30.8.08

Do Lado de Dentro

Ele entrou e a porta se fechou selando-o dentro daquele habitáculo. Olhou em volta. As paredes pareciam ser revestidas em fórmica bege. Nos cantos, 4 réguas de alumínio subiam do chão, revestido por 6 grandes placas de borracha negra, até o teto, onde se encontravam a uma armação quadrada, também de alumínio, que encerrava uma placa de acrílico branco responsável pela iluminação, ao deixar-se atravessar pela luz, branca e fria, emanada de quatro lâmpadas fluorescentes posicionadas acima.
Na mesma parede onde havia a abertura para a porta, um painel de alumínio cheio de botões e números. No canto oposto ao do painel, no alto, uma pequena redoma de vidro negro abria caminho pela placa de acrílico do teto para observar quem estivesse ali.
Apertou um dos botões. Sentiu um momentâneo aumento de peso e percebeu que começava a subir. No painel de alumínio, um pequeno visor negro com letras vermelhas começava a contar, 1, 2, 3. Sentiu uma sacudidela e percebeu que havia parado.
Olhou para o visor. Olhou para a pequena redoma de vidro no teto. Decidiu assobiar. E quase no mesmo segundo parou. Resolveu escutar. Seus olhos estavam abertos. Não ouvia nada. Não ouvia vozes ou qualquer outro barulho. Voltou a assobiar. Não assobiava música alguma. Apenas assobiava. Se impacientou. Parou de assobiar novamente e deu um passo para perto da porta. Não ouviu nada. Apertou novamente o mesmo botão que havia apertado antes. Nada aconteceu. Então apertou um grande botão vermelho que se encontrava na parte inferior do painel. Enquanto deteve o dedo sobre o botão vermelho, ouviu soar uma campainha estridente. Retornou à posição inicial e cruzou os braços na altura da pélvis segurando o pulso direito com a mão esquerda. Voltou a assobiar. Agora assobiava uma bossa nova. Nada aconteceu. Chegou perto da porta mais uma vez. Pressionou mais uma vez o botão vermelho. E outra e mais outra. Deu uns tapinhas na porta enquanto perguntava em voz alta se alguém podia ouví-lo. Nenhuma resposta. Começou então a esmurrar a porta. Na verdade, se revezava entre socos, chutes, e novas pressões sobre o botão vermelho. Se cansou. Sentia sua camisa grudando no corpo e sua respiração estava ofegante. Parou. Pôs as mãos na cintura e depois levou o pulso direito à testa para deter gotas de suor que começavam a se reunir sobre as sobrancelhas. Gritou mais uma vez. Agora gritava a palavra socorro sem nenhum embaraço. Resolveu sentar no chão. Lembrou-se do celular no bolso. Tateou com a mão esquerda e pescou o pequeno aparelho. Para sua decepção o pequeno visor do aparelho mostrava que ele estava fora de cobertura. Arremessou o celular contra a porta e gritou um palavrão. O aparelhinho se desfez em pedaços. Enquanto observava os restos do celular espalhados sobre o assoalho de borracha, a porta se abriu.
Uma senhora com rolinhos no cabelo e óculos na ponta do nariz o censurava com o olhar. Ele se levantou, ainda pensou em catar os caquinhos, mas de nada adiantaria e ele já se sentia embaraçado demais. A mulher entrou no elevador, medindo o rapaz de cima a baixo. Ele pediu desculpas pelo barulho e tentou explicar que o elevador provavelmente precisava de reparos. A mulher soltou ar pelas ventas e entrou no pequeno meio de transporte. Ele ficou lá, observando, vendo a porta se fechar. Percebeu pelo mostrador acima da porta os números irem diminuindo 3, 2, 1, T. Resolveu subir os 5 andares restantes pela escada.

29.8.08

Paixão do Metrô

Menina, não se assuste
Se eu, em desvario,

Que nunca te vi
Nem sei o seu nome
Não sei de onde vem
Nem me disponho a te seguir

Mas doido e trêmulo
Me atiro a seus pés
Te dedico um poema
E sorrindo te proponho:

"Casa hoje comigo?"

26.8.08

A Boca Cheia de Conselhos

Da próxima vez que eu tiver um conselho
Vou avaliá-lo com muito cuidado
Vou medir, pesar, pensar
Se o conselho for bom
Vou te dar

Mas antes de dizer pra você
Vou pra frente do espelho
Olhar bem no fundo nos meus olhos
E dizer o conselho primeiro pra mim
Vou ouvir

É provável que eu precise mais dele do que você

23.8.08

An Outline

One day I'll lie on the ground
I'll hand you a piece of crayon
I'll let you draw a line
All around my body
I'll let you choose the color
I'll just lie there
And wait till you're done
Yeah, I'll let you define me
Because I've been trying so fucking hard
But don't seem to be getting anywhere
So I'll let you do it for me
Because I trust you
Always have
Always will

But I know you won't do it
You're too busy now
Furthermore,
You'd say that ain't right
You'd even help me
Pick a beautiful color
Green, or perhaps orange
But then you'd smile
(And when you do it, it's unique)
And you'd say:
"Who are you? What are you?
Define yourself!"
I don't know right now
I hope I'll know then
When you hand me the crayon
In fact, I hope I'm able to do it myself
Because I know it's too late now
You've already dropped that piece of crayon
You did it a long time ago

