29.8.11

Super Homem

Super-Homem: "Pra mim não dá mais!"

A janela de trás da mesa do presidente explodiu preenchendo a atmosfera do Salão Oval, por algumas frações de segundo, com uma nuvem de cacos de vidros. Os seguranças já estavam cercando o presidente e o encaminhavam para a porta quando todos, eles, o presidente, o vice, o secretário de defesa, finalmente perceberam a presença dele.
Estava bem ali, no centro do Salão Oval, em sua pose clássica, com as mãos na cintura, a capa esvoaçante, devido ao vento que agora entrava pela janela arrebentada, o penteado impecável como sempre, o imponente e inconfundível S no peitoral avantajado.
O presidente se desvencilhou dos seguranças e começou a esbravejar:
- Porra, Super-Homem! Que merda é essa?! Isso é jeito de entrar na minha sala?!
- Quem falou que a boca é sua? - sua voz era calma e ele fitava o presidente com olhos impassíveis.
Todos na sala, menos ele, sentiam um calafrio. Ele nunca havia feito ou falado nada assim. O presidente agora baixava o tom de voz.
- Pô, quê que tá acontecendo, cara?
- Todo mundo sentadinho. Os seguranças podem sair.
O vice-presidente quis protestar:
- Peraí, por que tirar os seguranças?
O secretário de defesa quis se desculpar. Precisava resolver umas coisinhas e tinha marcado de almoçar com a esposa.
- Agora, caralho! - exigiu o Super-Homem.
Mais que depressa, todos obedeceram. Os seguranças saíram quase correndo da sala, sem olhar pra trás. O presidente, sentou-se na poltrona, entre o secretário e o vice. E o Super-Homem sentou-se na cadeira do presidente, depois de, com um super sopro, retirar todos os cacos de vidro de cima da mesa, juntamente com tudo o mais que havia ali. Então começou:
- Os senhores sabem o que eu acabei de fazer?
Os três homens se entreolhavam.
- Era mais uma pergunta retórica mesmo. Eu acabei de matar o Lex Luthor. Matei ele e qualquer um que já tivesse dito bom-dia pra ele. É isso mesmo. Cansei dessa merda. Prende o cara, o cara é solto. Prende o cara, o cara volta. Vai se fuder! Ninguém aguenta mais essa merda. Matei o filho da puta. Posso garantir que ele não sofreu. Foi rápido e indolor. Dei um surdão nele, sabe? Sabe aquele tapa duplo que policial dá em neguinho? Com uma mão de cada lado da cabeça, pra estourar os tímpanos do infeliz? Pois é. A cabeça dele explodiu. Não sobrou nada.
O secretário de defesa tentava disfarçar, mas seus joelhos tremiam. Seu rosto tinha perdido todo o sangue. De repente, virou para o lado e vomitou. Os outros dois homens o olhavam com certa piedade e algum nojo. O Super-Homem o olhava com desprezo e perguntou ao presidente:
- É essa a qualidade de homem que você consegue para ser secretário da defesa do seu país? - virou-se para o secretário. - Aí, mané. Tu tá demitido. Pode ir embora. Vaza.
O homem se levantou e saiu de cabeça baixa.
- Continuando. Bom, se o Luthor e todo mundo que trabalhava para ele estão mortos. O que isso significa? Hein, seu vice? Presidente? Não? Não sabem? Vamo lá, galera!
- Um mundo melhor? - arriscou o vice, timidamente.
- É. Isso também. Certamente. Gosto da maneira como você pensa, vice. Mas não é bem isso que eu ia dizer. Significa que agora sim eu sou indestrutível. Ninguém mais tem acesso à kriptonita. Eu sei que cês tinham um estoque pequeno guardado numa base subterrânea no deserto de Mojave. Prestaram atenção ao tempo verbal? Tinham. É. Eu fiz uma obra lá digna de um empreiteiro. Arranquei a porra toda do chão e mandei pro espaço, pra bem longe do sistema solar. Tá certo que alguns de seus funcionários morreram. Mas, é assim mesmo, né? Eles tiveram que aguentar essa pelo time. Não dava pra arriscar entrar lá e pedir licença. Qualquer zé roela que pegasse um estilingue e uma pedrinha verde filha da puta daquela podia me matar. Tem charuto aqui?
