas como era cara naquele contexto. Quanta lembrança, quanta história.
Deixou-se levar por tudo aquilo. Mergulhava do alto e penetrava aquele mundo onde tudo era perfeito: o passado. Tudo o que vivera, tudo o que sentira, as coisas se encaixavam com tanta perfeição. O mundo parecia mesmo fazer sentido. Acreditava que havia chegado ao final da jornada. Havia alcançado o que havia de mais valioso, de mais importante. De fato, acreditava que tinha nas mãos a única coisa que de fato possuía algum significado.
Porém, escorregara, se desequilibrara. Que tombo. E tudo aquilo se tornou o que era aquela correntinha: uma lembrança de um tempo muito longe e feliz.
Viu-se em um dilema: guardá-la ou não?
Não precisou muito tempo para perceber que o certo seria jogar tudo fora.
Por razões e vontades que, embora compreendesse, não aceitava, as coisas estavam como estavam. E o fato de não aceitá-las, só prolongava seu sofrimento, tornando tudo aquilo, antes imaculado e lindo, em dor e mágoa. Guardar a correntinha mantinha vivo aquele sonho implausível concreto, real, mas inativo, congelado. 
Arremessou-a o mais longe que pôde dentro do mar escuro espalhado à sua frente. E em poucos segundos, a sua própria presença ali era comprovada apenas pelas partículas de poeira que dançavam no ar, deixadas para trás pelos pneus. 
E o vento continuava a soprar, a balançar o oceano. Os pássaros continuavam a voar pela orla. E a areia continuava a se deixar lamber pela língua branca e salgada do mar.
E mesmo aquelas partículas de poeira em mais alguns poucos segundos se assentariam, transformando qualquer lembrança de sua estada ali em nada. 

11.12.08

Nada Demais

Ela não é mais bonita
Nem mais charmosa
Nem mais gostosa

Ela não é mais sábia
Nem mais inteligente
Nem mais independente

Ela é só mais uma
No meio de tantas outras
Sem nada de mais
Ela não é demais

Mas nos meus olhos
Ela brilha!

28.11.08

Ticket to Ride

Ticket to Ride

Eu cheguei em casa e ela estava sentada na poltrona que eu herdara do meu avô. Estava usando um daqueles vestidos de hippie que tanto gostava. Era preto, de algodão, com retalhos multicoloridos na barra. Percebi que usava todos os seus anéis. E isso só acontecia em ocasiões muito especiais. Foi nesse momento também que notei a mala velha a seus pés. Era uma mala muito velha, de couro cor de ferrugem. Estava estufada. Junto a ela, aquela bolsa de renda enorme que usávamos para ir à cachoeira em dias de domingo. Uns vão à missa. Nós íamos à cachoeira.
Eu entrei e antes que fechasse a porta atrás de mim, ela se levantou. Colocou a bolsa no ombro. Agarrou a mala velha, com muita dificuldade, com a mão esquerda. Me mostrou uma passagem que tinha nas mãos. O bilhete era para São Paulo. Não disse nada. Me deu um beijo na testa. E saiu pela porta. O sonho acabou ali.

26.11.08

Swimming Pool Eyes

I watch you watch me
Clear water surrounds my body
A feeling so sweet to my soul

Big eyes staring at me
Lips smiling waiting for my own

For an hour or two, I wanna dive
Into those swimming pool eyes

17.11.08

Rádio Táxi

Andava por perto da Santa Casa procurando um táxi. Achou um ponto, mas não havia nenhum carro. Apesar de já ser quase madrugada, havia ali um homem trabalhando num desses carrinhos onde se encontra todo tipo de guloseima e cigarros do paraguai vendidos "picados".
-- Boa noite, o senhor sabe onde tem um ponto de táxi aqui por perto?
O homem do carrinho fritava uma salsicha. Com a espátula que usava para girar os cilindros de carne apontou para o ponto de táxi do outro lado da rua.
-- Ali tem um, ó. 
-- Ah, então aquele ali ainda tá funcionando.
-- Tá, sim. Espera um pouquinho que já já chega um.
Ao virar-se para atravessar a rua, percebeu que não seria necessário ir até o ponto de táxi. Um Santana branco se aproximava e não parecia carregar nenhum passageiro. Levantou o braço direito e o veículo encostou.
-- Amigo, quanto custa uma corrida até o Shopping Santa Cruz?
O motorista, um senhor beirando os 60 anos, mascava um pedaço de palito de dente. Em tom profético, olhando através do pára-brisa, como se a rua à sua frente lhe mostrasse a resposta, disse:
-- Ah, vai chegar nums 30, 35, viu?
O rapaz havia calculado mal. Havia estimado que a corrida não sairia por mais de 25 reais. Mas não havia outra opção. O metrô só abriria novamente depois das 4. Entrou no carro.
Observou que o Santana aparentava mais idade do que certamente tinha, assim como seu motorista, que agora checava com o rapaz o melhor trajeto até o shopping. O rapaz se sentiu reconfortado. Sempre se sentia desconfortável em sugerir aos taxistas o trajeto. Sabia que isso era necessário, pois nem todos os taxistas eram honestos. Assim, se não mostrasse conhecer a cidade, corria o risco de dar voltas desnecessárias. Ao mesmo tempo, nem todo taxista era desonesto. Dessa forma, comentar sobre o trajeto preferido poderia ofender o profissional.
Enfim, sentiu-se muito reconfortado por não ter que fazer aquela dolorosa escolha (entre comentar sobre o trajeto ou não). Tão reconfortado que resolveu puxar papo.
-- E aí, o Santanão é bom mesmo?
O taxista segurava o volante com a mão esquerda enquanto o Santana, sem reclamar, subia a 23 de Maio ultrapassando todos os poucos carros que faziam o mesmo trajeto, inclusive cortando pela faixa da direita. Com a outra mão, ele segurava o pedaço de palito de dente, já bastante mastigado.
-- Ééééé... Ele tá é muito judiado. Já rodei mais de 500 mil com ele. -- com gesto súbito olhou para o rapaz, segurando o palito entre o dedo médio e o dedão, enquanto pronunciava, com o dedo indicador em riste -- Mas nunca abri o motor dele.
-- E bebe muito?
O taxista agora sorria gostoso, mostrando os dentes.
-- Olha, se você dá partida no carro, ele já tá bebendo. Aí, tem gente que diz que aquele carro bebe mais do que esse, mas é o motorista, ué? Eu não quero nem saber. Enfio o pé.
-- Não fabricam mais, né?
-- Não.
-- Mas é um carrão, né?
-- Ah, é. Mas carro grande, também, tem que meter logo um gás. Se você comprar um carro grande, mete logo um gás. É a primeira coisa. Eu vou pegar uma Zafira agora.
-- E vai por gás?
-- Vooooooou...
Ficaram por alguns segundos em silêncio. O rapaz, um tanto quanto confuso, apreciava o estado lastimável do Santana, ao mesmo tempo que admirava o silêncio e a força do motor. O taxista então disse:
-- Sabe que eu tinha uma fuqueta 66? E eu colocava óleo diesel? -- agora ele gargalhava -- E ele andava! Eu não tinha dinheiro pra pôr gasolina. Então punha óleo diesel, ué? E as minas pagavam mó pau praquela fuqueta. Sabe que uma vez eu fui prum putêro lá em Viracopos com um amigo meu? Ele já morreu. Deixou uma bucetona duma mulher, rapaz. Até hoje sou doido pra comer a mulher dele. Sabe que foi assim: ele foi dormir e não acordou mais?
-- Infartou?
-- Sei lá. Só sei que a mulher dele acordou e ele tava lá durinho.
-- Bom, deve ser melhor, pra quem vai, morrer assim do que ficar sofrendo, doente.
-- É. Cê vê minha mãe. Um dia me deu um negócio e eu resolvi que tinha que ir na casa dela. Cheguei lá e ela tava lá vendo televisão. Ela gritou lá de dentro: "o portão tá só encostado". Eu entrei e pediu pra eu pegar um copo d'água pra ela tomar o remedinho dela. Fui na cozinha e quando voltei ela tava lá durinha.
-- Foi tranqüila, então?
-- Tranqüila. Já meu sogro... Entro na Botucatu?
-- É. Eu não vou no shopping mesmo não. Vou ali perto do Hospital São Paulo.
-- Ah, tá. Eu sofri pra caralho com meu sogro. Aquele cara era legal pra caralho. Mas sofreu pra burro, porra! Ficou no hospital e falava: "pô, cê vai me largar aqui? eu quero ir pra casa!" Mas, porra, o que eu ia fazer, caralho?! Eu falava pra ele que ele tava no hospital. Ali tinha uma equipe médica pra cuidar dele, porra. Aí, morreu. E aí vai falar que não cuidaram dele. Porra, caralho, ele tinha uma equipe médica cuidando dele. Se foi, era por que era pra ir, caralho. Mas ele era legal pra caralho. Chegamos.
Encostou o carro e conferiu o taxímetro. 
-- Aí, nem deu 30. Deu 26, olha aí ó!
-- É, e eu acho que tenho até trocado. Aqui.
-- Aí é bom, né? Valeu. Precisando é só chamar. Tamo sempre por lá.
O rapaz agradeceu e fechou a porta. O carro arrancou devagar e entrou à direita na Pedro de Toledo.

