31.12.11

Ano Novo

Então, às margens do novo ano, vou escrever sobre... sobre... é...
Eu pensei em fazer um texto sobre resoluções de ano novo. Mas desisti. A coisa mais bacana sobre resoluções de ano novo que vi esse ano (tá acabando) foi um cara que disse que a resolução dele seria 1280x1024. Entenderam?
Enfim, não vou escrever sobre resoluções. Tô mimado hoje. Vou escrever sobre o que eu quero pra "esse novo ano que se inicia" (quantas vezes você já ouviu/leu essa frase? e o pleonasmosinho?).
Bom, uma coisa que eu queria muito, de verdade mesmo, é que minha irmã ganhasse a mega da virada. É, por que ela joga. Eu, nem isso. E como eu não jogo, se ela ganha, é o melhor que pode me acontecer. Se o raio não pode cair em cima de mim que pelo menos caia próximo. E como é muita grana e eu resolvi estudar de novo, eu tenho certeza que ia sobrar um troquinho pra mim, ela vai investir no futuro da saúde do país.
Outra coisa que eu queria é que os professores fossem melhor... mais bem... caraca, não sei como diz isso... fossem mais valorizados. Eu li uma reportagem na Veja esses dias falando sobre o sistema de educação da China. Não que eu acredite em tudo o que a Veja diz, muito pelo contrário (não consigo dizer isso sem pensar em penteados...). Inclusive eu tava conversando com meu pai sobre esse meu ceticismo midiático. Ele tava falando/reclamando que eu não acredito em nada, não acredito na Veja, na Globo, etc. E eu disse que não é questão de não acreditar. Eu estudei jornalismo durante três anos. Conheço alguns jornalistas que já trabalharam ou trabalham para meios de comunicação de vulto (editora Abril, Globo, TV Senado, Radiobrás - hein?). Assim sendo, tenho meus motivos para desconfiar. De forma que vejo tudo como uma opinião, um mero ponto de vista. O que eles ensinam na faculdade de jornalismo é que o jornalista não pode ter opinião. O jornalista tem que apenas apresentar os fatos. É claro que as coisas não funcionam assim. O jornalista tem que escrever de maneira que aparente não ser opinião (com exceção dos editoriais). E aí eu leio ou ouço alguma coisa e só acredito se tiver informações de outras fontes que corroborem o que foi dito. Mas, como é de meu costume, estou digredindo. Voltemos à reportagem da Veja sobre a educação na China. Não sei se é daquele jeito mesmo, mas se for, o Brasil (e o mundo Ocidental) tem muito que aprender com eles. Não vou me alongar aqui, mas basta dizer que, segundo a reportagem, o investimento principal lá é feito no profissional à frente da coisa: o professor (You don't say!). Aqui a gente vê muita escola particular se gabando das excelentes instalações. Tem escola que tem quadro/lousa digital. Tem escola em que todo aluno tem iPad. E algumas escolas têm bons professores. E na escola pública, nem isso tem. Na China (e agora vou assumir que vocês já entenderam que todas as afirmações que eu fizer sobre o assunto se baseiam no que li na reportagem) é um professor bem preparado, uma sala de aula e um quadro/lousa (de escrever em cima mesmo). E as salas não são pequenas. O Brasil tem mania de pensar a curto prazo. Há uns 500 anos o país não perde essa mania. E a bem falada democracia não ajudou nisso. Essa história de mandato de 4 anos, com os políticos daqui, faz com que todo projeto dure no máximo 3 anos. Por que o quarto ano eles gastam (tempo e dinheiro público) para se reeleger ou eleger alguém de sua laia. E um sistema educacional sério não se estabelece em 4 anos. Chega disso.
Sabe outra coisa que eu queria para o próximo ano? Que acabassem as propagandas, os comerciais. É, a única propaganda seria a boca-a-boca. No máximo as empresas poderiam dizer aos potenciais clientes que elas existem e que oferecem o produto ou serviço que eles procuram. Conversando com meu pai sobre isso, ele disse que não seria bom, pois teríamos que pagar para ter acesso a programas de televisão, por exemplo. Uai, a única coisa que mudaria nisso é que esse relacionamento televisão/telespectador seria mais honesto. Nós já pagamos para assistir o que passa na TV, ao consumirmos tudo que é anunciado nos intervalos comerciais sem refletir se precisamos daquilo de verdade ou não.
Ah, vamos voltar na política! Quando o Zé Dirceu rodou, todo dia o Jô entrevistava algum político. Entrevistava um tucano num dia, um petista no outro. Um dia ele entrevistou o Mercadante e o então Senador, que não tem nem mesmo minha empatia, disse algo interessante. Eu vou pegar a idéia dele e adaptar um pouquinho por que não lembro exatamente o que ele disse e o que eu inventei. Mas imagina se os candidatos não pudessem produzir suas campanhas. Imagina se a gente pegasse uma equipe de TV que ficasse à disposição dos candidatos no horário em que o horário político passasse na TV para filmá-los ao vivo sem vinhetinha, sem equipe de backstage, para que eles falassem de suas propostas. E mais, imagina que todos os candidatos a uma determinada vaga tivessem direito a falar pelo mesmo tempo, independente do tamanho do partido (ou de sua conta bancária).
Eu li um trem esses dias que achei muito engraçado e muito verdadeiro: se o voto mudasse alguma coisa, seria proibido.
Ufa! Acho que é isso que quero para o ano que vem, além dos deliciosos clichés ("muito dinheiro no bolso / saúde pra dar e vender...").

5, 4, 3, 2...

29.9.11

Depoimento de um ex-aidético (história verídica)

Certa vez viajei para Manaus em uma viagem de ecoturismo. Durante o passeio, distraído, fui picado por uma rã. Imediatamente fui para o primeiro pronto socorro que havia por ali. Lá chegando, fui prontamente atendido pelo infectologista de plantão. O médico auscultou meu baço e confirmou o diagnóstico: eu estava com aids. Fiquei muito abalado psicologicamente. Iniciei o tratamento na mesma semana tomando diclofenaco potássico de 8 em 8 horas e passando por sessões de quimioterapia diárias. Sofri terríveis efeitos colaterais, como a claustrofobia e a miopia. Mas valeu a pena. Eu venci a luta contra o rotavírus, o vírus da imunodeficiência humana.

29.8.11

Super Homem

Super-Homem: "Pra mim não dá mais!"