O Super-Homem começou a abrir as gavetas da mesa do homem anteriormente conhecido como o mais poderoso do mundo, enquanto este tentava se manter impassível sentado no sofá ajeitando o nó da gravata.
- Ah, achei!
Usando sua visão de calor, acendeu três charutos Cohiba da caixa que encontrara. Deu um para cada um dos homens que restava no sofá e voltou a sentar-se na cadeira do presidente. Com os pés sobre a mesa, soltava grandes anéis de fumaça que se esvaneciam lentamente.
- Sempre quis fazer isso.
O presidente seguiu seu exemplo, colocando os pés sobre a mesinha de centro e cutucou o vice:
- Relaxa, cara. Se ele quisesse matar a gente, já teria feito.
- Isso, presidente. Isso mesmo.
Os três riram serenamente, como três velhos amigos que se encontravam conversando sobre reminescências.
- Mas, Super-Homem, então o que te traz aqui? - o vice arriscou.
- Bom, o lance é o seguinte. Não vou mais trabalhar pra vocês. Vocês é que vão trabalhar pra mim. Sabe, se os humanos, terráqueos não conseguem cuidar de si mesmos a ponto de colocarem em risco sua própria sobrevivência e a existência do planeta, isso significa que vocês não podem ter a responsabilidade de gerenciar o planeta por vocês. Eu pensei em ir à televisão dar as boas-novas. Dizer que agora o bicho ia pegar, que quem não andasse na linha ia ter que responder diretamente a mim, fosse quem fosse, gari, professor ou presidente, onde quer que estivesse, na China ou no Brasil. Mas não. Pensei melhor e vim aqui ter essa conversinha com você primeiro. - disse olhando para o presidente. - Posso te chamar de você, né? Eu quero que o senhor convoque uma reunião com os líderes das maiores e mais poderosas nações. Quero o chanceler alemão, quero o primeiro-ministro inglês. O Berlusconi, não. Esse filho da puta eu faço questão de trucidar com minhas próprias mãos. Vai servir de exemplo pros outros. Bom, voltando à reunião. Quero a galera do BRIC, os japoneses, os argentinos. Acho que por enquanto tá bom. Pode jogar mais alguém aí no bolo que você achar interessante. Convoca essa reunião em meu nome. Abre com os caras. Diz o que eu já fiz: com o Luthor, com a Kriptonita, aqui na sua sala... Pode falar que o secretário de defesa vomitou. Esse cara sempre foi muito arrogante. Merece essa humilhação pública. Semana que vem eu volto pra essa reunião. Alguma dúvida?
- Vamos discutir o quê exatamente?
- A gerência do mundo. Já falei com a galera lá da Liga da Justiça. O Batman vai cuidar das finanças. O cara sempre teve grana e sabe lidar com isso. Eu vou cuidar da paz, ou da guerra. Os humanos escolherão como vai ser. A Mulher-Maravilha é que vai ser a presidente do mundo mesmo. Essa coisa de mulher no comando tá na moda, né? O Lanterna-Verde vai cuidar do meio ambiente. O resto a gente vai debatendo juntos. Mas que fique uma coisa bem clara: acabou essa merda de humano batendo em humano, humano abusando de humano. Isso cês já podem adiantar pra galera lá.
Levantou-se e apagou o charuto com um sopro gelado. Deixou-o cair dentro do cesto de lixo.
- Se os senhores não têm mais nenhuma dúvida, eu vou indo nessa.
- Não, acho que tá tudo bem claro.
- Então, até semana que vem.