12.11.08

Ruídos

Acabara de se deitar. Seu corpo se adaptava àquele colchão desconhecido esparramado no chão, enquanto Ronaldo, em sua cama, completamente adaptado, já roncava. A princípio Fábio não achou necessário usar a coberta dobrada a seus pés. Mas percebia que com o caminhar das horas, aquele quarto parecia ir ficando mais e mais frio. A porta estava entreaberta. A janela estava fechada, mas as frestas permitiam que uma leve corrente de ar frio atravessasse o aposento. Fábio decidiu puxar a coberta para cobrir o peito. Lembrava-se de sua mãe nessas horas.
Fábio e Ronaldo haviam conversado por horas. Muito tempo se passara desde a última vez que se viram. Muito papo para colocar em dia. Ronaldo decidira se casar com Ângela, mas ainda não haviam marcado a data para o casório e nem decidido se voltariam ao Brasil para uma cerimônia em família. Fábio continuava o mesmo solteirão solitário de sempre. Durante o jantar, Fábio revelara a Ronaldo que decidira parar de beber. Ronaldo não conseguia ver o menor sentido naquilo, mas como apoiava o amigo em qualquer coisa, disse em tom solene:
-- Não temos álcool, mas temos as palavras.
Depois do jantar, obviamente, fumaram um baseado. Para espanto e diversão de Ronaldo, isso Fábio não havia largado. E intrigado, não cansava de rir e perguntar:
-- Beber não pode. Fumar maconha pode?
Desciam a Singel a pé, às margens do canal, relembrando os velhos tempos, e gargalhando aqui e ali, até que chegaram ao apartamento.
Ronaldo dividia um pequeno apartamento em Amsterdã com um primo surdo. A deficiência do primo, se tornara uma benção para a convivência mútua. Ronaldo sempre fora muito barulhento. Agora, ninguém reclamava disso. O apartamento era realmente bem pequeno. O sofá da sala não serviria nem para uma noite. Mas Ronaldo mantinha um colchão velho de acampamento enrolado em cima do guarda roupa. Assim que chegaram, Ronaldo jogou o colchão no chão, e deu um travesseiro, um lençol e uma coberta a Fábio.
Depois de devidamente instalados, cada um em seu leito, ainda conversaram um pouco sobre animais de estimação. Ronaldo defendia o cachorro por sua fidelidade. Fábio, o gato, por sua integridade. Riam muito e se entendiam pouco.
Ronaldo, em certo momento, virou-se para o canto. Alcançou o interruptor do abajur sem nem olhar pra ele e desligou a luz:
-- Cara, vou dormir.
E como se essas palavras fossem mágicas, já roncava.
Fábio estava inquieto. Não era só o sono. O apartamento lhe parecia meio sombrio. O primo de Ronaldo não era exatamente o que se chamaria de um cara normal. Carregava sempre uma carranca na cara e o movimento que mais fazia era chacoalhar a cabeça de um lado a outro, em reprovação a tudo que pudesse ser reprovado.
Além disso, havia esse ventinho frio. Fábio não conseguia dormir. Às vezes tinha a impressão de estar perdendo a consciência. Seu corpo ficava imóvel por um longo tempo. Era como se todos os seus membros estivessem adormecidos, mas de uma maneira agradável. No entanto, ele não perdia a consciência. Seus ouvidos, como radares, patrulhavam todo o apartamento, trazendo à sua mente qualquer novidade que encontrassem: um assopro vindo da janela; a vibração da moldura causada pelo vento; um rangido vindo da cama de Ronaldo; algum outro ruído desconhecido, proveniente, provavelmente, do quarto do primo de Ronaldo.
Fábio sempre tinha problemas para dormir em lugares novos. Dizia sempre em sua defesa que o ouvido precisava se acostumar, selecionar os ruídos cotidianos dos ruídos que fugiam à normalidade da casa. E, ainda segundo sua teoria para a dificuldade em dormir em ambientes desconhecidos, cada casa, cada apartamento, cada quarto, tinha sua coleção de ruídos cotidianos. 
Agora, Fábio, já começava a entender aquele quarto. Já reconhecia um ruído leve que vinha do quarto ao lado, percebia a vibração da janela causada pelo vento. Ia então sentindo sua mente seguir o seu corpo e relaxar. Estava deitado de bruços com a cabeça voltada para a porta do quarto, que ficava na parede oposta à da janela. Nesse momento, era como se nem fosse ele mesmo que estivesse ali. Ele era apenas um corpo estático, anestesiado. Os ruídos iam ficando cada vez mais distantes.
De repente, uma vibração mais forte da janela o chamou de volta à consciência. "Alguém entrou no quarto," pensava. Tinha a nítida sensação de que alguém o observava. Seus olhos estavam abertos. Sabia que pela porta não havia entrado ninguém (seria impossível entrar no quarto sem se pisar no colchão onde estava deitado). Sabia também que a janela estava fechada e que não era possível abrí-la por fora sem a quebrar. 
Mas a sensação era forte demais. Alguém o observava. Conseguia ouvir Ronaldo ressonando, então não era ele que o observava.
"Não tem ninguém nesse quarto além de nós dois," pensava. No entanto, não conseguia mandar embora aquela sensação de que estava sendo vigiado, velado.
Começou a lembrar das histórias que ouvia, quando criança, da tia que ia sempre aos tais centros. Ela não era espírita, como a própria sempre repetia, mas tinha curiosidade. E depois que proclamaram-na médium, suas visitas aos centros passaram a ser mais e mais freqüentes. E ela contava como existia muita gente que era médium e nem sabia. Ela explicava que cada um percebia a presença de espíritos de um jeito: uns os viam; uns os escutavam; uns apenas sentiam uma pressão em seu peito que indicava algum tipo de presença.
Fábio não tinha coragem de girar a cabeça em direção à janela. Já se arrependera e se perdoara por ter aberto os olhos. Girar a cabeça para checar o outro lado do quarto não faria. Reuniu forças e coragem para dizer:
-- Tem alguém aí?
Não obteve resposta alguma, mas continuava com aquela mesma sensação.
Sua tia contava também que havia espíritos bons e espíritos maus, "como as pessoas," dizia ela. E que os espíritos maus buscavam atravessar o caminho dos vivos, por inveja, por ciúmes, por medo. E os espíritos bons velavam, protegiam.
Fábio não conseguia evitar imaginar agora uma nuvem negra entrando de supetão pelas frestas da janela às suas costas causando aquela vibração mais escandalosa que o trouxera à consciência novamente. Imaginava uma nuvem espessa que empurrava a moldura e se reunia numa forma humanóide, pairando sobre seu corpo, com dois pequenos círculos vermelhos no centro. Agora fechava os olhos. 
Suas costas estavam mais quentes no centro, como se alguém tivesse pousado ali a mão. Mas não sentia pressão alguma. A sensação de temperatura, no entanto, era inconfundível. 
A nuvem negra emitia uma projeção que tocava suas costas, causando aquela sensação.
Começou a rezar.
Subitamente, pensou em uma nuvem mais clara, quase branca que entrava da mesma maneira, empurrando as frestas da janela e causando a vibração. A nuvem branca também paraiva sobre seu corpo, como havia feito antes a nuvem negra. Não tinha rosto, mas parecia sorrir. E estendia uma projeção que tocava as costas de Fábio, onde ele percebia um aumento de temperatura.
Fábio gostava mais dessa segunda imagem e resolveu adormecer.

31.10.08

For as long as I'm around
You three will live in my heart
And when my body finally perishes
The three of you will live forever
Floating, dancing
In my soul

24.10.08

Words Words Words

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16.10.08

Seu Presente Pra Mim

Eu quero o seu olhar
O brilho dos seus olhos
Quero sua mente
A testa franzida pensante
Eu quero sua risada
O som da sua voz
Quero conversar
Entrar no seu mundo

Eu quero isso
E quero agora

Eu quero seu corpo
Seu beijo, seu gosto
Pra mim só o nada é demais

8.10.08

Auto-retrato

Lá na Vila Clementino
Num quarto bem pequenino
Um homem se acha menino

Nas noites, lua já vai alta,
Se entrega ao prazer do sonhar
Mas não quer dormir o peralta
Só quer escrever, quer cantar

Sofre sempre dos mesmos males
Aqueles que traz o amor
De repente, pula um salto
E decide: "Vô sê dotô!"

5.10.08

What Is Love Anyway?

My best friend is gay. She and her “roommate” had been bugging me for ages, trying to talk me into going to a gay club with them. They kept saying I’d enjoy the atmosphere (“lots of writers go there”, they'd say, like a writer wants to meet another freak) and the music (mostly 70’s and 80’s).
There were two things holding me back, though.
First, I thought I’d be in danger. I’m quite easygoing. Always have been. But I was a little self-conscious about going to a gay club. I was afraid guys would be coming onto me all the time. But then I thought: Hey, I’m not that attractive. When I go to straight clubs, girls don’t even look my way.
In fact, I need to work really hard to get a girl’s attention. And I’m just not the kind of guy who has that innate ability of starting conversations with strangers.
The other thing was that it was going to be the three of us there. I was afraid of being a third wheel.
You know, I really loved being single. At that time, I simply wasn’t able to see myself tied up to anyone. I love the freedom of going to places or staying home without having to negotiate with anyone. Also, the time you spend alone is so productive: you can read, you can write (and that’s what I do), watch those movies nobody else wants to watch, plan your vacation, spend a hundred bucks on a bottle of wine without feeling guilty... Perfect!
The only real problem in being single: going out with your friends who do have somebody. Couples are always in couples. When a couple goes out, either it’s going to be a romantic evening or they’re going out with another couple (whether they’re gay or straight... this seems to be standard behavior among human beings, regardless their race, creed, or sexual orientation).
I have a lot of friends who have somebody or are married. And I get along pretty well with them and, in most cases, with their partners, too. That makes me welcome to most parties, get-togethers, and the like, they throw. But I have lost count of the many times I was there among 3 or 4 couples. Sometimes it does feel weird. It’s like I ought to be somewhere else. Not there.
Anyway, I finally gave in. I remember I was still in school and it was Sunday night, which meant we couldn’t be long there. So I thought, why not?
The place was pretty cool indeed. The music was really nice and in the middle of the night there was a stand-up show by a hilarious drag queen. I had a ball. But something kind of awkward happened.
Alisson (my friend) had been getting some text messages on her cell from a mysterious girl. Her girlfriend, Danielle, was furious. She’d been trying to get Alisson’s cell all night. She wanted to check the contents of those mysterious messages. Alisson was also getting kind of pissed off. She felt Danielle was breaking into her privacy. Danielle would say that if Alisson would let her see the messages, she’d be able to trust her more and there would be no need for any of that.
Anyway, Danielle was a little high. We all were. We had had a joint in the car, before getting into the club. Also, we’d bought a bottle of J.D.’s as soon as we’d gotten in (Danielle and I are whiskey people, Alisson drinks expensive wine and cosmopolitans). That’s the picture. At a certain point, they grabbed me and decided I’d be the judge of that little quarrel.
“Jimmy,” started Danielle, “you love us both, don’t you?” She paused for a drag at her cigarette and then handed it over to me, “I mean, you and Alisson have known each other longer, but you care about us, and you are impartial by nature, so, what do you think about what’s going on?”
I had a long drag at the cigarette. They were there, watching me, waiting. Alisson nodded at me, approvingly.
“Well,” I took a deep breath, “I don’t think this specific matter concerns me and I don’t feel comfortable talking about it, let alone expressing my views on it.”
“Oh, come on!” Danielle threw out her hands. “As a friend it is your duty to be honest.” She was getting kind of loud there. “Come on, come on! Don’t be a wussy! Say what you think. That’s all I want from you.”
I don’t appreciate being called a wussy. So I gave her what she asked for.
“You wanna know what I think. Here it goes: If I were Alisson, I’d have broken up with you a long time ago for being so invasive.”
“But her behavior forces me to be invasive. She never tells me what’s really going on between her and that chick.”
“So you should break up with her, that is, if you feel she’s keeping something from you.”
“You see?” she was looking at Alisson who finally had something to say.
“But you don’t have to be so aggressive, Danielle. You pushed the girl at that party!”
Danielle dropped her glass and left us at the bar. Alisson gave me her own glass and went after her.
And there I was, alone, holding a cosmpolitan. In a gay club.
First thing I had to do was get rid of the drink. So I drank it all up at once. I put the glass on the counter and left the bar. Hitting usually happens in that area. I took a few steps out of the bar and found myself at the edge of the dance floor.
There’s this thing about me. I’m a man. I’m straight. But I dance. And I enjoy it. But I simply couldn’t do it. I already could see a guy staring at me.
I took a few steps back and found a wall towards which I could lean and wait. And, boy, did I wait!
Those two seemed to be nowhere I could see them. They were definetely not at the dance floor. They weren’t at the bar, either. Sweat broke out on my forehead. I wiped it off using the back of my hand. I started looking around. At the smallest sign of a guy looking at me, I’d keep my head down. I looked back at the bar once more, to check if they had been there again, I might’ve missed them, due to my dilated pupils, that’s when I saw her.
There was this girl at the bar. She was talking to this very skinny, tall guy, who was wearing outrageously tight pants and shirt. She was wearing a white jean jacket and regular blue jeans. Her blond her was tied behind her head. Too cool to care. She was holding a bottle of beer. And, I don’t know if this was because I was staring at her, but she decided to look my way, and she too saw me.
I was kind of oblivious to what was happening. Had I been a little more sober, or had she been a little less perfect, I’d have been able to realize she was actually looking back at me, and, as I’ve done many times before, I’d have looked way. But that was not what happened.
I was kind of drunk. But that was not due to the booze. It was her. I know it was. And, suddenly, she was smiling at me. I then realized I had been smiling myself. Apparently unconsciously. And I finally turned my back on her.
My heart was pounding. I was breathing real fast. What was I doing? Staring at the girl as if she’d been a painting or a TV screen. What a movie that was! But then it hit me. She was looking right back at me. She was smiling. I turned around again. She wasn’t there anymore. I started looking for her, on tiptoe, above everybody’s head. I barely missed her. I’m not very tall. I’m kind of short, actually. She was going towards the exit. Great, I thought, I just blew it before it even happened.
I can’t tell you how exactly this happened, but I was suddenly following her.
I thought she was leaving and I wanted to get another chance. I wanted to look at her again. I wanted to find out if she was really smiling at me. She turned right before getting to the door and entered the restroom. The guy who’d been talking to her stopped there, holding her beer.
I was relieved. She was not leaving. But there was another problem. Who the fuck was that guy? Was he really gay, a gay friend, her image consultant? Or maybe he wasn’t gay. Maybe he looked gay because he found it attracted women. Maybe they were an item. I had to find out.
I know that this wasn’t the smartest move of the night.
I just came up to him and asked, “Excuse me, are you gay?”
“Hell yeah!” was his answer and he grabbed me by the neck and pulled me. I’m a pretty agile man and I could duck before his lips even got close to my face.
“Sorry. I didn’t mean it like that. I just... I...”
He looked a little upset. He crossed his arms and looked grumpy.
“Look, man,” I continued, “I’m really sorry. It’s just that...”
“I know what you’re gonna say.”
“You do?”
“Course, I do, love. I saw you staring at my girlfriend.”
At that moment she came out of the restroom. He turned to her.
“Judy, let me introduce you to a friend of mine. Your name, darling.” He was looking at me seemingly bored.
“Jim... uh... Jimmy... hi.”
“Hi.”
“Well, you two have a good time," said her friend as he walked away towards the dance floor.
We were there. Looking at each other. For a moment, everything else ceased to be.