A janela de trás da mesa do presidente explodiu preenchendo a atmosfera do Salão Oval, por algumas frações de segundo, com uma nuvem de cacos de vidros. Os seguranças já estavam cercando o presidente e o encaminhavam para a porta quando todos, eles, o presidente, o vice, o secretário de defesa, finalmente perceberam a presença dele.
Estava bem ali, no centro do Salão Oval, em sua pose clássica, com as mãos na cintura, a capa esvoaçante, devido ao vento que agora entrava pela janela arrebentada, o penteado impecável como sempre, o imponente e inconfundível S no peitoral avantajado.
O presidente se desvencilhou dos seguranças e começou a esbravejar:
- Porra, Super-Homem! Que merda é essa?! Isso é jeito de entrar na minha sala?!
- Quem falou que a boca é sua? - sua voz era calma e ele fitava o presidente com olhos impassíveis.
Todos na sala, menos ele, sentiam um calafrio. Ele nunca havia feito ou falado nada assim. O presidente agora baixava o tom de voz.
- Pô, quê que tá acontecendo, cara?
- Todo mundo sentadinho. Os seguranças podem sair.
O vice-presidente quis protestar:
- Peraí, por que tirar os seguranças?
O secretário de defesa quis se desculpar. Precisava resolver umas coisinhas e tinha marcado de almoçar com a esposa.
- Agora, caralho! - exigiu o Super-Homem.
Mais que depressa, todos obedeceram. Os seguranças saíram quase correndo da sala, sem olhar pra trás. O presidente, sentou-se na poltrona, entre o secretário e o vice. E o Super-Homem sentou-se na cadeira do presidente, depois de, com um super sopro, retirar todos os cacos de vidro de cima da mesa, juntamente com tudo o mais que havia ali. Então começou:
- Os senhores sabem o que eu acabei de fazer?
Os três homens se entreolhavam.
- Era mais uma pergunta retórica mesmo. Eu acabei de matar o Lex Luthor. Matei ele e qualquer um que já tivesse dito bom-dia pra ele. É isso mesmo. Cansei dessa merda. Prende o cara, o cara é solto. Prende o cara, o cara volta. Vai se fuder! Ninguém aguenta mais essa merda. Matei o filho da puta. Posso garantir que ele não sofreu. Foi rápido e indolor. Dei um surdão nele, sabe? Sabe aquele tapa duplo que policial dá em neguinho? Com uma mão de cada lado da cabeça, pra estourar os tímpanos do infeliz? Pois é. A cabeça dele explodiu. Não sobrou nada.
O secretário de defesa tentava disfarçar, mas seus joelhos tremiam. Seu rosto tinha perdido todo o sangue. De repente, virou para o lado e vomitou. Os outros dois homens o olhavam com certa piedade e algum nojo. O Super-Homem o olhava com desprezo e perguntou ao presidente:
- É essa a qualidade de homem que você consegue para ser secretário da defesa do seu país? - virou-se para o secretário. - Aí, mané. Tu tá demitido. Pode ir embora. Vaza.
O homem se levantou e saiu de cabeça baixa.
- Continuando. Bom, se o Luthor e todo mundo que trabalhava para ele estão mortos. O que isso significa? Hein, seu vice? Presidente? Não? Não sabem? Vamo lá, galera!
- Um mundo melhor? - arriscou o vice, timidamente.
- É. Isso também. Certamente. Gosto da maneira como você pensa, vice. Mas não é bem isso que eu ia dizer. Significa que agora sim eu sou indestrutível. Ninguém mais tem acesso à kriptonita. Eu sei que cês tinham um estoque pequeno guardado numa base subterrânea no deserto de Mojave. Prestaram atenção ao tempo verbal? Tinham. É. Eu fiz uma obra lá digna de um empreiteiro. Arranquei a porra toda do chão e mandei pro espaço, pra bem longe do sistema solar. Tá certo que alguns de seus funcionários morreram. Mas, é assim mesmo, né? Eles tiveram que aguentar essa pelo time. Não dava pra arriscar entrar lá e pedir licença. Qualquer zé roela que pegasse um estilingue e uma pedrinha verde filha da puta daquela podia me matar. Tem charuto aqui?
O Super-Homem começou a abrir as gavetas da mesa do homem anteriormente conhecido como o mais poderoso do mundo, enquanto este tentava se manter impassível sentado no sofá ajeitando o nó da gravata.
- Ah, achei!
Usando sua visão de calor, acendeu três charutos Cohiba da caixa que encontrara. Deu um para cada um dos homens que restava no sofá e voltou a sentar-se na cadeira do presidente. Com os pés sobre a mesa, soltava grandes anéis de fumaça que se esvaneciam lentamente.
- Sempre quis fazer isso.
O presidente seguiu seu exemplo, colocando os pés sobre a mesinha de centro e cutucou o vice:
- Relaxa, cara. Se ele quisesse matar a gente, já teria feito.
- Isso, presidente. Isso mesmo.
Os três riram serenamente, como três velhos amigos que se encontravam conversando sobre reminescências.
- Mas, Super-Homem, então o que te traz aqui? - o vice arriscou.
- Bom, o lance é o seguinte. Não vou mais trabalhar pra vocês. Vocês é que vão trabalhar pra mim. Sabe, se os humanos, terráqueos não conseguem cuidar de si mesmos a ponto de colocarem em risco sua própria sobrevivência e a existência do planeta, isso significa que vocês não podem ter a responsabilidade de gerenciar o planeta por vocês. Eu pensei em ir à televisão dar as boas-novas. Dizer que agora o bicho ia pegar, que quem não andasse na linha ia ter que responder diretamente a mim, fosse quem fosse, gari, professor ou presidente, onde quer que estivesse, na China ou no Brasil. Mas não. Pensei melhor e vim aqui ter essa conversinha com você primeiro. - disse olhando para o presidente. - Posso te chamar de você, né? Eu quero que o senhor convoque uma reunião com os líderes das maiores e mais poderosas nações. Quero o chanceler alemão, quero o primeiro-ministro inglês. O Berlusconi, não. Esse filho da puta eu faço questão de trucidar com minhas próprias mãos. Vai servir de exemplo pros outros. Bom, voltando à reunião. Quero a galera do BRIC, os japoneses, os argentinos. Acho que por enquanto tá bom. Pode jogar mais alguém aí no bolo que você achar interessante. Convoca essa reunião em meu nome. Abre com os caras. Diz o que eu já fiz: com o Luthor, com a Kriptonita, aqui na sua sala... Pode falar que o secretário de defesa vomitou. Esse cara sempre foi muito arrogante. Merece essa humilhação pública. Semana que vem eu volto pra essa reunião. Alguma dúvida?
- Vamos discutir o quê exatamente?
- A gerência do mundo. Já falei com a galera lá da Liga da Justiça. O Batman vai cuidar das finanças. O cara sempre teve grana e sabe lidar com isso. Eu vou cuidar da paz, ou da guerra. Os humanos escolherão como vai ser. A Mulher-Maravilha é que vai ser a presidente do mundo mesmo. Essa coisa de mulher no comando tá na moda, né? O Lanterna-Verde vai cuidar do meio ambiente. O resto a gente vai debatendo juntos. Mas que fique uma coisa bem clara: acabou essa merda de humano batendo em humano, humano abusando de humano. Isso cês já podem adiantar pra galera lá.
Levantou-se e apagou o charuto com um sopro gelado. Deixou-o cair dentro do cesto de lixo.
- Se os senhores não têm mais nenhuma dúvida, eu vou indo nessa.
- Não, acho que tá tudo bem claro.
- Então, até semana que vem.