23.8.11

Moon

Moon Of My Life

I ain't got the power of a politician
I ain't got the fame of a soccer player
I ain't got the money of a tycoon

But I've got ears
That listen more accurately to your voice than any other
I've got eyes that sparkle in a singular way
When light reflected by you reach them
I've got a nose that works much better
When close to your neck and hair
I've got hands that will hold you
For as long as you want them to

And I've got a heart
with true love
and your name is written all over it

22.8.11

Coisas Que Não Entendo

Sobre Coisas que Eu Não Entendo: Política e Economia

Eu não entendo nada de política. Confundo legislativo com executivo e judiciário pra mim é um bando de homem com roupa engraçada e fala pomposa. Não entendo também de economia em larga escala. Jamais poderia auditar as contas do município ou do estado. Que dirá da nação!
Minha culpa, minha máxima culpa. Nunca gostei muito de estudar. Nunca fui atrás de entender as coisas, sabe? Minha culpa ou mea culpa ou meia culpa. (Problem, sistema educacional?) É que, pensando bem, depois que eu decidi entrar na faculdade de medicina, eu comecei a estudar mais sério. Mas, cá entre nós, o que a gente aprende na escola no Brasil? O que nos exigem para entrar numa faculdade? Aprende a fazer conta, aprende a ler e escrever... tá certo que dá pra conseguir um diploma de segundo grau, digo, de ensino médio, sem ter aprendido nada. Todo mundo sabe disso. Bom, mas voltemos pra o que a gente "aprende". Aprende, digo, desculpem, não aprendemos história e geografia. Não, não mesmo. Saber que a capital do Brasil não é Buenos Aires não é saber geografia. Saber que quem descobriu o Brasil não foi Cristovão Colombo não é história. Me disseram, quando decidi estudar pra passar no vestibular, que eu teria que ler o Le Monde Diplomatique. Que nada. Assiste o Jornal Nacional uma vez por semana que tá bom demais. No fim, é tudo bitolar. A gente tem que bitolar (os mais jovens que procurem o Aurélio ou o Houaiss para maiores explicações) pra passar no vestibular. O que nos afasta cada vez mais de entender o que acontece por aí. Mas, estou digredindo, como sempre faço quando escrevo. É um tipo de hobby eu acho.
O que eu quero dizer é que, mesmo que eu tivesse sido um bom aluno, um cara interessado, um cara curioso, um cara de iniciativa ("um cara interessante, esculacho seu amante"), a escola não teria me ajudado em nada para que eu entendesse como funciona essa coisa de política e de economia. Eu poderia ter aprendido se eu tivesse corrido atrás. Mas a escola não teria tido nada a ver com isso.
Eu não sou o melhor exemplo disso, sabe? Nem disso nem de nada. Eu sou provavelmente o cara mais velho que estuda medicina na Universidade Federal de São João del-Rei e, muitas vezes, me pego pensando que sou um dos mais imaturos e ignorantes. O pessoal de vez em quando me chama pra entrar no CA. Imagina, eu no CA. Tá de sacanagem, né? Eu não vou nem em reunião de condomínio, só pra se ter uma idéia da minha apolitização (o termo existe?).
Agora, mesmo um cara ignorante como eu percebe que alguma coisa vai mal, muito mal por aqui. Há sim algo de podre no reino Tupiniquim. Não é estranho que os caras que decidem o salário de todo mundo tenham os maiores salários e os melhores aumentos (sem mencionar os benefícios: PODER)? Não é estranho já ser até um cliché dizer que um país só cresce com educação de qualidade e os professores do estado e da federação, tanto da base quanto de nível superior, terem salário pífios? Roberto Freire já falou. Cristovam Buarque já falou. Porra, até o Gabriel Pensador já falou. ("O Nietzsche enloqueceu e eu não vou nada bem...") E tá na boca do povo. Ou você pensa que o povo acha que a vida vai melhorar depois da Copa 2014? Ou depois das Olimpíadas no Rio? Vai ser divertido. Ah, isso vai! Imagina, assistir de pertinho uma partida entre Espanha e Alemanha. Isso sim é que é futebol! Imagina ver o Usain Bolt quebrando o recorde dos 100m debaixo do seu nariz? Mas, será que o povo vai ter grana para pagar pelos ingressos? Os professores certamente não. Afinal, eles são professores por que amam o que fazem, né? Mas vai dar pra galera levantar um din-din legal vendendo cerveja e tropero na porta dos estádios, alugando seus quartos, salas e banheiros pra gringaiada.
Mas e a conta disso tudo? A conta do estádio do Corinthians? A conta da reforma do Mineirão? A conta de botar os aeroportos funcionando a contento? A conta de se erguer um setor hoteleiro que dê conta do recado? A conta de botar uma rede de transportes que funcione? Quem paga?

É nóis, mano.

E quem vai lucrar com isso? Te garanto que os vendedores de cerveja e tropero serão os menos beneficiados dentro do rol seleto daqueles que o serão.
Mas e se esse esforço todo que tão fazendo, desde não sei quando, para trazer Copa e Olimpíadas pra cá, fosse direcionado para a educação? Será que mudaria alguma coisa? Será que as federais estariam "ameaçando" greve? Será que assistiríamos desabafos eloquentes como o da professora Amanda Gurgel (quem ainda não viu, procure no YouTube. É de arrepiar!) ou textos pseudo-politizados como esse que escrevo (que não mudam nada, diga-se de passagem)? Será que sobraria verba para ensinar sobre politica e economia nas escolas?