26.9.08

Crônica: a arte da digressão

Uma crônica bem escrita é uma delícia. O escritor te tira do seu mundo por um instante (muitas vezes pra te jogar de volta nele). A crônica te faz parar um pouquinho. É muito parecido com dar uma paradinha pra tomar um copo de café quentinho ou fumar um cigarro (quem fuma sabe do que eu tô falando).
E o mais interessante da crônica bem escrita é que ela não precisa ser sobre nenhum assunto específico. Muitas vezes, é difícil precisar sobre o que o texto se trata. Parece uma ode à escrita por si só.
Tem uma do Vinícius na qual ele fala da agonia do cronista de ter que escrever na última hora, por que, segundo ele, normalmente o cronista deixa pra começar a trabalhar no texto sempre na última hora. E ele diz que o bom cronista se enfrenta nessa situação. É o desafio maior, a pressão, o eustresse. Se eu tenho uma semana pra entregar um texto, e começar a trabalhar nele imediatamente, vai ser fácil demais (pra um bom cronista como era o Vinícius, né?). Mas se, ao invés disso, eu deixar pra escrever no último dia, a coisa muda de figura. Eu não posso mais pensar: "Ah, mais tarde eu começo." Por que mais tarde eu tenho que entregar a crônica pronta. E ele fala da agonia do editor que está esperando a crônica pra encerrar o jornal. O cronista nessa hora, invariavelmente, entra em contato com a sensação eminente de perder o emprego. E essa sensação, no caso do Vinícius, parecia ser a fonte de inspiração maior. E aí ele diz que começava a olhar pros lados pra achar alguma coisa sobre a qual escrever. Ele cita a cadeira. Poderia ser qualquer outro objeto, no entanto. Qualquer coisa que encontrasse o olhar do cronista.
E lendo essa crônica dele, pensando também em outras lidas de outros cronistas mais disciplinados, eu percebi um traço muito recorrente nesse tipo de texto: a tal da digressão.
O cara começa a escrever sobre uma coisa, muitas vezes só pra começar e no meio do caminho já te levou pra outro lugar. E acho que isso é o que torna a crônica uma delícia de leitura. É o mesmo que acontece quando se senta com um grupo de amigos pra bater papo.
Não existe linearidade alguma em conversa entre amigos. A não ser quando existe uma questão muito séria a ser tratada, é claro. Mas em geral é assim. A galera senta à mesa do bar, pede uma cerveja e o cardápio e começa a falar do trabalho. Aí tem a menina que sempre levanta a pelota sobre o que a fulana tava usando. O cara então, já solta uma piada machistinha pra alfinetar. E alguém de repente acha um tira-gosto no cardápio que parece interessante. E aquilo lembra um quarto elemento presente da comida que a vó dele fazia. E, de repente, o grupo está dividindo reminescências da infância. No fim da noite, paga-se a conta e cada um vai pra sua casa. Estão todos felizes, leves, prontos pro que der e vier no dia seguinte.
A digressão em textos mais formais, como ensaios ou dissertações, é mal vista. Mas é que ali há um foco, há uma tese a ser comprovada. E a digressão te tira da rota.
Então, na cabeça do bicho homem, há a necessidade das duas situações. É preciso ter textos sérios, como conversas sérias, em que decisões são tomadas baseadas em estudo, em teorias. É preciso também ter o texto leve, a conversa de bar, sem rumo, sem pretensões.
Outra forma de ver a digressão sendo usada com maestria é na tal da stand-up comedy. O cara sobe no palco, agarra o microfone e começa a conversar com a platéia. Não existe uma linearidade naquela conversa. O charme está justamente nessa falta de linearidade. Um assunto puxa outro sem critério. Pode ser por conexão de sentido, por similaridade sonora, não importa.
A crônica, a stand-up comedy e a conversa de bar funcionam como o pensamento. Aquele fluxo incessante de idéias, muitas vezes desconexas, que vão te levando do Nepal ao Chuí.
E por ser uma espécie de imitação de um ato inerente ao ser humano, acho que todo mundo, vez ou outra, deveria tentar escrever uma crônica. No mínimo, você vai melhorar sua habilidade lingüística. E quem sabe você não descobre que tem o dom de digredir do Vinícius.

14.9.08

Navio Tumbeiro
Capítulo X - Final

A mulher não sentia mais nada. Estava sentada recostada à parede com a menina no colo. Todos ali pareciam dormir e, embora seus olhos não estivessem fechados, ela também não parecia estar acordada. Seus olhos fixos mal piscavam vez ou outra. Sua respiração era lenta e superficial. Seus braços contornavam o corpo da menina, mas ela não fazia força alguma. Seu corpo todo, cada músculo, tudo completamente abandonado à força da gravidade e ao balanço constante daquele lugar.
Ela se moveu.
Muito lentamente colocou a menina no chão. Olhou-a mais uma vez e beijou-lhe a testa. Levantou-se novamente e caminhou até o príncipe. Ele também dormia. Seu corpo contorcido, suas mãos amarradas acima da cabeça, as feridas, os cortes. Ele não era mais um ser humano. Ninguém ali era.
A mulher olhou para a mancha negra no pé da escada. Lembrou-se do gigante tombado, seu sangue lavando o assoalho imundo. Lembrou-se também do velho carregado escada acima como um saco de lixo. Lembrou-se da morta e da irmã da morta. Lembrou-se do seu marido.
Olhou para a escada e dirigiu-se até ali. Muito lentamente subiu degrau a degrau. Chegou no alto da escada. Respirou fundo. Olhou para baixo e viu o escuro.
Começou então a esmurrar a porta à sua frente. E gritava, e amaldiçoava aqueles homens. Seus companheiros de viagem e de amarguras iam acordando com o barulho. Todos foram se aproximando da escada. Tentavam entender o que estava acontecendo, mas ninguém tentava conter a mulher.
De repente, a porta se abriu. O homem com o instrumento que cuspia fumaça estava ali. Ele e a mulher se encararam por um longo período. Um olhava dentro da alma do outro. Nenhum deles enxergava nada. A mulher deu mais um grito e se jogou em cima daquele homem, mordendo-o no rosto. Ouviu-se um estrondo e todos se uniram a ela, subindo as escadas, gritando, urrando. Não eram homens. Eram bestas.

5.9.08

Arriscado

Fico aqui imaginando
Por que você não me vê
Se me vê, por que não segura o olhar?

Não sei se posso te dar
Aquilo com o que sonha
Pois não me diz

Talvez, no entanto, sonhe
Dentro de seus tantos sonhos
Também com o que quero te dar
O perigo de viver um grande amor

1.9.08

Acomodada

Em versos te redimo
Daqueles que te criticam
Dizendo que você não ama
Que vive comigo
Por outras razões
Preguiça, vaidade, interesse

Razões... não há razão!
Há no seu peito muito mais coração
Do que na voz estridente que te aponta o dedo
Não enxergam a beleza do seu amor
Latente na capacidade de receber o meu
Navio Tumbeiro
Capítulo IX

Uma demonstração do que eles seriam capazes de fazer. O príncipe ainda estava de pé, mas não sobre as próprias pernas. As amarras que prendiam seus pulsos acima de sua cabeça impediam que seu corpo desabasse de vez. No lugar das lágrimas de antes, agora a única coisa que escorria pelo seu rosto magro e pela barba mal aparada era a cor vermelha de seu sangue. Seu olho esquerdo estava muito inchado.
Os homens subiram a escada e a porta os trancou do lado de fora. Algumas pessoas começavam a se movimentar. Uns iam para perto do enorme corpo sobre a poça de sangue. Outros iam até o príncipe e o olhavam espantados, levando a mão à boca e murmurando baixinho uns para os outros.
A menina chorava baixinho num canto. A mulher foi até junto dela e a abraçou. As duas choravam juntas. Um choro de menina e um choro de mulher.
A porta do alto da escada se abriu novamente. Colocaram um balde daquela papa branca no topo e o chutaram escada abaixo. A papa foi se espalhando pelos degraus sujos. Colocaram também um único balde com água lá no alto, mas não o chutaram. Em seguida, fecharam a porta mais uma vez.
A menina ainda chorava, mas a mulher a colocou no chão. Beijou seus olhos e pediu que não os abrisse. Levantou-se enxugando as próprias lágrimas e foi até o príncipe. Se deteve a alguns metros, como os outros faziam. Não conseguia dizer se ele estava apenas desacordado ou se também havia... Respirou fundo e chegou mais perto. O chamou. Ele não se moveu. Ela se aproximou um pouco mais e percebeu o peito do homem se mover lentamente. Mais uma lágrima escapulia do olho esquerdo da mulher.
Ela então subiu a escada correndo e trouxe o balde d'água para baixo. Rasgou um pedaço dos farrapos que suas vestes tinham se tornado e o umedeceu. Levou-o até a testa do príncipe e começou a limpá-lo. Passava com muito cuidado aquele pedacinho de pano úmido que rapidamente se tingia de vermelho e a obrigava a molhá-lo novamente no balde. Torcia-o e continuava a limpar o rosto do príncipe. Os olhos do homem se abriram lentamente. Ele olhava para ela. Ela interrompeu seu trabalho. O olhou de volta.
Ele abriu a boca muito lentamente e ela pode perceber que um de seus dentes da frente não estava mais lá. Ele disse com muita dificuldade que sabia quem ela era e que conhecera seu marido. Então acrescentou, entre esforços, que ele havia sido morto.
A mulher caiu a seus pés chorando.