23.8.11

Moon

Moon Of My Life

I ain't got the power of a politician
I ain't got the fame of a soccer player
I ain't got the money of a tycoon

But I've got ears
That listen more accurately to your voice than any other
I've got eyes that sparkle in a singular way
When light reflected by you reach them
I've got a nose that works much better
When close to your neck and hair
I've got hands that will hold you
For as long as you want them to

And I've got a heart
with true love
and your name is written all over it

22.8.11

Coisas Que Não Entendo

Sobre Coisas que Eu Não Entendo: Política e Economia

Eu não entendo nada de política. Confundo legislativo com executivo e judiciário pra mim é um bando de homem com roupa engraçada e fala pomposa. Não entendo também de economia em larga escala. Jamais poderia auditar as contas do município ou do estado. Que dirá da nação!
Minha culpa, minha máxima culpa. Nunca gostei muito de estudar. Nunca fui atrás de entender as coisas, sabe? Minha culpa ou mea culpa ou meia culpa. (Problem, sistema educacional?) É que, pensando bem, depois que eu decidi entrar na faculdade de medicina, eu comecei a estudar mais sério. Mas, cá entre nós, o que a gente aprende na escola no Brasil? O que nos exigem para entrar numa faculdade? Aprende a fazer conta, aprende a ler e escrever... tá certo que dá pra conseguir um diploma de segundo grau, digo, de ensino médio, sem ter aprendido nada. Todo mundo sabe disso. Bom, mas voltemos pra o que a gente "aprende". Aprende, digo, desculpem, não aprendemos história e geografia. Não, não mesmo. Saber que a capital do Brasil não é Buenos Aires não é saber geografia. Saber que quem descobriu o Brasil não foi Cristovão Colombo não é história. Me disseram, quando decidi estudar pra passar no vestibular, que eu teria que ler o Le Monde Diplomatique. Que nada. Assiste o Jornal Nacional uma vez por semana que tá bom demais. No fim, é tudo bitolar. A gente tem que bitolar (os mais jovens que procurem o Aurélio ou o Houaiss para maiores explicações) pra passar no vestibular. O que nos afasta cada vez mais de entender o que acontece por aí. Mas, estou digredindo, como sempre faço quando escrevo. É um tipo de hobby eu acho.
O que eu quero dizer é que, mesmo que eu tivesse sido um bom aluno, um cara interessado, um cara curioso, um cara de iniciativa ("um cara interessante, esculacho seu amante"), a escola não teria me ajudado em nada para que eu entendesse como funciona essa coisa de política e de economia. Eu poderia ter aprendido se eu tivesse corrido atrás. Mas a escola não teria tido nada a ver com isso.
Eu não sou o melhor exemplo disso, sabe? Nem disso nem de nada. Eu sou provavelmente o cara mais velho que estuda medicina na Universidade Federal de São João del-Rei e, muitas vezes, me pego pensando que sou um dos mais imaturos e ignorantes. O pessoal de vez em quando me chama pra entrar no CA. Imagina, eu no CA. Tá de sacanagem, né? Eu não vou nem em reunião de condomínio, só pra se ter uma idéia da minha apolitização (o termo existe?).
Agora, mesmo um cara ignorante como eu percebe que alguma coisa vai mal, muito mal por aqui. Há sim algo de podre no reino Tupiniquim. Não é estranho que os caras que decidem o salário de todo mundo tenham os maiores salários e os melhores aumentos (sem mencionar os benefícios: PODER)? Não é estranho já ser até um cliché dizer que um país só cresce com educação de qualidade e os professores do estado e da federação, tanto da base quanto de nível superior, terem salário pífios? Roberto Freire já falou. Cristovam Buarque já falou. Porra, até o Gabriel Pensador já falou. ("O Nietzsche enloqueceu e eu não vou nada bem...") E tá na boca do povo. Ou você pensa que o povo acha que a vida vai melhorar depois da Copa 2014? Ou depois das Olimpíadas no Rio? Vai ser divertido. Ah, isso vai! Imagina, assistir de pertinho uma partida entre Espanha e Alemanha. Isso sim é que é futebol! Imagina ver o Usain Bolt quebrando o recorde dos 100m debaixo do seu nariz? Mas, será que o povo vai ter grana para pagar pelos ingressos? Os professores certamente não. Afinal, eles são professores por que amam o que fazem, né? Mas vai dar pra galera levantar um din-din legal vendendo cerveja e tropero na porta dos estádios, alugando seus quartos, salas e banheiros pra gringaiada.
Mas e a conta disso tudo? A conta do estádio do Corinthians? A conta da reforma do Mineirão? A conta de botar os aeroportos funcionando a contento? A conta de se erguer um setor hoteleiro que dê conta do recado? A conta de botar uma rede de transportes que funcione? Quem paga?

É nóis, mano.

E quem vai lucrar com isso? Te garanto que os vendedores de cerveja e tropero serão os menos beneficiados dentro do rol seleto daqueles que o serão.
Mas e se esse esforço todo que tão fazendo, desde não sei quando, para trazer Copa e Olimpíadas pra cá, fosse direcionado para a educação? Será que mudaria alguma coisa? Será que as federais estariam "ameaçando" greve? Será que assistiríamos desabafos eloquentes como o da professora Amanda Gurgel (quem ainda não viu, procure no YouTube. É de arrepiar!) ou textos pseudo-politizados como esse que escrevo (que não mudam nada, diga-se de passagem)? Será que sobraria verba para ensinar sobre politica e economia nas escolas?

Eu não sei. Não entendo nada de política ou de economia.