20.8.08

Navio Tumbeiro
Capítulo VIII

Gritos e um estrondo. A menina chorava em seu colo enquanto a mulher a apertava com ambas as mãos e seus olhos percorriam todo o ambiente, captando tudo, tentando compreender o que acontecia. Todos estavam encolhidos no mesmo canto. Alguns se escondiam embaixo da escada. O príncipe segurava o rapaz dos baldes à frente de seu próprio corpo com a ajuda de seu sempre fiel companheiro. O príncipe tinha uma faca em sua mão direita. Apertava-a contra a garganta do rapaz dos baldes enquanto olhava em direção à escada. Do alto da escada, o mesmo homem branco de antes, o que carregava aquele instrumento pesado, fitava o príncipe. Ele segurava o mesmo objeto de antes, mas agora segurava-o com as duas mãos. A mão direita próxima ao corpo. A mão esquerda à frente, acompanhando o comprimento do objeto. A ponta do instrumento soprava fumaça e estava apontada na direção do príncipe. O homem branco dizia alguma coisa para o príncipe. Outros homens brancos estavam no alto da escada, mas nenhum deles ia além do limite das costas do primeiro. Permaneciam às suas costas, observando por cima de seu ombro o que acontecia. Apenas aguardavam. E ele permanecia lá, no alto da escada, imóvel, segurando aquele objeto que cuspia fumaça. O rapaz dos baldes agora tentava conversar com o príncipe. Gaguejava. Implorava por sua vida. Dizia que era como ele, e apenas servia os brancos para não apanhar. Dizia que de nada adiantaria matá-lo.
A mulher colocou a menina no chão e se levantou. Ninguém disse nada. O príncipe, seu companheiro, o rapaz dos baldes, o homem branco, os homens às suas costas, a menina, os outros homens, as outras mulheres, ninguém se movia. A mulher começou a caminhar lentamente em direção ao príncipe. Ele disse a ela que não se aproximasse mais. O homem branco gritou alguma coisa do alto da escada. Mas todos mantinham as mesmas posições. Ela se aproximou mais um pouco e parou. Andava nas pontas dos pés. Não sabia por que mas não queria fazer nenhum ruído. Prendeu a respiração e virou-se para o homem branco. Ele agora apontava o instrumento para ela. Ela observava a fumaça, que agora ia se dissipando no ar. De repente, a mulher sentiu um empurrão. Era jogada ao chão pelo companheiro do príncipe. Ouviu-se outro estrondo. O companheiro do príncipe estancou na base da escada. Passou a mão no peito e depois levou-a à frente do rosto para vê-la pintada com seu sangue. Seu rosto não aparentava dor. Todos os músculos de seu rosto pareciam ter se relaxado ao mesmo tempo. Até sua boca estava entreaberta. Levantou a cabeça lentamente em direção ao homem branco. O instrumento agora produzia mais fumaça e apontava para aquele homem que parecia ter adormecido em pé de olhos abertos na base da escada. Ele se virou para o príncipe com o mesmo rosto sem expressão e a boca entreaberta. O que contrastava com a face do príncipe. Suas sobrancelhas estavam apertadas. Seus dentes se atritavam e ele apertava com mais força o rapaz dos baldes. E assim, sem emitir nenhum som, sem dizer nada, o homem tombou sobre o próprio peito. Uma poça de sangue começava a se formar embaixo daquele corpo enorme e estático. O príncipe, de súbito, largou o rapaz dos baldes e a faca e ajoelhou-se chorando ao lado daquele corpanzil. O homem branco e seus companheiros desceram correndo as escadas. Agarraram o príncipe e o amarraram a uma pilastra. Ele não lutava, não se debatia. Amarraram-no com as mãos presas acima da cabeça e começaram a açoitá-lo. Uns davam pontapés entre as pernas. Outros, socos no rosto. E iam se revezando. O príncipe apenas chorava. Mas não eram os golpes que despertavam suas lágrimas.

14.8.08

Navio Tumbeiro
Capítulo VII

A mulher acordou. Estava escuro. Só se ouvia um ruído suave, compassado, de água em movimento, e um ranger leve e lento de madeira com madeira. Na medida em que seus olhos iam se adaptando à pouca luz, ela ia percebendo a silhueta do príncipe ainda em pé por trás da escada. Seu companheiro também estava lá.
A mulher não conseguiu voltar a dormir. A cada ruído vindo da porta ou das frestas no teto, seus olhos se abriam novamente. Ela sentia sua respiração acelerar com o ritmo das pulsações de seu coração. Olhava para a menina e pensava onde poderia escondê-la caso algo acontecesse. Não via nada. Começou a pedir aos santos que conhecia que protegessem aquela criança pelo menos. Lembrou-se de seu marido. E lembrou-se da mulher morta e da irmã da morta.
E era para ela que a mulher olhava agora. Uma mulher viva, mas sem vida. Seus olhos continuavam olhando o nada. Mas seus braços não mais abraçavam as pernas. Seu corpo não se balançava. Ela estava sentada com as costas apoiadas na parede. As pálpebras pareciam querer se fechar, mas não se fechavam. Apenas abaixavam-se levemente, num piscar de olhos cansado e lento, vez ou outra. Seu peito quase não se movia. Era difícil dizer se ela respirava. Durante aqueles poucos instantes, a mulher sentia exatamente o que a irmã da morta sentia -- ou talvez não sentia --, o que a fazia simplesmente não reagir, um estado de dormência da alma. Naquele breve momento, as duas mulheres eram uma só, dentro da mesma sensação de impotência, de indiferença, torpor.
De repente, a menina disse alguma coisa. A mulher se assustou. Virou-se para a pequena. Esqueceu-se da irmã da morta. Mas a menina ainda dormia. Havia murmurado algo nos seus sonhos. Sonhos certamente melhores do que a realidade a aguardando na aurora. Melhor seria não acordar mais. Nunca mais.
Voltou-se na direção da irmã da morta mais uma vez. Seus olhos não estavam mais abertos. Talvez sonhasse também.