30.8.08

Do Lado de Dentro

Ele entrou e a porta se fechou selando-o dentro daquele habitáculo. Olhou em volta. As paredes pareciam ser revestidas em fórmica bege. Nos cantos, 4 réguas de alumínio subiam do chão, revestido por 6 grandes placas de borracha negra, até o teto, onde se encontravam a uma armação quadrada, também de alumínio, que encerrava uma placa de acrílico branco responsável pela iluminação, ao deixar-se atravessar pela luz, branca e fria, emanada de quatro lâmpadas fluorescentes posicionadas acima.
Na mesma parede onde havia a abertura para a porta, um painel de alumínio cheio de botões e números. No canto oposto ao do painel, no alto, uma pequena redoma de vidro negro abria caminho pela placa de acrílico do teto para observar quem estivesse ali.
Apertou um dos botões. Sentiu um momentâneo aumento de peso e percebeu que começava a subir. No painel de alumínio, um pequeno visor negro com letras vermelhas começava a contar, 1, 2, 3. Sentiu uma sacudidela e percebeu que havia parado.
Olhou para o visor. Olhou para a pequena redoma de vidro no teto. Decidiu assobiar. E quase no mesmo segundo parou. Resolveu escutar. Seus olhos estavam abertos. Não ouvia nada. Não ouvia vozes ou qualquer outro barulho. Voltou a assobiar. Não assobiava música alguma. Apenas assobiava. Se impacientou. Parou de assobiar novamente e deu um passo para perto da porta. Não ouviu nada. Apertou novamente o mesmo botão que havia apertado antes. Nada aconteceu. Então apertou um grande botão vermelho que se encontrava na parte inferior do painel. Enquanto deteve o dedo sobre o botão vermelho, ouviu soar uma campainha estridente. Retornou à posição inicial e cruzou os braços na altura da pélvis segurando o pulso direito com a mão esquerda. Voltou a assobiar. Agora assobiava uma bossa nova. Nada aconteceu. Chegou perto da porta mais uma vez. Pressionou mais uma vez o botão vermelho. E outra e mais outra. Deu uns tapinhas na porta enquanto perguntava em voz alta se alguém podia ouví-lo. Nenhuma resposta. Começou então a esmurrar a porta. Na verdade, se revezava entre socos, chutes, e novas pressões sobre o botão vermelho. Se cansou. Sentia sua camisa grudando no corpo e sua respiração estava ofegante. Parou. Pôs as mãos na cintura e depois levou o pulso direito à testa para deter gotas de suor que começavam a se reunir sobre as sobrancelhas. Gritou mais uma vez. Agora gritava a palavra socorro sem nenhum embaraço. Resolveu sentar no chão. Lembrou-se do celular no bolso. Tateou com a mão esquerda e pescou o pequeno aparelho. Para sua decepção o pequeno visor do aparelho mostrava que ele estava fora de cobertura. Arremessou o celular contra a porta e gritou um palavrão. O aparelhinho se desfez em pedaços. Enquanto observava os restos do celular espalhados sobre o assoalho de borracha, a porta se abriu.
Uma senhora com rolinhos no cabelo e óculos na ponta do nariz o censurava com o olhar. Ele se levantou, ainda pensou em catar os caquinhos, mas de nada adiantaria e ele já se sentia embaraçado demais. A mulher entrou no elevador, medindo o rapaz de cima a baixo. Ele pediu desculpas pelo barulho e tentou explicar que o elevador provavelmente precisava de reparos. A mulher soltou ar pelas ventas e entrou no pequeno meio de transporte. Ele ficou lá, observando, vendo a porta se fechar. Percebeu pelo mostrador acima da porta os números irem diminuindo 3, 2, 1, T. Resolveu subir os 5 andares restantes pela escada.

29.8.08

Paixão do Metrô

Menina, não se assuste
Se eu, em desvario,

Que nunca te vi
Nem sei o seu nome
Não sei de onde vem
Nem me disponho a te seguir

Mas doido e trêmulo
Me atiro a seus pés
Te dedico um poema
E sorrindo te proponho:

"Casa hoje comigo?"

26.8.08

A Boca Cheia de Conselhos

Da próxima vez que eu tiver um conselho
Vou avaliá-lo com muito cuidado
Vou medir, pesar, pensar
Se o conselho for bom
Vou te dar

Mas antes de dizer pra você
Vou pra frente do espelho
Olhar bem no fundo nos meus olhos
E dizer o conselho primeiro pra mim
Vou ouvir

É provável que eu precise mais dele do que você

23.8.08

An Outline

One day I'll lie on the ground
I'll hand you a piece of crayon
I'll let you draw a line
All around my body
I'll let you choose the color
I'll just lie there
And wait till you're done
Yeah, I'll let you define me
Because I've been trying so fucking hard
But don't seem to be getting anywhere
So I'll let you do it for me
Because I trust you
Always have
Always will

But I know you won't do it
You're too busy now
Furthermore,
You'd say that ain't right
You'd even help me
Pick a beautiful color
Green, or perhaps orange
But then you'd smile
(And when you do it, it's unique)
And you'd say:
"Who are you? What are you?
Define yourself!"
I don't know right now
I hope I'll know then
When you hand me the crayon
In fact, I hope I'm able to do it myself
Because I know it's too late now
You've already dropped that piece of crayon
You did it a long time ago

20.8.08

Navio Tumbeiro
Capítulo VIII

Gritos e um estrondo. A menina chorava em seu colo enquanto a mulher a apertava com ambas as mãos e seus olhos percorriam todo o ambiente, captando tudo, tentando compreender o que acontecia. Todos estavam encolhidos no mesmo canto. Alguns se escondiam embaixo da escada. O príncipe segurava o rapaz dos baldes à frente de seu próprio corpo com a ajuda de seu sempre fiel companheiro. O príncipe tinha uma faca em sua mão direita. Apertava-a contra a garganta do rapaz dos baldes enquanto olhava em direção à escada. Do alto da escada, o mesmo homem branco de antes, o que carregava aquele instrumento pesado, fitava o príncipe. Ele segurava o mesmo objeto de antes, mas agora segurava-o com as duas mãos. A mão direita próxima ao corpo. A mão esquerda à frente, acompanhando o comprimento do objeto. A ponta do instrumento soprava fumaça e estava apontada na direção do príncipe. O homem branco dizia alguma coisa para o príncipe. Outros homens brancos estavam no alto da escada, mas nenhum deles ia além do limite das costas do primeiro. Permaneciam às suas costas, observando por cima de seu ombro o que acontecia. Apenas aguardavam. E ele permanecia lá, no alto da escada, imóvel, segurando aquele objeto que cuspia fumaça. O rapaz dos baldes agora tentava conversar com o príncipe. Gaguejava. Implorava por sua vida. Dizia que era como ele, e apenas servia os brancos para não apanhar. Dizia que de nada adiantaria matá-lo.
A mulher colocou a menina no chão e se levantou. Ninguém disse nada. O príncipe, seu companheiro, o rapaz dos baldes, o homem branco, os homens às suas costas, a menina, os outros homens, as outras mulheres, ninguém se movia. A mulher começou a caminhar lentamente em direção ao príncipe. Ele disse a ela que não se aproximasse mais. O homem branco gritou alguma coisa do alto da escada. Mas todos mantinham as mesmas posições. Ela se aproximou mais um pouco e parou. Andava nas pontas dos pés. Não sabia por que mas não queria fazer nenhum ruído. Prendeu a respiração e virou-se para o homem branco. Ele agora apontava o instrumento para ela. Ela observava a fumaça, que agora ia se dissipando no ar. De repente, a mulher sentiu um empurrão. Era jogada ao chão pelo companheiro do príncipe. Ouviu-se outro estrondo. O companheiro do príncipe estancou na base da escada. Passou a mão no peito e depois levou-a à frente do rosto para vê-la pintada com seu sangue. Seu rosto não aparentava dor. Todos os músculos de seu rosto pareciam ter se relaxado ao mesmo tempo. Até sua boca estava entreaberta. Levantou a cabeça lentamente em direção ao homem branco. O instrumento agora produzia mais fumaça e apontava para aquele homem que parecia ter adormecido em pé de olhos abertos na base da escada. Ele se virou para o príncipe com o mesmo rosto sem expressão e a boca entreaberta. O que contrastava com a face do príncipe. Suas sobrancelhas estavam apertadas. Seus dentes se atritavam e ele apertava com mais força o rapaz dos baldes. E assim, sem emitir nenhum som, sem dizer nada, o homem tombou sobre o próprio peito. Uma poça de sangue começava a se formar embaixo daquele corpo enorme e estático. O príncipe, de súbito, largou o rapaz dos baldes e a faca e ajoelhou-se chorando ao lado daquele corpanzil. O homem branco e seus companheiros desceram correndo as escadas. Agarraram o príncipe e o amarraram a uma pilastra. Ele não lutava, não se debatia. Amarraram-no com as mãos presas acima da cabeça e começaram a açoitá-lo. Uns davam pontapés entre as pernas. Outros, socos no rosto. E iam se revezando. O príncipe apenas chorava. Mas não eram os golpes que despertavam suas lágrimas.

14.8.08

Navio Tumbeiro
Capítulo VII

A mulher acordou. Estava escuro. Só se ouvia um ruído suave, compassado, de água em movimento, e um ranger leve e lento de madeira com madeira. Na medida em que seus olhos iam se adaptando à pouca luz, ela ia percebendo a silhueta do príncipe ainda em pé por trás da escada. Seu companheiro também estava lá.
A mulher não conseguiu voltar a dormir. A cada ruído vindo da porta ou das frestas no teto, seus olhos se abriam novamente. Ela sentia sua respiração acelerar com o ritmo das pulsações de seu coração. Olhava para a menina e pensava onde poderia escondê-la caso algo acontecesse. Não via nada. Começou a pedir aos santos que conhecia que protegessem aquela criança pelo menos. Lembrou-se de seu marido. E lembrou-se da mulher morta e da irmã da morta.
E era para ela que a mulher olhava agora. Uma mulher viva, mas sem vida. Seus olhos continuavam olhando o nada. Mas seus braços não mais abraçavam as pernas. Seu corpo não se balançava. Ela estava sentada com as costas apoiadas na parede. As pálpebras pareciam querer se fechar, mas não se fechavam. Apenas abaixavam-se levemente, num piscar de olhos cansado e lento, vez ou outra. Seu peito quase não se movia. Era difícil dizer se ela respirava. Durante aqueles poucos instantes, a mulher sentia exatamente o que a irmã da morta sentia -- ou talvez não sentia --, o que a fazia simplesmente não reagir, um estado de dormência da alma. Naquele breve momento, as duas mulheres eram uma só, dentro da mesma sensação de impotência, de indiferença, torpor.
De repente, a menina disse alguma coisa. A mulher se assustou. Virou-se para a pequena. Esqueceu-se da irmã da morta. Mas a menina ainda dormia. Havia murmurado algo nos seus sonhos. Sonhos certamente melhores do que a realidade a aguardando na aurora. Melhor seria não acordar mais. Nunca mais.
Voltou-se na direção da irmã da morta mais uma vez. Seus olhos não estavam mais abertos. Talvez sonhasse também.