20.8.11

Cliente Especial

Cliente Especial

Era um dia calmo. Ela não sabia dizer quantos haviam passado por ali. Não contava e nem saberia estimar quantos. Mas sentia, sabia dizer quando era um dia calmo e quando não. Percebia pelo espaço de tempo entre um e outro que entravam no seu quarto, pelo trânsito nos corredores e, principalmente, pelo cheiro no ar. O cheiro mudava muito em dias de mais movimento. Ela não diria que o cheiro era pior: já havia se acostumado e era indiferente a ele. Mas percebia que ele se intensificava.
Um homem se aproximou:
- Quanto é?
- Trinta. - respondeu sem levantar os olhos do livro que lia.
Ela não precisava. Sabia exatamente como ele era. Não por fora. Ele poderia ser alto ou baixo, magro ou gordo. Por dentro, no entanto, todos eram iguais.
- Ok. Vamos. - disse homem com voz hesitante.
Fechou a porta encerrando-se com aquele joão ninguém em seu quarto. Colocou o livro sobre a cômoda e disse a ele que tirasse a roupa enquanto ela fazia o mesmo. Para ela, obviamente, era muito mais rápido já que vestia apenas um shortinho e um top, sem calcinha nem sutiã. Deu uma olhada para trás, enquanto abria o pacotinho com os dentes, e viu o homem se despindo enquanto olhava para ela como se visse uma miragem. Finalmente ele se deitou na cama. Ela veio por cima e levou menos tempo para terminar com ele do que ele precisou para se vestir outra vez. O homem pegou o dinheiro na carteira, entregou a ela e se foi.
- Obrigada.
Voltou a seu livro depois de se vestir novamente, mas antes mesmo que terminasse a primeira linha, sentiu que outro homem a observava à porta. Sua presença era diferente. Ele não disse nada. Apenas a olhava. Seus olhos pareciam atravessá-la ao meio. Antes que ela pudesse dizer alguma coisa, ele entrou no quarto também, empurrando-a para perto da cama. Ela não sabia o que estava acontecendo, não compreendia. Instintivamente foi até a cômoda para colocar o livro sobre o móvel, colocando-se de costas para ele. Tentava ganhar tempo. Tempo pra quê? O que exatamente estava acontecendo? Antes que pudesse fazê-lo, sentiu um aperto firme em seu braço esquerdo que a obrigava a dar meia volta e encará-lo novamente. O livro foi parar no chão. Ela teve ímpetos de gritar, mas antes disso, a outra mão do homem agarrava seu outro braço e o corpo dela era levado para junto do corpo dele. O beijo aconteceu como se não houvesse outro caminho, como se não houvesse outra alternativa. Não havia outra alternativa. Seus lábios já estavam sendo apertados contra os dele. Ele a segurava firmemente, porém sem a machucar. A língua do homem dentro de sua boca acariciava a sua, e corria para os lábios e voltava para a língua... A partir desse momento ela estava em transe. Sabia que, mesmo se tivesse vontade de lutar, ele a subjugaria. Ele era enorme. Ele poderia subjugar exércitos de mulheres como ela. De qualquer maneira, ela não sentia nenhuma vontade de lutar agora. Se deixou guiar por aquelas mãos grandes e fortes que a manipulavam como a uma bonequinha. Sua vontade era agora a vontade que ele quisesse. Caída na cama, já estava nua. Ele, ainda em pé, a observava enquanto também se despia. Ela também o observava e nem se lembrava de onde estava, ou por que estava ali. Não conseguiu absorver racionalmente o que aconteceu depois disso. Lembrou-se durante muito tempo do momento em que seus corpos se encaixaram, mas todo o resto era como um sonho daqueles de que nos lembramos apenas de trechos soltos. Lembrou-se de vê-lo abotoando a calça, colocando o dinheiro sobre a cômoda e dizendo:
- Eu volto.
Dessa vez ela não teve forças para agradecer. Adormeceu.

27.7.11

Vida de Entrega

Vida de Entrega

O bichinho foi pego indefeso pelo rabo e suspendido, apartado de seus irmãozinhos gêmeos. Somavam 25 ao todo. Não mais. Agora eram 24. E ele era apenas um. O primeiro deles condenado à morte, ainda que uma morte incerta. Não que sua vida fosse muito excitante: passava, e passara, todos os dias de sua vida em um recipiente de plástico branco, forrado com serragem, que mal continha ele e seus 24 irmãos. Era bem verdade que não podia reclamar de falta de recursos: havia sempre água fresca e comida mais que suficiente para toda a família, ainda que a água tivesse que ser acessada por um de cada vez. A água era trazida por um tubo metálico que penetrava o recipiente que tinham por lar. Além de recursos, ainda que o espaço fosse pouco, era possível se exercitar. Em realidade, era necessário certo exercício para se alimentar e para ter acesso à água. Os pequenos se agarravam à grade que encerrava a parte de cima de sua residência. Os mais habilidosos (e ousados!) usavam apenas as patinhas dianteiras para tal. Observá-los se alimentarem era como um número do Cirque du Soleil em miniatura. Mas para ele, tudo se encerrava ali. Sentia a pele de suas costas e seu rabo presos de maneira que não podia fazer nada, a não ser emitir seus guinchinhos desesperados. A agulha, de espessura muito maior que qualquer um de seus dentes, penetrou a pele de seu abdome e peritôneo, infundindo em seu pequeno corpinho algo que ele agradecia não saber o que era. Em seguida, ele foi colocado em um recipiente menor, porém muito parecido com aquele no qual vivera até aquele dia. Água e comida lhe era ofertada da mesma maneira. Só que agora com exclusividade. Mas não tinha fome, nem sede. Sentia apenas medo. O que aconteceria em seguida? Sentiria dor? Ou simplesmente morreria em seu sono, com tranquilidade? Era impossível prever. E revisitar as histórias que ouvira durante toda sua vida só o torturava mais. Resolveu tentar se acalmar e dormir um pouco. Não restava mais nada a fazer além de esperar. Tudo pela ciência.

26.5.11

Sapatos



Tudo em sua vida parecia mais fácil. A sensação de relaxamento era indescritível. Todo seu corpo parecia sorrir e se soltar, se derreter e se esparramar naquele assento vermelho. Tudo isso graças ao simples fato de ter tirado os sapatos. Não, não era a postura mais ortodoxa a se tomar para assistir uma palestra. Mas ele não resistira. Havia passado todo o dia calçado, vestido, devidamente paramentado para exercer cada uma de suas funções, sentado ou caminhando de um lado para o outro. E seus sapatos não eram desconfortáveis. Ele até gostava de calçá-los pela manhã. Tinha mesmo certa alegria de calçá-los. Se sentia charmoso, bem cuidado, até querido calçando aqueles sapatos. Mas no final do dia, invariavelmente, queria se livrar deles o quanto antes. Chegava a pensar em arremessá-los pela janela da sala quando entrava em casa. Lembrava-se que quando criança não entendia sua mãe chegando em casa e dizendo que os sapatos a estavam "matando." Por que então ela os calçava todos os dias? Seu pai era ainda mais engraçado. Chegava em casa, sentava-se no sofá e tirava os sapatos com um suspiro delicioso. Seu pai demonstrava tanto prazer em tirar os sapatos que sua versão menino fazia de tudo para estar por perto nessas ocasiões. Ainda muito criança tinha propensões a ser filósofo e pensava, tentava entender, se era tão bom no fim do dia tirar os sapatos, as pessoas deveriam procurar sapatos mais desconfortáveis para usar durante o dia. Segundo sua lógica, dessa maneira, o prazer seria ainda maior ao descalçá-los. Já homem feito, a idéia ainda não lhe parecia de todo absurdo, embora jamais tivesse procurado sapatos desconfortáveis. Agora, sentado na poltrona vermelha, não se importava com os olhares reprovadores, ou apenas curiosos, mirando seus pés cobertos somente por meias. Sorria e saboreava a sensação de liberdade.