Eu não sei. Não entendo nada de política ou de economia.

20.8.11

Cliente Especial

Cliente Especial

Era um dia calmo. Ela não sabia dizer quantos haviam passado por ali. Não contava e nem saberia estimar quantos. Mas sentia, sabia dizer quando era um dia calmo e quando não. Percebia pelo espaço de tempo entre um e outro que entravam no seu quarto, pelo trânsito nos corredores e, principalmente, pelo cheiro no ar. O cheiro mudava muito em dias de mais movimento. Ela não diria que o cheiro era pior: já havia se acostumado e era indiferente a ele. Mas percebia que ele se intensificava.
Um homem se aproximou:
- Quanto é?
- Trinta. - respondeu sem levantar os olhos do livro que lia.
Ela não precisava. Sabia exatamente como ele era. Não por fora. Ele poderia ser alto ou baixo, magro ou gordo. Por dentro, no entanto, todos eram iguais.
- Ok. Vamos. - disse homem com voz hesitante.
Fechou a porta encerrando-se com aquele joão ninguém em seu quarto. Colocou o livro sobre a cômoda e disse a ele que tirasse a roupa enquanto ela fazia o mesmo. Para ela, obviamente, era muito mais rápido já que vestia apenas um shortinho e um top, sem calcinha nem sutiã. Deu uma olhada para trás, enquanto abria o pacotinho com os dentes, e viu o homem se despindo enquanto olhava para ela como se visse uma miragem. Finalmente ele se deitou na cama. Ela veio por cima e levou menos tempo para terminar com ele do que ele precisou para se vestir outra vez. O homem pegou o dinheiro na carteira, entregou a ela e se foi.
- Obrigada.
Voltou a seu livro depois de se vestir novamente, mas antes mesmo que terminasse a primeira linha, sentiu que outro homem a observava à porta. Sua presença era diferente. Ele não disse nada. Apenas a olhava. Seus olhos pareciam atravessá-la ao meio. Antes que ela pudesse dizer alguma coisa, ele entrou no quarto também, empurrando-a para perto da cama. Ela não sabia o que estava acontecendo, não compreendia. Instintivamente foi até a cômoda para colocar o livro sobre o móvel, colocando-se de costas para ele. Tentava ganhar tempo. Tempo pra quê? O que exatamente estava acontecendo? Antes que pudesse fazê-lo, sentiu um aperto firme em seu braço esquerdo que a obrigava a dar meia volta e encará-lo novamente. O livro foi parar no chão. Ela teve ímpetos de gritar, mas antes disso, a outra mão do homem agarrava seu outro braço e o corpo dela era levado para junto do corpo dele. O beijo aconteceu como se não houvesse outro caminho, como se não houvesse outra alternativa. Não havia outra alternativa. Seus lábios já estavam sendo apertados contra os dele. Ele a segurava firmemente, porém sem a machucar. A língua do homem dentro de sua boca acariciava a sua, e corria para os lábios e voltava para a língua... A partir desse momento ela estava em transe. Sabia que, mesmo se tivesse vontade de lutar, ele a subjugaria. Ele era enorme. Ele poderia subjugar exércitos de mulheres como ela. De qualquer maneira, ela não sentia nenhuma vontade de lutar agora. Se deixou guiar por aquelas mãos grandes e fortes que a manipulavam como a uma bonequinha. Sua vontade era agora a vontade que ele quisesse. Caída na cama, já estava nua. Ele, ainda em pé, a observava enquanto também se despia. Ela também o observava e nem se lembrava de onde estava, ou por que estava ali. Não conseguiu absorver racionalmente o que aconteceu depois disso. Lembrou-se durante muito tempo do momento em que seus corpos se encaixaram, mas todo o resto era como um sonho daqueles de que nos lembramos apenas de trechos soltos. Lembrou-se de vê-lo abotoando a calça, colocando o dinheiro sobre a cômoda e dizendo:
- Eu volto.
Dessa vez ela não teve forças para agradecer. Adormeceu.