30.7.08

Navio Tumbeiro
Capítulo VI

A mulher e a menina acordaram com o barulho de vozes gritando, protestando. Mais baldes haviam chegado. Ouve novamente a mesma divisão de antes, os viajantes eram divididos em grupos menores e cada um desses grupos ficava com um balde. Outra vez empurrões, mais protestos e enfim toda a comida havia se acabado. Todos haviam conseguido pelo menos um punhado da papa branca.
Era espantoso perceber como se transformavam os olhos e as feições da menina depois de se alimentar. A mulher não sabia se os efeitos eram só uma percepção mais alegre de quem tem a fome aplacada, ainda que não completamente, ou se, de fato, envolviam também o desabrochar de um sorriso no rosto de uma criança alimentada, ainda que de maneira muito parca. Decidiu que as duas coisas deveriam acontecer.
Olhou em volta e percebeu que a irmã da morta estava sentada em um canto. Observou que suas mãos não estavam úmidas como a dos demais. Ela não deveria ter comido. Estava sentada no chão abraçando as próprias pernas com a cabeça apoiada entre os joelhos. Balançava todo o corpo para frente e para trás nervosamente. A mulher decidira ficar mais próxima daquela outra. Tentava conversar com ela. Fazia perguntas. A menina também tentava animá-la passando a mão por seus cabelos e murmurando a mesma canção que a mulher havia cantado para ela. Mas aquela mulher não tinha forças para mais nada. Ela havia sido a única daqueles viajantes que não havia se alimentado. Seu olhar ficava parado em um canto. Como se olhasse para algo de muito significado quando na verdade não olhava para nada, não via nada do que estava ali em sua frente.
O príncipe se aproximou, sempre acompanhado daquele outro homem. A mulher agora observava como era grande e forte aquele homem. Suas pernas pareciam troncos de árvores. O príncipe parecia um menino perto de seu companheiro.
Abaixando-se lentamente ao lado da mulher, o príncipe varria com o olhar todo o ambiente ao redor. Sua testa franzida, suas sobrancelhas quase se encontravam, seus olhos apertados como se quisessem e pudessem ver além do que realmente enxergavam. Sua respiração era lenta e curta, inaudível.
Virou-se para a mulher e disse a ela que chegara o limite: ele tinha que reagir em nome de seu povo. A mulher se assustou. Dizia que não sabiam o que estava atrás daquela porta. Tentou aconselhá-lo a não fazer nada, a se resignar. O príncipe respondeu, com calma sobrenatural, que aquele era o dever dele. Já estava decidido. Ela então perguntou sobre o rapaz dos baldes. Ele parecia ser da mesma terra que aqueles viajantes. Mas o príncipe não respondeu. Apenas se levantou e foi caminhando para trás da escada seguido por seu robusto companheiro.
A mulher então puxou a menina para si. Abraçou-a forte e disse-lhe que ficasse sempre junto a ela. Em seguida, se dirigiu à mulher em luto pela irmã. Chamava-a e perguntava seu nome. Mas ela não respondia. Nem sequer retornava o olhor suplicamente da mulher, que enfim, desistiu.
Puxando a menina pela mão, a mulher abandonou a outra em luto mudo e se afastou o máximo que pode das escadas. A porta não se abriu mais naquele dia. O príncipe não saiu de sua posição. E a mulher não tirou seus olhos cansados dele até que se fecharam.

25.7.08

On The Way Home

When the dream came
I held my breath with my eyes closed
I went insane
Like a smoke ring day when the wind blows
Now I won't be back till later on
If I do come back at all
But you know me, and I miss you now
In a strange game
I saw myself as you knew me
When the change came
And you had a chance to see through me
Though the other side is just the same
You can tell my dream is real
Because I love you, can you see me now
Though we rush ahead to save our time
We are only what we feel
And I love you, can you feel it now

Acho que a letra é do Neil Young (se alguém tiver informação mais acertada, please let me know), mas gosto da versão cantada pelo Renato Russo no Acústico.

FAQC

23.7.08

Navio Tumbeiro
Capítulo V

A mulher se aproximou do grupo que velava a morta. Reconheceu alguns dos que ali estavam. Não sabia seus nomes, mas lembrava-se de já tê-los visto. Além dos que reconhecia, os outros ali também pareciam ser de sua terra. Observava isso pela maneira como velavam a morta. Obviamente, alguns dos rituais não poderiam ser obedecidos uma vez que aquelas pessoas não tinham acesso a nenhum instrumento, e muito menos liberdade para se locomoverem. Tudo o que tinham era o que cada um tinha: a companhia dos outros. Desde a criança órfã até o príncipe, ali a única riqueza ou privilégio era a voz e o toque do outro. E de repente parecia aquilo tão caro, tão importante. A mulher abraçava a irmã da morta. A menina também. Depois vieram o princípie e aquele homem que sempre o acompanhava. E por fim todos aqueles que dividiam aquela cela vieram demonstrar apoio à irmã da morta: alguns abraçavam, outros apenas seguravam sua mão por um tempo, outros meneavam a cabeça. E iam ficando por ali. Todos próximos.
Antes de anoitecer novamente, o rapaz dos baldes retornou. Não vinha sozinho. Tinha um ajudante. Ambos usavam muitas vestes que lhe cobriam as mãos e os braços, a boca e o nariz. O rapaz se dirigiu à irmã da morta. Disse-lhe que precisava levar o corpo. Ela quis protestar, mas o princípe a conteve dizendo alguma coisa a seu ouvido e abraçando-a. Nem o princípe nem o seu acompanhante tiravam os olhos do rapaz. Com a ajuda do outro homem de corpo coberto, o rapaz levou embora o cadáver. A irmã da morta chorava baixinho enquanto a luz ia diminuindo avisando aos viajantes que mais um dia se acabava.

22.7.08

Cheiro de Gente

Se deu conta disso no início de uma aula. Seus alunos iam tomando as cadeiras do auditório. Ele estava sentado à sua mesa, aguardando os dez minutos de tolerância estipulados pela reitoria. Era contra aquilo. Sempre o fora. Se a aula estava marcada para começar às 7, que começasse às 7, e não às 7 e 10. Não se importava com alunos que chegavam atrasados, desde que não atrapalhassem, não perturbassem. Mas o fato de a tolerância ser uma regra, fazia com que todos acabassem por chegar depois da tolerância. Não valia a pena começar no horário. O quórum era muito baixo. Ou seja, ele perdia 10 minutos todos os dias. Já havia tentado fazer palavras cruzadas nesse tempo, ou jogar sudoku, mas se irritava por ter que parar para começar a aula. Não gostava de parar no meio de nada, não gostava de interrupções, de forma alguma.
Mas, enfim, do que se deu conta o professor? Dos cheiros.
Aquele não era um dia quente. Era uma manhã de outono. Os alunos entravam agasalhados. Iam entrando no auditório, tirando parte dos acessórios que usavam para se proteger do frio de fora: gorro, cachecol, casacos mais pesados... não era um dia quente mesmo. Estava frio! O professor os observava. Os alunos se sentando, misturados aos casacos que iam sendo depositados sobre as carteiras vazias, pareciam partículas em suspensão que iam se sedimentando, à medida que a agitação do frasco, no caso o auditório, ia diminuindo. Até mesmo o zum-zum-zum de vozes que se perguntavam sobre a noite anterior, reclamavam do time que havia perdido um jogo importante, comentavam que o período de provas se aproximava, até isso ia diminuindo graduamente.
O professor olhou para trás, por cima do ombro, abaixando um pouco a cabeça para enxergar, por cima dos óculos que só usava para ler, os ponteiros do relógio que ficavam sobre a longa lousa: o braço pequeno passava um pouco do número 7, enquanto o longo ia se encontrando ao número 2. Tá na hora, pensou. Virou-se para a frente novamente. Ainda sem se levantar da mesa. Olhou em volta e percebeu que o zum-zum-zum já tinha se dissipado. Os alunos o olhavam, o encaravam, o esperavam. Começou a se levantar e estancou. Que cheiro era aquele? Um cheiro meio adocicado, mas não de uma forma agradável. Deu umas fungadinhas discretas, não queria demonstrar o que sentia, e se levantou. Seu nariz sempre fora sensível.
Lembrava-se com clareza da primeira vez que havia andando de trem em Paris. O trem estava lotado e em determinado momento teve que sair do vagão, muito antes de chegar a seu destino. Se conteve como pode. Seu francês não era então o fluente de hoje. E mesmo que o fosse, seria impossível conter o calor que lhe subia as entranhas e falar ao mesmo tempo, em que língua fosse. E assim não conseguiu chegar ao banheiro público da estação, tendo que se livrar daquele líquido ocre e acre em uma das lixeiras que havia ali.
Sentia agora aquele mesmo cheiro, que empesteava o ambiente, parecia adentrar suas narinas e seus poros, tornava o ar mais denso. Cheiro de gente. O verdadeiro cheiro de gente. Desodorante não tem cheiro. Perfume não tem cheiro de gente. Nem o têm os sabonetes e xampus. Todas essas substâncias químicas foram inventadas justamente para disfarçar os odores exalados pelo corpo humano. Não é necessário o calor. No fundo, por baixo de perfume, cremes e loções, mesmo em climas frios, está lá o cheiro da pele, e das secreções humanas. Não existe animal mais mal-cheiroso do que o homem.
Não disse nada. Saiu da sala e se dirigiu para o banheiro mais próximo.

20.7.08

Navio Tumbeiro
Capítulo IV

Naquele dia não trouxeram mais comida. A mulher e a menina já se aninhavam para dormir, quando a porta no alto da escada se abriu mais uma vez e novamente desceu por ela o rapaz dos baldes. Dessa vez, porém, não trazia nenhum. Dois homens se aproximaram do rapaz. Um deles colocou a mão no peito do rapaz impedindo que ele passasse. O outro fez uma pergunta. A mulher percebeu que falavam sua língua, mas não conseguiu distinguir o que o homem havia dito. Observou-o melhor e o reconheceu: era seu príncipe! Nunca havia visto-o daquela forma. Estava muito magro, praticamente nu, sua barba estava comprida.
O rapaz falava baixo e pausadamente. Também não era possível entender. Ele gesticulava pouco. Evitava olhar para os olhos de seu interlocutor. Procura fitar os próprios pés. Parou de falar e olhou para o príncipe como quem espera uma resposta. O príncipe acenou com a cabeça. O rapaz então pegou a mão do príncipe e beijou-a com respeito. O príncipe olhou para o outro homem que o acompanhava e este deixou o rapaz passar.
A mulher demorou um pouco a perceber, mas o rapaz vinha em sua direção. Comprimentou-a, respeitando a maneira com a qual a mulher estava acostumada a ser cumprimentada por outros homens em sua terra -- o que a deu certo conforto --, e perguntou se ela era a mãe da menina. A mulher disse que sim sem hesitar. Tinha medo de que as separassem.
O rapaz então se apresentou. Seu nome não parecia com os nomes com os quais a mulher estava acostumada. Ele explicou que havia nascido no Novo Mundo. Por isso seu nome era diferente. Olhava para a mulher com um meio sorriso e olhos bem abertos. A mulher não disse nada. Ele então continuou dizendo que no Novo Mundo haviam pessoas que falavam diversas línguas diferentes pois cada uma vinha de um lugar. Parou novamente e olhou mais uma vez para a mulher com aquele meio sorriso. A mulher perguntou então o que aconteceria quando chegassem ao tal Novo Mundo. O jovem disse que ela trabalharia. E que a menina também trabalharia, assim que tivesse forças e tamanho suficientes. Mais uma pausa com meio sorriso. Ele prosseguiu dizendo que o melhor a fazer era pedir perdão ao Pai. A mulher não compreendera aquilo. Ele então explicou que o Pai era o nosso Criador. Acrescentou que o filho Dele estava sentado à sua direita, de onde podia ver tudo o que ocorria. A mulher estava cada vez mais confusa. O rapaz sorriu novamente. E disse a ela que pedisse forças ao Espírito Santo e então terminou aconselhando-a de que se lembrasse: havia só um Deus. A mulher não entendia mais nada.
Ouviu-se um grito. Uma mulher chorava sobre o corpo de outra. Gritava. Dizia que haviam matado sua irmã. Haviam envenenado-a. A mulher morta tinha manchas na pele. Parecia também ter perdido um pouco de sua cor.
O rapaz se aproximou. A mulher com quem conversava o seguiu, mas decidiu não chegar muito perto. Todos ali se apertavam para ver o que acontecia e ela temia mais um tumulto. O rapaz então se ajoelhou próximo ao corpo da mulher. Fez um gesto estranho com a mão direita, parecia desenhar uma cruz no ar. Disse então algumas palavras a irmã da mulher morta. Depois disso levantou os olhos para o céu e juntou as mãos. Começou a dizer algumas palavras em uma língua estranha. As pessoas o interromperam. Ele disse que orava pela alma daquela mulher. Mas ninguém compreendia o que ele dizia em sua prece e por isso não permitiram que ele continuasse. Ele fez novamente aquele gesto com a mão direita e se retirou. Antes de sair, disse a mulher com quem conversara que traria mais comida no dia seguinte. Ainda lançou um olhar na direção daquelas pessoas que o expulsaram. Balançou a cabeça e desapareceu fechando a porta atrás de si mais uma vez.