23.5.11

Emburrada

"Eu odeio, odeio você!"
E senta no chão
Pernas e braços cruzados
Me olha de rabo de olho
A boca em beicinho
Emburrada

Chego devagarinho
Experimentando
Como quem testa o frio
Na beira de uma piscina
Trago pra ela um sorriso
E com um abraço
Devolvo-a à cama

"Apaga a luz, por favorzinho."

8.4.11

Inteligência

Lidando Com o Inesperado

Quando eu era pequeno, a gente brincava na rua de pique-pega, pega-ladrão, esses jogos de correr... e a gente podia pedir "altas". Isso significava uma pausa, um tempo pra descansar. Tá certo que quem não tinha pedido a tal das "altas" não curtia muito. O resto da criançada ficava meio de nariz torcido quando alguém pedia, mas, ainda assim era legítimo. Sem necessariamente a gente perceber pedíamos um tempo pra pensar, um tempo pra repensar estratégias e redesenhá-las. Era um tempo pra respirar, retomar o fôlego e voltar pro jogo.
Hoje, infelizmente, não rola mais isso. Não dá mais pra pedir "altas".
Muitas vezes percebemos que o jogo não nos é favorável e não temos outra alternativa a não ser seguir jogando. Nossas estratégias têm que ser redefinidas em meio à turbulência da coisa toda. É como consertar um avião em pleno vôo.
Algumas pessoas não foram treinadas a lidar com o inesperado (acho que sou uma delas). Às vezes, acho que o problema é ser rejeitado. Mas ser rejeitado é só uma forma de se deparar com o inesperado. Quando você quer alguém ou alguma coisa, você espera (nos dois sentidos) que a pessoa (ou a coisa, metaforicamente falando) te queira também. E quando a pessoa querida (ou a coisa, de novo, metaforicamente) te diz que não te quer é um choque, uma surpresa: inesperado. A rejeição frustra uma série de planos que você fez, sem mesmo perceber, no momento em que você decidiu que queria aquela pessoa ou coisa.
Adianta sentar e chorar? Em geral, na vida adulta não. E por isso a gente sente saudade do colinho da mamãe... :)
Fazer o quê? Dançar conforme a música. Temos que aprender a consertar o avião em pleno vôo. E quem tem filho aí, pelamordedeus, propicie momentos assim na infância dos pequenos para que eles treinem.
Um dia eu estava na casa de um amigo. Sua filha, na época estava começando a querer andar, mas ainda tinha mais intimidade com o andar de gatinho. Ela nos seguia por toda a casa. Quando passávamos da sala de estar para a varanda, havia uma porta de correr, com trilho. Quando a pequena passava de gatinho por cima do trilho, seus joelhinhos rechonchudos doíam. E ela logo desenvolveu uma "técnica" para evitar isso. Ela se esticava toda, usando os pés como apoio traseiro, ao invés dos joelhos. Ela aprendeu a lidar com inesperado ali. Foi uma cena linda de se ver.

3.4.11

Guyton


Meus cones e bastonetes
As células ciliadas internas
As células olfatórias
Os receptores de Ruffini
Os discos de Merkel
Meus botões gustativos
Você abastece meus cinco sentidos

31.3.11

Nada

Tava eu revirando meu diário e achei essa "entrada". Como às vezes meus quase 5 leitores acham que o que eu escrevo é autobiográfico, o que, diga-se de passagem, não é verdade, resolvi colocar isso aqui. Não tem nada a ver com o que eu tô vivendo no momento, mas achei bacana.

30/07/2009 02:30 a.m.

Hoje eu pensei que talvez se eu tomasse algum remédio, fluoxetina, demoro a digitar essa palavra por que ela é estranha, palavras com x são estranhas. Esse tempo extra que levo para escrever me faz reparar em minhas mãos, meus dedos acertando com força as teclas, com precisão, as veias nas costas das palmas, parecem mãos de um velho, mas fortes, muito fortes, muito bem desenhadas. A luz é pouca, pouquíssima, só o monitor, o bloco de notas na cor cinza ocupa menos de 40% da tela e o resto todo negro. E aquela luz fraquinha, esbranquiçada, acinzentada, iluminando minhas mãos fortes de velho.
O silêncio da noite é daqueles que machuca os ouvidos. Daqueles silêncios nos quais você se concentra pra ouvir alguma coisa, implora pra ouvir alguma coisa, um latido distante, um carro passando na rua, um gato vadio revirando um saco de lixo.
O silêncio da noite é o silêncio da minha vida. Estou no escuro e no silêncio, sem forças para acender uma vela ou cantar alguma canção. Sem alguém com quem conversar. E todo dia imploro pra que alguma coisa aconteça, por que se depender de mim, nada vai mudar. E o silêncio continua. Me machucando os ouvidos.


Benjamin Button

Nascer velho ou morrer velho
Morrer novo ou nascer de novo
Nascer e morrer são um ponto de encontro
Nem fim nem começo
O meio do caminho
Indicam a mesma coisa: nada dura pra sempre
Nem o nada dura pra sempre
No nascimento, o nada deixa de existir
Na morte...

