26.5.11

Sapatos



Tudo em sua vida parecia mais fácil. A sensação de relaxamento era indescritível. Todo seu corpo parecia sorrir e se soltar, se derreter e se esparramar naquele assento vermelho. Tudo isso graças ao simples fato de ter tirado os sapatos. Não, não era a postura mais ortodoxa a se tomar para assistir uma palestra. Mas ele não resistira. Havia passado todo o dia calçado, vestido, devidamente paramentado para exercer cada uma de suas funções, sentado ou caminhando de um lado para o outro. E seus sapatos não eram desconfortáveis. Ele até gostava de calçá-los pela manhã. Tinha mesmo certa alegria de calçá-los. Se sentia charmoso, bem cuidado, até querido calçando aqueles sapatos. Mas no final do dia, invariavelmente, queria se livrar deles o quanto antes. Chegava a pensar em arremessá-los pela janela da sala quando entrava em casa. Lembrava-se que quando criança não entendia sua mãe chegando em casa e dizendo que os sapatos a estavam "matando." Por que então ela os calçava todos os dias? Seu pai era ainda mais engraçado. Chegava em casa, sentava-se no sofá e tirava os sapatos com um suspiro delicioso. Seu pai demonstrava tanto prazer em tirar os sapatos que sua versão menino fazia de tudo para estar por perto nessas ocasiões. Ainda muito criança tinha propensões a ser filósofo e pensava, tentava entender, se era tão bom no fim do dia tirar os sapatos, as pessoas deveriam procurar sapatos mais desconfortáveis para usar durante o dia. Segundo sua lógica, dessa maneira, o prazer seria ainda maior ao descalçá-los. Já homem feito, a idéia ainda não lhe parecia de todo absurdo, embora jamais tivesse procurado sapatos desconfortáveis. Agora, sentado na poltrona vermelha, não se importava com os olhares reprovadores, ou apenas curiosos, mirando seus pés cobertos somente por meias. Sorria e saboreava a sensação de liberdade.

23.5.11

Emburrada

"Eu odeio, odeio você!"
E senta no chão
Pernas e braços cruzados
Me olha de rabo de olho
A boca em beicinho
Emburrada

Chego devagarinho
Experimentando
Como quem testa o frio
Na beira de uma piscina
Trago pra ela um sorriso
E com um abraço
Devolvo-a à cama

"Apaga a luz, por favorzinho."