5.7.08

Navio Tumbeiro
Capítulo III


A mulher e a menina finalmente dormiram abraçadas uma a outra. Apesar de o ambiente ser escuro, era possível perceber se era dia ou noite através das frestas no teto, que se deixavam penetrar por raios de sol mais intensos em algumas horas do dia. E foi justamente um desses raios que veio acordar a mulher. Ela se sentia enauseada. Não entendia como poderia estar se sentindo assim. Não comia nada há quase dois dias. Talvez fosse por conta daquele balanço interminável das paredes. Pensou na menina que dormia em seu colo. Quando ela teria comido? Não sabia se resistiriam a mais um dia. Na chuva do dia anterior havia bebido um pouco de água. Não tivera coragem de beber das poças que se formavam no chão, como vira vários outros fazer, mas bebera um pouco da água que pingava do teto. O gosto não era bom. Não parecia limpa. Mas a sede que sentira fizera-a agradecer por aquele caldo. Ela estranhara o fato de a água estar um pouco salgada.
Enquanto averiguava mais uma vez o ambiente através da pouca luz, a porta no alto da escada se abriu mais uma vez. Agora ela não via um homem de pele clara. Via uma pessoa que muito se assemelhava àquelas com quem ela própria convivera. E embora não o conhecesse, o mero fato de ele se parecer com ela, fazia-a se sentir melhor. No entanto, ela percebeu que o rapaz usava roupas mais parecidas com as dos homens de pele clara. Ele descia as escadas e trazia em cada uma das mãos um balde. Pareciam estar cheios, pois ele tinha muita dificuldade. Ao chegar no pé da escada, o rapaz posicionou os baldes no primeiro degrau. Enxugou a testa com o braço e enfiou a mão dentro de um dos baldes trazendo para fora uma concha. Então o rapaz começou a dizer algumas palavras em voz alta o bastante para que todos ouvissem. Ela, a princípio, não entendera o que ele dizia, mas, de repente, reconheceu a palavra "água" no meio daquelas outras palavras estranhas.
Saltou em direção ao rapaz. E, como ela, outras pessoas iam fazendo. O rapaz, percebendo que um tumulto se formaria, agarrou os baldes e tentou subir correndo as escadas. Foi detido no entanto por um estrondo ensurdecedor. Todos pararam onde estavam. Ninguém mais se movia. Todos olhavam para cima.
O homem de pele clara que viera no dia anterior buscar o corpo do velho estava no alto da escada. Segurava aquele mesmo objeto longo. De uma de suas pontas saía fumaça. Ele disse algo ao rapaz dos baldes. O rapaz acenou com a cabeça e se virou lentamente para a parte mais baixa da escada. Colocou os baldes no degrau em que estava e disse que todos viessem com calma buscar a água ou eles se machucariam. Pediu que as mulheres e as crianças viessem primeiro. A mulher então foi se aproximando lentamente. Estava muito assustada. A menina não chorava, mas tremia muito. Ao chegar sua vez de receber a água ela perguntou ao rapaz onde estavam. Ele disse que iam para um lugar muito distante. Se referia a esse lugar como o Mundo Novo. Explicou para a mulher que estavam em um barco. Mas ela nunca havia visto um barco daquele tamanho. Perguntou ao rapaz se trariam comida. E ele disse que sim e pediu a ela que bebesse a água e retornasse ao lugar onde estava para que os outros pudessem também beber. A mulher colocou um pouco de água na boca, o quanto lhe foi permitido. Deu também água para a menina e retornou para junto da pilastra onde encontrara a garotinha chorando. Rapidamente a água dos baldes acabou. Alguns homens ficaram sem beber e gritavam. Porém, nenhum deles tinha coragem de subir as escadas. O rapaz se foi, levando os baldes vazios, fechando a porta atrás de si.
Os homens que não haviam bebido água resmugavam, esbravejavam. Alguns começaram a trocar empurrões. A mulher se recolheu a um canto com a menina. Tinha medo do que poderia acontecer ali. Muitas pessoas juntas, em pouco espaço, alguns pareciam doentes, todos tinham fome, todos tinham sede. Tentava imaginar o que cada um de seus companheiros de viagem teria passado antes de ser trazido para esse barco. Olhava em volta. Percebeu que a maioria das pessoas era jovem. Parecia mesmo que o único velho ali havia sido o homem que morrera ao pé da escada. Havia algumas poucas crianças. Olhava agora para a menina no seu colo novamente. A menina repentinamente deu um pulo. Apontou para o outro lado do aposento. Havia um rato enorme. A mulher já havia visto outros ratos ali. Mas os ratos não a assustavam. As pessoas, sim.
Não se passou muito tempo e a porta se abriu novamente. O mesmo rapaz trazia mais baldes, com a ajuda de um outro homem. Colocaram os baldes no alto da escada e o rapaz disse para baixo que havia mais água e também comida. Os homens se desembestaram escada acima. Houveram mais empurrões, mais insultos, e um deles chegou a despencar escada abaixo. Finalmente, um grupo conseguiu impor alguma ordem e entregaram cada um dos baldes a grupos de dez ou doze pessoas. A essas, outras que haviam ficado sem grupo, e sem balde, se juntavam. Em cada grupo, todos tentavam enfiar a mão dentro dos baldes ao mesmo tempo. Houve mais confusão, mais gritaria, mas no fim, todos pareciam ter conseguido pegar pelo menos um punhado daquela papa branca que havia no balde. A menina chupava seus dedos. Seus olhos pareciam mais alertas, mais brilhantes. A mulher, no entanto, sabia que a garota ainda tinha fome, pois a sua própria não havia sido saciada.

27.6.08

Navio Tumbeiro
Capítulo II

Despertou-se com gritos e um corpo que caía sobre ela. Era outra mulher. Chorava e pedia ajuda. O ambiente continuava escuro, mas agora tudo se movia com muita violência. Havia também muito barulho. Parecia chover muito forte do lado de fora. Percebeu que havia água por todos os lados. Gritos vinham do alto da escada atravessando a porta que antes ela havia enxergado. Gritos também ecoavam naquele aposento escuro. As pessoas que ali estavam eram jogadas umas contra as outras. Tentou se apoiar em algo. A outra mulher se levantava agora. Percebeu um corte na cabeça daquela mulher. Sangrava muito. Dois homens tentavam se equilibrar e se aproximavam. Eles falavam sua língua. Ela compreendia o que eles diziam, mas não os reconhecia. Eles tentavam amparar a mulher ferida. Ela finalmente se colocou de pé.
Conseguiu distinguir em meio ao tumulto aquele mesmo choro que havia ouvido antes de adormecer. Enquanto a outra mulher era amparada pelos homens que falavam sua língua, ela foi se movimentando, se apoiando nas pessoas que estavam pelo caminho, algumas em pé, se equilibrando como podiam, outras de joelhos e mesmo outras deitadas, chorando. Tudo sacudia. Ela percebia agora por onde entrava água no aposento. Descia em grande quantidade pela escada, mas também entrava pelas frestas no teto. Por isso o chão estava tão molhado e escorregadio. Continuou andando até encontrar a origem daquele choro de criança. Uma menininha de pouco mais de 5 anos se agarrava a uma pilastra e chorava.
Se aproximou dela e se amparou na mesma pilastra que dava abrigo à menina. Falou-lhe. Sentou-se a seu lado e a abraçou. A menininha a abraçou de volta. Um abraço muito forte. Era como se as duas estivessem se reencontrando após anos de ausência. Lembrou-se de uma música que seu pai cantava. Não se lembrava das palavras, mas a melodia estava ainda muito viva em sua mente e foi o suficiente para manter a menina tranquila até que tudo se acalmou. O aposento já não sacudia tanto. A garotinha não dormia, mas permanecia muito quieta, seus olhos grandes fixos nos olhos daquela estranha que a acalentava. A mulher pensava que a menina deveria ter fome. Ela também tinha muita fome, mas não parecia haver nada ali. Perguntou a menina sobre sua mãe e ficou feliz de saber que a menina entendia o que ela falava, mas a entristeceu o fato de a garotinha não saber onde estavam sua mãe ou seu pai. E lembrou-se também que não sabia onde estava seu marido.

25.6.08

Navio Tumbeiro
Capítulo I

Abriu os olhos e não reconheceu o lugar onde estava. Estava em um ambiente fechado e escuro. O cheiro era detestável. Percebeu através da pouca luz que entrava por frestas no teto que havia mais pessoas ali. Olhava em volta e procurava alguma silhueta conhecida. De repente sentiu o chão se mover. Na verdade, todo aquele aposento, se é que era um aposento, se movia. Se apoiou à parede e a uma pilastra que identificara a sua frente para conseguir se levantar. Sua cabeça, seu ventre, seu sexo, todo seu corpo doía muito. Lentamente as imagens foram se formando na sua mente.
Haviam invadido sua casa, quebraram tudo. As memórias iam surgindo aos poucos e suas forças se esvaíam com cada nova lembrança. Lembrou de seu marido tentando protegê-la. Vários homens o agarraram e o dominaram. Ela tentou se desvencilhar dos outros que a tinham agarrado também. Separaram-na de seu homem. Levaram-no. Dois homens a seguravam dentro de sua casa. Depois de algum tempo, os outros três voltaram. Ela gritava e cuspia. Tentava se soltar, mas agora eles eram ainda mais fortes. Eram cinco homens fortes. Ela era uma mulher. Mas não deixava de lutar. Os homens tinham no hálito um cheiro que ela não conhecia. Se aproximavam dela e conversavam em uma língua que ela não entendia. Pareciam estar tramando contra ela. Olhavam seu corpo e riam-se. De repente, um deles tocou seus seios e percorreu seu ventre com as mãos. Ela já não gritava, nem se debatia. Sua respiração estava acelerada. Fitava-o com ódio. Os outros quatro a seguraram mais firmemente, cada um imobilizando um de seus membros, enquanto o quinto continuava a explorar seu corpo. Ele se desfez de suas vestes e rasgou as da mulher. Era esta a última lembrança que tinha.
Caiu novamente no chão. Em parte por faltarem-lhe as forças, em parte pelo balanço das paredes e do chão. Não conseguia mais conter o pranto que brotava de seu peito e apertava sua garganta.
Ouviu passos. Vinham de cima. Ouviu alguém chorar. Apertou os olhos. Não conseguia perceber quem era. Haviam muitas pessoas ali. Mas aquela voz, era a voz de uma criança.
Uma porta se abriu, no alto de uma escada que ela agora percebia. A luz que entrava por ali, não era muita, mas ajudou a perceber melhor o estado em que se encontravam aquelas pessoas a sua volta. Todos pareciam cansados, algums estavam feridos, pareciam ter levado uma surra. Subitamente achou que fosse uma boa idéia fingir-se de morta. Um homem desceu as escadas. Sua pele era clara, como a daqueles comerciantes que vieram até sua vila certa vez. Também as roupas daquele homem faziam-na lembrar das roupas daqueles comerciantes. Ele carregava um objeto longo nas mãos. Parecia pesado. Por vezes, deixava o abaixado, quase tocando o solo. Por vezes o amparava com as duas mãos. Ele olhava ao redor. Ela se sentia segura em observá-lo, mas não tinha coragem de se dirigir a ele. Ele deu algumas voltas e se deteve diante de um velho deitado bem próximo a escada. Cutucou o velho com o objeto que trazia às mãos. O velho não se moveu. Cutucou-o mais algumas vezes e disse algumas palavras que ela não conseguia entender. Finalmente, acertou um forte chute no estômago daquele velho caído. Ela ouviu um gemido, mas percebeu que não havia partido daquele corpo sem vida. Parecia ter partido de algum ponto por trás da escada. O homem de pele clara balançou a cabeça. Gritou alguma coisa em direção à porta e agarrou o pé direito do velho. Começou a arrastá-lo, mas se deteve ao pé da escada. A mulher o observava. A distância e a pouca luz faziam com que ela se sentisse segura para levantar um pouco a cabeça e observar melhor o que acontecia, mas agora segurava o choro. Tinha medo de ser ouvida.
Outro homem de pele clara desceu as escadas. Trocou algumas palavras com o primeiro e agarrou o pé esquerdo do velho. Ambos começaram a subir a escada, arrastando com eles aquele corpo sem vida -- a cabeça do velho ia pulando de degrau em degrau, fazendo um barulho oco, seu corpo parecia mais um saco de ossos sendo arrastado escada acima. Ao alcançarem o topo da escada, fecharam novamente a porta, trancando novamente a escuridão dentro daquele aposento. A mulher não tinha muitas forças. E já havia visto o bastante. Não tentou se levantar novamente. Começou a chorar baixinho. Tinha muita fome e sede. Seu corpo doía e sentia um cansaço que parecia não caber em seu corpo. Adormeceu.