13.2.11

Loteria

O Bilhete de Loteria

Entrou no avião em meio à massa que ia se acumulando nas poltronas. Aquele movimento de caminhar um pouquinho e esperar um pouquinho com a impaciência estampada na cara, como se todos os outros passageiros fossem culpados por voar naquele dia com ele. Era assim mesmo que se sentia quando entrava em um ônibus ou avião. Queria que todos desaparecessem. Não queria ter o ônibus ou o avião só pra ele. Não, não era esse o caso. Se dava mais do que por satisfeito com sua poltrona. Sempre escolhia o corredor, para caso precisasse ir ao banheiro, fazê-lo esbarrando na menor quantidade de gente possível, o número ideal sendo zero. Bom, mas o caso não era ter mais poltronas para si. Nem mesmo mais espaço nas poltronas, embora, como todos que utilizavam meios de transporte coletivo, percebia que os assentos cada vez mais iam diminuindo. Ainda assim, não precisava de mais espaço em seu assento. Mas o incomodava enormemente esperar que os outros passageiros se acomodassem. Aquele andar lento de quem procura o assento, conferindo por sob os óculos de míope o número de cada poltrona até encontrar a sua. E depois a bagagem de mão. Momentos intermináveis de espera atrás daquela senhora que não percebe que o volume de sua bolsa é muito maior do que comportam os bagageiros. Muitas bufadas depois, chegava finalmente a seu assento. Um oásis de paz. Na verdade, nem sempre. Ele, como já mencionado, se dava mais do que por satisfeito com sua poltrona. Mas ter que ceder espaço de seu assento, milímetros que fossem, era ainda pior do que esperar a onda lenta de entrada no avião ou no ônibus. E daí sua ira ao viajar ao lado de gordos. Odiava os gordos. Odiava o suor mais abundante, talvez proveniente da força extra que precisavam empregar para carregar aquele peso extra. Odiava o “com licença” dos obesos que nunca conseguiam passar por outras pessoas sem tocá-las com a pança. E odiava, acima de tudo, a maneira amorfa como os gordos transbordavam em seus assentos. Era incrível como tinha azar! Parecia que sempre viajava ao lado de um gordo. E sempre um gordo, nunca uma gorda. Sempre um gordo, pouco asseado.
Desta vez não foi diferente. Teve uns 5 minutos de paz e tranqüilidade, quando um senhor já de idade, com os cabelos inconfundivelmente pintados, penteados para trás, vestindo um terno cinza e suando como se tivesse acabado de correr uma maratona pediu o famigerado “com licença”. Era humanamente impossível permitir que o senhor, certamente um devorador de toucinho, se sentasse, sem que o irritado viajante tivesse de se levantar. Isso era justo? Claro que não. Se sentia punido por ter acordado mais cedo, por ter se preparado melhor do que o gordo de cabelo pintado, por ter sempre se cuidado, ter estado atento à alimentação e por ter sempre procurado manter-se em forma com exercícios regulares. Isso não era justo. Levantou-se sem olhar na direção do gordo que continuava pedindo licença e agora acrescentava um perdão para cada centímetro que vencia com sua banha.
Finalmente voltou a se sentar. Percebeu logo que não poderia usar o apoio de braço do lado direito. Era impossível para o gordo de terno manter seu corpanzil dentro do espaço de seu assento. O gordo o cumprimentou e se apresentou. Ele apenas acenou com a cabeça. Puxou logo uma revista que havia no bolso da poltrona da frente, como quem diz: “Não estou para conversa. Em especial, com o senhor, que roubou a chance de que eu tivesse uma viagem tranqüila.” Mas o gordo não parecia ter entendido a mensagem. Pediu desculpas mais uma vez por tê-lo feito se levantar. Explicava que atrasara um pouquinho pois tinha feito uma paradinha na lotérica para fazer uma fezinha. O gordo ria de sua própria história, enquanto o viajante irritado continuava com a cara na revista, embora não conseguisse se concentrar o suficiente para ler uma linha sequer do artigo que tinha diante de seus olhos. Isso sempre acontecia: se alguém falasse algo que não o interessava, era inútil tentar se concentrar em algo mais. Ele até havia batizado o fenômeno: paradoxo da atenção. E o gordo continuava falando e sorrindo.
- Eu nem sei pra quê fiz essa aposta. Mas, sabe como é, no final do ano, todo mundo gosta de fazer uma fezinha, né? Acho que fica mais fácil de conversar com as pessoas quando procuramos cultivar certos hábitos comuns a muitas delas. E eu gosto muito de conversar. Você também fez uma aposta?
- Não.
- Pois é. Eu fiz. – enfiou a mão no bolso de dentro do paletó, não sem dificuldade, e sacou o bilhete. – E tenho certeza de que daqui sai alguma coisa. – brandia o bilhete orgulhoso, como se fosse um troféu.
O gordo continuou a falar e suar e o viajante irritado desistiu de fingir que lia. Devolveu a revista ao seu lugar de origem e se apoiou no braço da cadeira que havia sobrado. Testou a firmeza do assento e finalmente apoiou o queixo sobre a mão esquerda, enquanto olhava para o gordo à sua direita, sem a menor pretensão de parecer simpático ao que o homem rotundo falava.
O homem dizia que não tinha filhos ou sobrinhos. Era filho único. Os pais, obviamente, já haviam falecido havia muitos anos. Dedicara sua vida aos negócios e nunca havia se casado, embora afirmasse ter tido várias amantes. Dizia que os grandes prazeres de sua vida eram, nessa ordem, o trabalho, a comida e as mulheres. Gostava muito de cozinhar para suas amantes, embora soubesse que o que as atraíam mesmo era seu dinheiro.
Parou de falar de repente. Olhava para o bilhete com um ar melancólico.
- Mas o que vou fazer com esse dinheiro se eu ganhar? Não, Deus permita que alguém que precise mais do que eu ganhe.
O viajante irritado teve que se desculpar e se levantar. Ver aquele homem obeso pronunciar aquela frase fez com que ele tivesse vontade de vomitar. Foi ao banheiro.
No lavatório apertado, lavou o rosto. Quanto retornava a seu assento, as comissárias de bordo serviam o lanche. Isso fez com que ele tivesse que esperar até que o carrinho ultrapassasse a altura de sua poltrona para voltar a se sentar. Tentou ainda argumentar com uma das comissárias, ao que ela respondeu:
- O senhor quer que eu faça o quê?
Companhias aéreas populares. Qualquer um pode voar e ser tratado como lixo, pensou. Ficou lá de braços cruzados e cara feia para todos os outros passageiros que iam recebendo sua barrinha de cereal e seu copinho de guaraná com duas pedrinhas de gelo.
Quando finalmente chegou a seu assento, percebeu que o gordo dormia profundamente. A cabeça pendia para a frente e a ponta da língua escapulia pela boca entreaberta. O bilhete parecia querer cair da mão do homem a qualquer momento. Ele tentava se decidir se devia acordar o homem ou não. Se o bilhete caísse, seu imenso corpo jamais permitiria que ele o alcançasse no chão. E seria uma situação muito constrangedora para qualquer um ter que pedir para alguém alcançar um pertence seu a seus pés por que sua pança o impedia de fazê-lo. O bilhete finalmente, e caprichosamente, escorregou pelas pontas dos dedos do gordo inconsciente. Indo parar bem à frente do viajante irritado. Ele se inclinou para frente para alcançá-lo, quando ouviu a campainha que indicava que os avisos de apertar os cintos tinham se iluminado. Uma comissária que passava, pediu que ele se colocasse ereto na poltrona. Achou engraçado ouvir a moça dizendo a palavra ereto, mas apenas mostrou o bilhete que havia apanhado e obedeceu.
Decidiu que deveria acordar o gordo para devolver o bilhete resgatado. O avião iniciava o pouso. Cutucou uma, duas, três vezes. Chamou, empurrou e nada. O homem não se movia. O avião finalmente parou e ele desatou o cinto. Precisava devolver o bilhete ao homem antes de sair do avião. Enquanto tentava, sem sucesso, despertá-lo, percebia que uma fila ia se formando. Aquilo já era demais. Passou a falar cada vez mais alto enquanto empurrava o gordo contra o terceiro passageiro da fileira, até agora não mencionado na história, quando este sugeriu: talvez o gordo estivesse morto. Sentiu um frio correr toda sua espinha.
- Como podemos ter certeza?
- Tomamos o pulso.
Cada um pegou um dos braços do gordo.
- Nada.
- Aqui também nada.
- Será que estamos fazendo certo?
- Vamos chamar uma comissária.
Mas antes que o fizessem, outro passageiro, que se aproximava lentamente ao sabor do ritmo da fila, vindo do fundo do avião, ouvira a conversa e se apresentou:
- Com licença. Sou médico.
Tomou o pulso do gordo e o segurou por alguns segundos, que para o viajante irritado pareceram séculos. Ele não se conteve:
- E então?
- Não tem pulso. Preciso me aproximar. O senhor, por favor, se levante.
O médico agora mexia com todo o corpo do homem, primeiro chegou seu ouvido junto à boca do gordo, depois abria os olhos do homem e como uma pequena lanterna tentava os estimular. De um golpe, e com a ajuda do terceiro passageiro tirou o gordo do assento e milagrosamente encaixou o enorme corpo entre as duas fileiras de cadeiras. Parecia tentar ressuscitá-lo, massageando seu peito e soprando em sua boca.
O passageiro irritado olhava e não conseguia enxergar nada. Como, em alguns instantes, um homem que conversava e ria parecia se esvanecer para sempre diante de seus olhos?
O médico finalmente interrompeu sua manobra. Se levantou de cima do corpo do gordo. Suava muito e estava ofegante.
- O senhor é parente?
O viajante irritado demorou um pouco para responder. Parecia não conseguir absorver o que acontecia à sua volta.
- Hein? Não. Acabei de conhecê-lo.
- Então, pode ir.
Como assim, pode ir? Um homem acabava de morrer e era isso que aquele médico de açougue dizia: pode ir? Mas o viajante estava tão chocado, tão surpreso - não só com o fato que acabava de presenciar, mas também com o como aquilo o afetava em níveis que ele jamais imaginara -, que não teve outra reação a não ser se afastar lentamente do corpo. Ia saindo devagar, embora, o avião a essa altura já estivesse vazio, enquanto as comissárias, piloto e co-piloto agora bombardeavam o médico com perguntas. O terceiro passageiro também saía do avião. Mas não parecia afetado por nada daquilo. Simplesmente saiu, conferindo as horas no relógio de pulso e acelerando o passo rumo ao portão de desembarque.
O viajante irritado parou junto à primeira parede que encontrou e se encostou. Achou por um momento que fosse perder a força das pernas. Dois homens passaram por ele correndo, carregando uma maca, em direção ao avião. Foi quando se tocou de que ainda segurava o bilhete do gordo. Lembrou-se de tudo o que gordo dissera, sobre não ter família, não ter herdeiros. Tentava se convencer de que não havia nada de errado em ficar com o bilhete. Além disso, quem poderia saber se aquele bilhete seria mesmo premiado? Guardou-o no bolso da calça. Olhou pra trás mais uma vez. Viu ainda os dois homens tirando, com muito esforço, o corpo do gordo na maca de dentro do avião. Queria dizer alguma coisa, uma despedida talvez, agradecer por alguma coisa que não sabia o quê, encomendar a alma do pobre homem a Deus. Mas não era religioso e nunca fora bom com as palavras. Enquanto aquele cortejo formado pelo médico e pela tripulação passava por ele, fez, de maneira bem discreta, quase imperceptível, o sinal da cruz. E seguiu atrás do cortejo até o ponto em que viu a placa indicando o portão de desembarque. Deu uma última olhada para trás, respirou fundo e foi reclamar sua bagagem.


7.2.11

Metrossexual

Metrossexualidade Imposta

Deitado, depois do almoço, pensava e tentava se decidir: vejo um filme, leio um livro... nada. Deixou aquela preguiça gostosa do período absortivo tomar conta da carcaça e foi perdendo a consciência devagarinho. Ela estava por ali, mexendo em alguma coisa, com os óculos que odiava e, por isso, só usava em momentos de grande intimidade, como aquele.
Ele sentiu, quase sem entender, no meio daquela obnubilação da siesta, que ela se aproximava. Sentiu que ela se deitava sobre seu corpo, bem lentamente, sem fazer barulho. Talvez ela quisesse se sentir próxima a ele, talvez quisesse sentir mais uma vez o calor do corpo dele, talvez simplesmente quisesse participar daquele cochilinho nos braços dele, talvez ela quisesse que o cochilinho se transformasse em outra coisa... Mas ele nem se deu ao trabalho de abrir os olhos, tamanha era a preguiça e embora sua mente já sorrisse. Ele podia sentir o cheiro do corpo dela, ouvir a respiração lenta e bem ritmada.
- Você já pensou em tirar esse fiozinhos entre as duas sobrancelhas?
Acordou de um susto!
- Hein? Nem vem. Sai pra lá.
Tentou esquivar, tentou se levantar, mas já era tarde demais. Ela estava deitada inteira sobre o corpo dele e já tinha nas mãos a maldita pinça. Ele lutava, sem muito jeito, jamais teria coragem de reagir fisicamente a qualquer coisa que ela fizesse.
- Você vai ficar mais lindo. Todo mundo faz isso hoje em dia, sabia?
E ele choramingava e se debatia enquanto ela continuava argumentando e puxando aqueles pelinhos que ele próprio jamais percebera a existência. Ele dizia que era homem e que homens não faziam a sobrancelha.
- Ai, que troglodita você! A sua masculinidade não está nesses pelinhos não, viu? Agora fica quietinho que eu tô quase terminando.
Ele continuou choramingando e ela argumentando, carinhosa, porém firme.
- Pronto! Ficou lindo! Quer que eu pegue o espelho pra você ver?
Ela correu até o banheiro. Ele permaneceu na cama, encolhido, com as pernas abraçadas por seus próprios braços, os olhos arregalados. Sabia que jamais sua vida voltaria a ser a mesma.

31.1.11

Noah Gordon

"A la mañana siguiente estuvo paseando de un lado a otro, mareado, y de vez en cuando sentía las rodillas débiles por el alivio.
Hombres y mujeres sonreían cuando los saludaba. Era un mundo nuevo, con un sol más radiante y un aire más benévolo que respirar.
Se ocupó de sus pacientes con la atención de siempre, pero entre una visita y otra, su mente era un torbellino. Finalmente, se sentó en un pórtico de madera de la calle Broad y examinó el pasado, el presente y su futuro.
Había escapado por segunda vez a un destino terrible. Creía haber recibido el aviso de que su existencia debía ser empleada con mayor cuidado y respeto.
...
Quería que su vida estuviera pintada con los colores más intensos que pudiera encontrar."
(Chamán - Noah Gordon)

16.1.11

Desiderata

Desiderata
by Max Ehrmann

Go placidly amid the noise and haste,
and remember what peace there may be in silence.