17.6.08

Frio

Voltava para casa depois do trabalho. Era um desses raros privilegiados que podem voltar para casa a pé morando em São Paulo. Adorava se lembrar disso. Na verdade, adorava falar sobre isso a quem quer que fosse. Se sentia um rei. Enquanto a maioria de seus amigos passava quase 2 horas no trânsito todos os dias, ele ia embora descendo a rua vagarosamente. Ainda passava na padaria para comprar cigarros. E chegava em casa em exatos 17 minutos após ter deixado o trabalho.
Mas no inverno as coisas não eram assim tão agradáveis.
Naquela noite a temperatura caíra bruscamente. Ele ouvira no rádio que chegaria aos 10 graus antes das 7 da noite. Quando deixou o trabalho, já se passavam das 9. Havia trazido um casaco, mas não esperava que fosse esfriar tanto. Antes de deixar o prédio do escritório onde trabalhava, fechou o zíper do casaco e meteu as mãos nos bolsos da calça.
Ao sair do prédio, se despediu do vigia que fazia a ronda noturna. Aquele cara havia se preparado: estava de sobretudo, gorro, e luvas.
Saiu do prédio e sentiu o vento cortar seu rosto. Seu nariz era como uma pedra de gelo. Foi descendo a rua. Demoraria um pouco mais a chegar em casa hoje. Não dava para andar muito rápido com aquele clima. O sangue em seu corpo nem parecia circular mais. A cada passo parecia estar se aproximando mais do pólo norte. Decidiu fazer a parada de sempre para comprar cigarros e aproveitou para pedir um café bem quentinho. Seria uma grande ajuda. Enquanto tomava o café, se entretia com a conversa do dono da padaria com um funcionário. Falavam de futebol. O dono da padaria reclamava da diretoria do seu time. Culpava a má administração.
Ao terminar o café, pagou sua conta e foi, novamente, enfrentar aquele sopro gelado.
A rua da padaria era paralela à rua onde morava e antes de chegar à altura em que ficava seu prédio, dobrava uma esquina à esquerda em uma ruazinha de pouquíssimo movimento.
Ao entrar naquela rua reconheceu imediatamente o carrinho da catadora de papel que passara a viver ali. Lembrou-se da cena que havia presenciado na semana anterior, quando a dona de uma das casas daquela rua havia chamado a polícia para que expulssassem aquela "mendiga" dali. Não era justo, a mulher dizia aos policiais, afinal ela não pagava impostos com nós.
Foi se aproximando do carrinho e estranhou não ver fumaça. A catadora de papel sempre fazia uma fogueirinha em noites frias como aquela. Ao passar pelo carrinho, percebeu que ela estava deitada ali, mas a fogueira parecia ter se apagado. Por um momento, parou. Olhou em volta. Não havia mais ninguém na rua. Tentou aguçar sua adição. A mulher estava tão parada, tão quieta, que poderia ser confundida com uma estátua. Parecia mesmo fazer parte do cenário, não como um personagem, mas como um poste, ou um hidrante, ou um saco de lixo. Ela não tinha muito com o que se cobrir. E ele estranhara o fato de ela não estar tremendo. E por que será que ela não acendia a maldita fogueira?
Assobiou. Não houve reação. A situação o deixava cada vez mais tenso. Não era de ter medo. Sempre caminhava por aquelas ruas tarde da noite. Mas ficar ali parado também já era demais. E o frio o lembrava a todo instante de que sua cama quentinha o aguardava.
Assobiou novamente. Nada.
Chamou pela mulher:
-- Ei, moça!
Nenhum movimento, nenhum som, nada.
Chamou mais alto e o resultado era o mesmo. Se impacientou e foi até ela. Tocou seu corpo, sacudiu a pobre mulher e percebeu que o corpo dela já esfriara. Assustou-se. Tirou a mão daquele corpo inerte rapidamente e se levantou. Sentia um calafrio na espinha. Estava morta. Morrera de frio. Não sabia o que fazer. Sentiu uma lágrima correr-lhe a face. Aos poucos dava soluços contidos. Não entendia como algo assim poderia acontecer. Ficou ali sem reação por alguns minutos. Talvez velasse a morta. Sim, era um velório de uma só pessoa, sem padre, sem capela, sem caixão, sem flores, sem pêsames aos familiares. Não havia familiares. Havia jornal, restos de comida em uma panela velha e suja, uma garrafa d'água pela metade.
Achou que deveria fazer alguma coisa, mas o quê? Pensou em ligar para os bombeiros. Já não adiantava mais nada. Não havia nenhuma vida a ser salva. Pensou então na polícia. Melhor não. Passaria a noite na delegacia dando explicações sobre algo que simplesmente não lhe dizia respeito. Ele não era o culpado pela morte daquela mulher. Enxugou as lágrimas com a manga do casaco e decidiu ser racional. Não havia nada que pudesse ser feito por aquela pobre coitada. Além do mais, se ele tivesse tomado outro caminho, não teria visto aquilo. Por que havia cismado de parar? Por que não continuara? A essa altura, já estaria dormindo.
Decidiu ir embora. Nada podia ser feito e o corpo seria descoberto pela manhã por outra pessoa.

10.6.08

Abulia

Está acordado, mas seus solhos ainda estão fechados, simplesmente por que não tem vontade de abrí-los. De repente, um barulho vindo da sala o força a fazê-lo. Percebe ser o vento e nem mesmo se mexe, mas não volta a fechar os olhos. Fica lá, olhando para o guarda-roupa. Olhando para as portas fechadas. Deveria se levantar, mas nem pensa nisso. Já passa da hora do almoço. Não há nada na geladeira. Talvez um resto de pizza da semana passada. Está frio e o vento que vem da sala gela sua pele. Continua imóvel.

6.6.08

Auto-controle

Olhou para o celular e viu que era ela. Como ela havia prometido no email, às 11:30 ela o telefonava. Depois de 15 anos sem vê-la, ele não sabia como reagiria ao reencontrá-la. Não devo fazer isso, repetia para si mesmo enquanto do celular ecoava uma versão de Garota de Ipanema.
- Alô.
- Oi.
- Tudo bem?
- Tudo. Eu disse que ia ligar.
- É.
- E você atendeu.
- É.
- Então é por que você também quer.
No email que enviara, ela o convidava para um almoço. Dizia que o marido estava fora da cidade a negócios e não tinha hora para voltar. Sérgio já havia feito sua inscrição para um Congresso que aconteceria no Rio naquele fim de semana.
Ele enfim respondeu:
- Não tenho certeza.
- Bom, não quero te pressionar. Vou te esperar aqui. Se você não chegar em uma hora, eu vou entender que você desistiu.
Desligaram. Sérgio estava atormentado. Sabia que o que fazia era errado, imoral. Amava sua mulher. Amava seus filhos. Amava sua vida perfeita de homem bem casado e bem sucedido. Mas sentia muita falta do gosto da aventura. Gosto muito bem representado por Sílvia. E ela o esperava a menos de 15 minutos dali.
Finalmente decidiu-se. Vou lá rapidinho, pensava, dou um alô pra ela, como alguma coisa e vou me embora. Não havia nada demais em rever uma velha amiga. É verdade que Sílvia era bem mais do que uma velha amiga. Mas naquele instante Sérgio decidira tratá-la assim. Ligou para seu escritório e falou com sua secretária:
- Solange, como está minha agenda para hoje?
- Não tem nada não, Seu Sérgio. O contador ficou de vir aqui, mas desmarcou.
- Tá certo. Pode fechar e sair mais cedo então.
Sua mente estava fervilhando. Tinha esperança de que houvesse algum compromisso inadiável que o obrigasse a voltar depressa para o escritório. Bom, em todo o caso, ele poderia sempre inventar alguma desculpa.
Quando estacionou o carro, sentiu a transpiração escorrer pelas costas. Deu uma olhada no retrovisor. Os cabelos grisalhos o lembravam de suas responsabilidades. Saiu do carro afoito.
Assim que entrou no restaurante, avistou Sílvia. Perfeita como sempre. Antes de caminhar até a mesa onde ela estava sentada, respirou fundo e disse baixinho para si mesmo:
- Dane-se!