As far as possible without surrender
be on good terms with all persons.
Speak your truth quietly and clearly;
and listen to others,
even the dull and the ignorant;
they too have their story.
Avoid loud and aggressive persons,
they are vexatious to the spirit.

If you compare yourself with others,
you may become vain and bitter;
for always there will be greater and lesser persons than yourself.

Enjoy your achievements as well as your plans.
Keep interested in your own career, however humble;
it is a real possession in the changing fortunes of time.
Exercise caution in your business affairs;
for the world is full of trickery.
But let this not blind you to what virtue there is;
many persons strive for high ideals;
and everywhere life is full of heroism.

Be yourself.
Especially, do not feign affection.
Neither be cynical about love;
for in the face of all aridity and disenchantment
it is as perennial as the grass.

Take kindly the counsel of the years,
gracefully surrendering the things of youth.
Nurture strength of spirit to shield you in sudden misfortune.
But do not distress yourself with dark imaginings.
Many fears are born of fatigue and loneliness.

Beyond a wholesome discipline,
be gentle with yourself.
You are a child of the universe,
no less than the trees and the stars;
you have a right to be here.
And whether or not it is clear to you,
no doubt the universe is unfolding as it should.

Therefore be at peace with God,
whatever you conceive Him to be,
and whatever your labors and aspirations,
in the noisy confusion of life keep peace with your soul.

With all its sham, drudgery, and broken dreams,
it is still a beautiful world.
Be cheerful.
Strive to be happy.

Endocrinologia 2

Você É O Que Você Come: Insight?

Ultimamente tenho achado que tem um monte de gente que você pode ficar até um ano sem ver, sem encontrar, e mesmo assim você saberá exatamente o que a pessoa anda fazendo, anda vivendo. Isso é especialmente verdadeiro quando nos referimos à vida amorosa. Tenho tido a impressão de que os solteiros vão morrer solteiros e os casados vão morrer casados. Muito positivista da minha parte, eu sei, mas é o que tenho observado. Tem gente que abre mão de qualquer princípio pra estar em um relacionamento. Por outro lado, tem gente que cria tanto princípio que destrói a menor possibilidade de um dia se relacionar com alguém. Sabe o que todo mundo precisa? Dar uma passadinha no Oriente e aprender o caminho do meio: a little bit of this and a little bit of that.
Uma coisa é certa: ninguém emagrece (ou engorda) mantendo dieta.

12.1.11

Água

Dentro da Água

As águas pesadas acertam minhas costas. Só ouço esse som e as batidas lentas do meu coração ao fundo. Finalmente preciso respirar e dou um passo a frente. Abro os olhos e a luz do sol me cega. Me acostumo à claridade e te reconheço. Só seus olhos me olham na flor da água: uma menina feita crocodilo que se prepara para dar o bote. Mas sei que, submersa, sua boca sorri pra mim. Me aproximo lentamente e deixo minhas mãos descobrirem as curvas do seu corpo nu. Agora as suas mãos também me procuram. E com minha cooperação me coloca em pé de igualdade com você: nada mais separa nossos corpos, a não ser a água que nos rodeia. Não nos tocamos mais, mas estamos próximos o bastante. Posso respirar seu hálito. Nossos lábios se resvalam. Sinto o toque leve de sua pele na minha. Já sei o gosto da sua língua antes mesmo de te beijar. E isso me faz sentir mais vontade.
Mesmo que ainda conseguisse raciocinar, as palavras ainda não foram criadas para descrever o que sinto em seguida.

10.1.11

Resoluções de Ano Novo



Mais um ano se inicia e mais cliché do que essa frase só as resoluções de ano novo mesmo. "Esse ano vou emagrecer", "esse ano vou parar de fumar", "vou ligar mais pra minha mãe", "vou brigar menos com meu pai" etc.
Uma rápida digressão: o uso da pontuação acima com a palavra et cetera me foi ensinado recentemente. Quem quiser debatê-lo, sinta-se à vontade.
Enfim, pra muita gente, esse lance de resoluções de ano novo é balela. O dia primeiro de janeiro, dia mundial da paz, pra quem não sabia, é só uma segunda-feira hipertrofiada. Sabe aquela coisa de segunda-feira? "Segunda-feira vou parar de comer fritura." Ou mesmo "segunda-feira só marca o início de mais uma semana de trabalho."
Bom, mas eu percebo que pra quem (pelo menos) tenta fazer resoluções de ano novo, a virada do ano, o tal do reveillon, é fundamental, essencial. O fato de contarmos os anos nos permite a transformação de uma maneira sistematizada. Quando um ano termina, em especial um ano que tenha sido especialmente difícil, dá sempre um certo alívio. E o início do novo ano nos traz uma certa esperança de que nós podemos fazer diferente a partir de então. Funciona mais ou menos como um "reset", um começar de novo. O sujeito pensa: "é, esse ano eu fumei pra caralho, mas no ano que vem, vou diminuir". Ou então: "é, esse ano comi pra caralho, mas ano que vem vou maneirar" Você pode pensar nas tomadas de decisões que já tomou ou ouviu alguém tomar em virada de ano e completar essa lista. Se não tivéssemos o hábito de contar os anos, essas coisas seriam bem mais difíceis. É, por que imagina se um amigo seu chega pra você e diz: "A partir de quarta-feira eu páro de fumar." A primeira coisa que cê vai perguntar é: "por que quarta?" Ou, se o cara não for tão próximo de você, nem a pergunta vai rolar. Você logo de cara vai pensar que o cara em questão deve ser meio doido. Onde já se viu parar de fumar na quarta-feira?! Imagina se um colega de trabalho chega pra você e diz: "A partir de maio, começo a malhar." Por que maio, porra? Não faz o menor sentido mesmo. E se não contássemos os dias, os meses, os anos, não teríamos essa marcação. Você começou gordinho, vai terminar gordinho. Seria bem mais fácil desistir, largar pra lá, como dizem na minha terra. Mas como temos essas marcações, podemos dizer o que os personagens fictícios citados anteriormente disseram.
Para aqueles que continuam achando que resoluções de ano novo são uma bobagem, eu os desafio. Entra na brincadeira. Faça uma resolução. Busque algo que você não achou tão bacana assim em 2010 e que só depende de você pra mudar. E se proponha mudar. Comece o ano novo respirando diferente, respirando ar puro.
Eu já fiz as minhas.