16.5.08

The lyrics from yet another great song by Mr. Ben Harper

Lifeline

life is much too short
to sit and wonder
who's gonna make the next move
and will slowly pull you under
when you've always got
something to prove

i don't want to wait a lifetime
yours or mine
can't you see me reaching
for the lifeline

you say that i misheard you
but i think you misspoke
i hear you laugh so loudly
while i patiently await the joke

i don't want to wait a lifetime
not yours
not mine
can't you see me reaching
for the lifeline

it's a crime with only victims
we're all laid out in a row
and it's hardest to listen
to what we already should know

i could hold out for a lifetime
yours or mine
yours and mine
can't you see me reaching for
your lifeline

22.4.08

Quero molhar meu pé no Atlântico
Dançar ao som desse doido cântico
Nada com nexo, sou mesmo romântico

Quero andar por aí batendo perna
Se você não vive a vida, a vida leva
Te traga, te suga, e no fim te enterra

Quero pensar menos pra sentir mais
Sem medo, sem tensão, sem pé atrás
Esse mundo louco é a gente mesmo que faz

Quero me levantar de madrugada
Sair, correr, sem pensar em nada
Não vou topar nem com alma penada

Quero lutar pelo meu sonho
Escolhas que fiz, assim proponho
Na vida nada é assim tão medonho
Not Anymore

Another cigarette and I'll go
I'll pack my things and hit the road
I've got my guitar and the pictures of my friends

I'll remember you forever
Whether I'm stuck in hell or heaven
Your laughter and your eyes once so mine, so close

A shattered glass left untouched
Words, thoughts and tears, hate and lust
There's nothing more to say, nothing more to pray for

But I want you to know
Those days were so beautiful
You and I
We were meant to fly
But not together
Not anymore

27.3.08

Feliz Dia Novo

A vida passa mesmo assim
A gente passa pela vida
Se trombando, se batendo, se esbarrando
Se encontrando e se perdendo
Conhece gente nova e gente boa
Gente nova, gente à toa
Reencontra velhas caras
Recorta velhas aparas
E tudo passa
E tudo muda
Ou quase tudo
Joga fora o velho
Deixa o novo entrar
Todo dia é Reveillon

24.3.08

It ain’t gonna rain tomorrow

I see you looking out the window
The blues is on your face now
Watching the gray skies
Plumb clouds blocking your way

I tried to talk to you
You seem distant, just not there
Focused on something dark
Not even notice I’m around
It’s about time you get past that

Just get through it and get it out of your chest
After the rain there’s a rainbow
Cool winds to ease up your sorrow
Just remember, girl
It ain’t gonna rain tomorrow
It ain’t gonna be as dark
The sun is gonna shine again
I can promise you that

Rain drops rolling down the window
Tear drops rolling down your cheeks
But we’ll always have tomorrow
And it’s waiting for you just past midnight

Your mind is as clouded as the sky
There’s no more faith in your heart
The laughter we shared has died away
Yet I say, tomorrow is gonna be another day
Não tenho tido muito tempo para escrever. Escolhas que a gente faz na vida.
Então vou pedir ajuda ao meu grande amigo Greg para preencher esse blog com um belíssimo soneto. Vai daí, Greg!

A Instabilidade das Cousas do Mundo (Gregório de Matos)

Nasce o sol, e não dura mais que um dia
depois da Luz, se segue a noite escura,
em tristes sombras morre a formosura,
em contínuas tristezas a alegria.

Porém, se acaba o sol, por que nascia?
Se é tão formosa a luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no sol, e na luz falta a firmeza,
na formosura não se dê constância,
e na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
e tem qualquer dos bens por natureza
a firmeza somente na inconstância.

Focker out!

29.2.08

Awakening

I had a dream

She was there
Walking right past me
I couldn't see her

The river went on
Never leaving its course
Until that day

Life was turmoil
Everything was falling apart

That was called for
I needed to get to know myself

I opened my eyes
The light hurt me
For a while
I finally could see

And I saw the planet
And the trees
And the birds
And I felt the wind
Caressing my skin

There were people around me
Talking, walking, living
And I finally realized:
"I can..."

That's when I finally saw her
Really saw her
People talked about her
All the time
But I saw her

And I was awake

28.2.08

Versos Escatologicamente Fáceis

Me saem os versos fáceis
Pulam para fora de mim
Como se meus dedos
Não tivessem força para contê-los

Digo que vomito versos
Mas não é uma boa metáfora
Embora, muitas vezes,
Os versos sejam como o vômito:
Mal cheiroso, amarelo, asqueroso

Mas o vômito, não
O vômito me sai com dificuldade
Faz doer as entranhas
De modo que não comparo
Nem crio metáforas
Ou uso qualquer outra figura

Mas eis que surge uma figura
Para bater de frente com a estrofe anterior:
O peido

Sim, meus versos são como o peido
Que escapole, se furta, se esvai
Provocando incômodo
O peido só é bem vindo na solidão
Aí então peida-se à vontade
Como se soltam os versos

Mas não são tão importunos
Os versos

Então decido de vez
Não uso figuras
Apenas digo
Versos fáceis
Fáceis de escrever
Fáceis de ler
Fáceis de lembrar
Fáceis de gostar e de detestar

27.2.08

Bonanza da Insatisfação

Estava sentado no sofá. Avaliava sua vida. Pensava na casa, na esposa, nos filhos. Olhava para a janela e pensou, sou um infeliz. Tinha tudo e não tinha nada.
De repente a janela começou a se abrir. Sentiu que seu corpo era puxado, como que por um vento, em direção à ela. De entreaberta a janela passou a se arreganhar. Agora sentia realmente que seu corpo era sugado para fora através da janela. Olhava em volta e percebia que todos os móveis e a TV continuavam lá, parados, enquanto ele já procurava algo em que se agarrar. A força da sucção aumentou. Percebeu nesse momento que sucção não era a melhor palavra para descrever o que ocorria. Estava sendo expulso de sua casa por uma força desconhecida, talvez magia negra.
Caiu do sofá. Seu corpo batendo pesadamente contra o chão e escorregando, escorrendo em direção à janela como se a sala estivesse tombando tal qual um navio em alto mar. Se agarrou ao sofá, mas a força estranha o puxava ainda mais forte agora. Sentiu seu peso diminuir e percebeu que a gravidade já não mais era suficiente para mantê-lo ali. Não conseguiu mais se segurar e, num estouro, foi cuspido para fora da sala, fora da casa, fora da sua própria vida.
Abriu os olhos. As luzes do quarto estavam apagadas. Sua mulher ressonava ao seu lado enquanto sentia a camisa do pijama grudada à pele pelo suor.
Melhor voltar a dormir, pensou, amanhã é segunda-feira.

24.2.08

Sou um elástico velho de várias pontas. Me estiquei em todas as direções. Tanto estiquei que perdi a elasticidade. Fiquei bambo. Minhas pontas soltas, sem força pra se recolherem de volta.
Sou uma ameba que lançou seus pseudópodes em tantas direções e com tanta força que não consegue mais fagocitar nada.
Uma caravela com muitos mastros, mas cada um aponta prum lado no meio de uma tempestade. Caravela despedaçada.
Um girassol em uma galáxia cheia de sóis. Cada pétala quer puxar a corola em uma direção.
Um rio correndo ao mesmo tempo para o Índico e para o Pacífico.

20.2.08

Forte

Olho pro teto. O sono chega devagar. Estou inconsciente. Sei disso pois vejo seu rosto sorrindo. Minhas mãos deslizam pelo seu corpo, subindo da cintura, acariciando seus seios e, finalmente, chegam até o pescoço. Você continua sorrindo. Minhas mãos envolvem seu pescoço fino.
Começo a apertar. Cada vez mais forte. Você se debate, mas meu peso te subjuga. Percebo que seus lábios começam a ganhar uma coloração púrpura. Sua pele perde o rosado. Está pálida. De repente, não se move mais.
Acordo. Vou pro trabalho. Aquele sonho me perturba. Mesmo morta, ainda me domina.

14.2.08

Maria estava preocupada com seu amigo, Antônio. Ele não parecia muito bem. Andava calado, amuado. Resolveu ligar pra ele.
- E aí, como é que cê tá?
Um suspiro do outro lado. E ele disse:
- O que dizer nessa noite tranqüila? - mais um suspiro. - Talvez que ela esteja tranqüila até demais pro meu gosto. Faz falta ter aquela pessoa do seu lado. Dividir o frio e o calor. Aí, dá uma melancolia gostosa. Dá uma vontade de Me perder naqueles pensamentos. Até percebermos que são só pensamentos. Depois a gente volta e vê que a realidade não tá nada mal, se melhorar estraga. Pelo menos até amanhã, ou depois, ou depois, ou depois...

13.2.08

2U's

Abri os olhos
He was there
Não via seu rosto
He'd turned his back on me

Gritei por ele:
"Quem é você?!
Me mostre seu rosto!!"
Nem um movimento
Only his voice:
"Who I am is irrelevant,
For you know me too well.
Yet, if I showed you my face
You'd probably die in pain."

Me levantei
And attacked him.
Mas ele sabia o que eu ia fazer
Before I could even think
Antes que eu fizesse qualquer coisa
And he assalted me with his elbows
E coices certeiros, castigando
My nose, my ribs, and my sack

Desisti, me sentei
I was panting and
olhando em volta
I saw a farmer's tool:
Uma foice!

I jumped at it and
De um golpe só
Cut off his head

Abri os olhos
The mirror or
O que sobrou dele
Shards of glass
No chão, me refletindo
My hands, my face, my life

10.2.08

Cada Um Com Seus Problemas

Sentou-se na mesa do café e acendeu um cigarro. Olhou em volta e viu um casal de homens trocando juras de amor. Pensou, se eu fosse gay, minha vida seria tão mais fácil. Nesse momento seu celular tocou.
- Alô.
Do outro lado da linha a voz de Fabíola estava trêmula.
- Jaime, onde cê tá?
- Tô tomando um chopinho em um café. O que aconteceu? Cê tá chorando?
- Preciso muito de você agora. Me dá o endereço que vou praí.
Jaime passou o endereço do café e, antes de deixar Fabíola desligar, ainda perguntou:
- Tem certeza que cê tá bem pra dirigir?
- Tô. - disse ela com voz de criança que perdeu um brinquedo.
Assim que Jaime terminou o primeiro chope, percebeu que Fabíola estacionava o carro na rua do café. Ela desceu do carro estabanada, tresloucada, parecia meio perdida. Deixou cair a bolsa no chão. Se abaixou para pega-lá e antes de se levantar novamente, aproveitou para pegar um cigarro. Se levantou cambaleante. Os óculos escuros escondiam os olhos vermelhos de pranto. Acendeu o cigarro enquanto caminhava até a mesa onde Jaime estava sentado.
Jaime a observava e admirava o fato de que, mesmo estando em pedaços, como ela aparentava estar pelo telefone, ela conseguia ser linda. Ele sempre achara que a beleza, interior e exterior, de Fabíola seria o suficiente para encher um estádio de futebol. Quem não pagaria um ingresso para estar em sua presença? E ele, um privilegiado, tinha aquilo todos os dias, sem precisar pagar nada.
Jaime se levantou para abraçar Fabíola. Ela chorava baixinho.
- A Lívia terminou comigo. - ela disse baixinho em seu ouvido.
Ele tentou acalmá-la. A apoiou para que ela se sentasse à mesa. Sentou também.
- O que aconteceu? - Jaime perguntou.
- Não sei. Ela me pediu um tempo. Pelo telefone. Sem explicação.
Agora Fabíola se recompunha. Usava um guardanapo para limpar as lágrimas por baixo dos óculos escuros. E acrescentou olhando para Jaime:
- Ai, Jaime, minha vida seria tão mais fácil se eu não fosse gay.

31.1.08

Subitamente

Faltavam poucas estações. Henrique havia se sentado no penúltimo vagão. Sabia que, quando o metrô parasse, aquele carro seria o mais próximo da escada e aguardava tranqüilamente quando o trem chegou à Estação Trianon-Masp. Foi quando ela entrou.
Henrique sentia o mundo à sua volta perder o sentido, se derreter. A única coisa no mundo, naquele momento, era ela. Ela se sentou em um assento em frente ao de Henrique. E ela também o olhou. A princípio ele nem percebera que ela o encarava de volta e quando o fez, desviou o olhar. Meu Deus! pensava, não consigo parar de olhar.
Não resistiu e voltou a olhar. Ela também ainda o fitava. Sorriram e ela se levantou quando o metrô parou novamente. Henrique entrou em um tipo de desespero interno. Por dentro, estava se debatendo, queria pedir para ela ficar, ou ir com ela, agarrá-la pelo braço! Por fora, mantinha a compostura, apenas a observava, mas se levantou também. E foi aí que percebeu que ela carregava uma pasta. Ela já estava fora do vagão, e ele se aproximou da porta para conseguir ler o que estava escrito na pasta: o nome e o telefone de uma firma de advocacia. Antes que a porta se fechasse, ele gritou para ela, que já se aproximava das escadas:
- Seu nome!
E ela respondeu:
- Daniela!