9.12.13

O Primo

Fazia muito tempo que eu não o via. Muito tempo mesmo. Uns 5 anos no mínimo. Eu ainda estava no ensino médio. Nós sempre tivemos uma ligação muito forte. Um carinho especial um pelo outro. Quando convivíamos mais, na época em que tanto ele quanto eu ainda morávamos com nossos pais, a gente vivia grudado. Na minha festa de 15 anos, dancei com ele antes de dançar com meu namorado. Foi até um acidente. Mas foi ótimo por que, eu não pensava nisso na época, ele estaria sempre na minha vida. Ele era da minha família. O engraçado é que o meu namorico acabou naquele ano mesmo. Na festa, na hora da valsa com o namorado, eu não consegui encontrar o menino, e meu primo tava ali rindo da minha cara. Peguei ele pela mão e puxei pro centro da pista. “Cala a boca e faz cara de apaixonado.” Ele fez cara de assustado. Embora eu fosse mais nova e menor que ele, eu batia muito nele.
Eu estava no computador, revezando entre o facebook e o livro na minha mão que eu precisava resumir. Aí ele apareceu. Falando que minha tia ia vir pra minha cidade e ele viria com ela. “Você me leva pra sair sábado?”
Meu namorado morava em outra cidade. Parece que meu primo sabia estar onde os meus namorados não estavam. Na mesma hora, já combinei com a menina com quem eu morava de fazermos alguma coisa no fim de semana.
Ele chegou no sábado na hora do almoço. Tivemos um tempo para colocar a fofoca em dia, por que a menina que morava comigo teria prova na segunda e queria dar uma estudada durante o dia para sair sem culpa à noite. 
Eu sempre achei ele bonito. A gente até era bem maduro por que eu sempre lembro de conversar com ele e falar pra ele que era lindo. E ele também falava pra mim. E a gente ficava numa boa, sem climinha, sem ciúmes. Ficava numa boa. A gente não ficava. Entendeu?
Quando eu vi ele descendo do táxi com minha tia, ele parecia outra pessoa. Ele exalava masculinidade, com a barba por fazer, os cabelos do peito se projetando por cima da gola da camisa. Minha tia me deu um beijo rápido. Ela viera para visitar uma amiga no hospital e não poderia almoçar com a gente, provavelmente dormiria no hospital. Eu e ele fomos direto pra um restaurante que eu gostava, perto da minha casa.
“E aí? Eu vi as fotos da sua namorada. Ela é muito bonita.” Ele deu um risinho arteiro. “Cê não sabe o que eu fiz? Eu peguei uma menina na semana passada.”
Na mesma hora foi como se o chão se abrisse embaixo dos meus pés. "Meu mundo caiu..." Eu fiquei horrorizada. Xinguei muito. Como ele podia ter feito aquilo? E ainda me contar com aquela cara lavada? Aquela cara de menino sapeca? Aquele sorriso maravilhoso com aqueles dentes perfeitos? Parece que isso era uma coisa que gerava um sentimento muito ambíguo dentro de mim. Desde pequeno ele conseguia me fazer gostar mais dele quando fazia alguma coisa errada e ria, como se aquilo não fosse nada. Eu nunca tinha percebido isso. Até agora. Falar em voz alta me fez perceber isso. É assim mesmo que isso funciona?
Eu nem lembro dos detalhes. Nem lembro o nome da namorada dele mais. Também, isso foi há tanto tempo. Mas eu me lembro de ficar puta com ele, decepcionada. Parecia que eu que tinha sido traída. Eu sempre colocava ele numa aura de perfeição, mesmo sabendo muito bem que ele não era perfeito. 
Tomei um gole do suco e fui ao banheiro. E foi ali que senti alguma coisa diferente, que eu não conseguia acessar na hora. Parecia que eu tinha recebido uma boa notícia. Me deu uma vontade de rir incontrolável. E eu ri muito e depois chorei um pouquinho, por não entender o que estava acontecendo, o que eu estava sentindo. Acho que foi isso. 
Voltei pra mesa e tentei ser racional. Falei pra ele que eu tava muito decepcionada, mas que eu não tinha nada a ver com aquilo. Terminamos de almoçar e fomos dar uma volta no parque.
Durante toda a tarde -- depois do parque fomos ao shopping -- eu ficava olhando pra ele, observando como ele se comportava. Quando passava alguma mulher bonita, a maneira que olhava. Era discreto e ao mesmo tempo firme. Era quase imperceptível pra quem não estivesse prestando muita atenção. Mas pra mim... Eu pensava que ele era um tarado. Será que ele sustenta toda essa azaração? Será que se alguma dessas mulheres der mole, ele pega também? Será que se eu olhar pra ele assim, ele vai querer me pegar? Será que ele olhava assim mesmo pra todas essas mulheres ou era eu que via aquilo? Minha cabeça tava completamente zonza. 
No momento que eu não tava mais aguentando, a menina que morava comigo apareceu. Ela me salvou e nunca soube. Quando ela chegou os dois começaram a conversar. Meu primo era excessivamente sociável e ela era daquelas pessoas que conversam sobre qualquer assunto. Tive tempo pra respirar. Fui no banheiro, dei uma volta. Recebi uma mensagem do meu namorado. Nem lembro o que dizia, mas não respondi. Aquela mensagem parecia vir de uma outra dimensão, para um outro destinatário, uma outra eu que não aquela eu daquela hora. Acho que é o Nietzsche que disse uma vez que o mesmo homem nunca entra no mesmo rio duas vezes. Se não foi ele, foi alguém tão importante quanto ele. Nunca gostei muito desses filósofos. Só gosto das coisas que eles escreveram. 
O fato é que eu me sentia como se tivesse ido dar uma voltinha fora do rio. Fiquei calada o resto do dia. De vez em quando eu reprimia ele pelas coisas que ele falava. Tudo que ele falava me dava margem a uma interpretação que me fazia me sentir no direito de julgá-lo. Climão. Climão pesado.
Mas à noite, tudo melhorou. O que não melhora com vodka? A gente saiu prum barzinho e depois foi dançar. E eu relaxei. Ninguém flertou com ninguém. Ficamos os três lá como se só a gente existisse na balada. Parecia que a gente tinha voltado a ser criança. A gente tava brincando na pista, zoando, rindo. Fomos embora muito depois das 4 da manhã.
Meu primo ia dormir na sala. Eu ia dormir no quarto da menina que morava comigo e a minha tia já estava dormindo no meu quarto. A menina dormiu muito rápido e começou a roncar. Eu não conseguia dormir. Tava muito quente, insuportável, mesmo com o ventilador ligado. Levantei pra beber água.
A cozinha tinha duas portas. Uma que dava para os quartos e outra que dava para a sala. 
Assim que eu entrei, ele também vinha da sala. Entramos exatamente no mesmo segundo. Ficamos ali um tempo. Um segundo, um minuto, meia hora, não sei. Mas teve um tempo em que o tempo parou. Ficamos nos olhando de longe, sem dizer nada. E, de repente, avançamos em direção um do outro. Ele me agarrou. Forte. Agressivo. Colocou as duas mãos dentro do meu short, apertando a minha bunda com força. Eu puxava ele pra mais perto. Queria sentir fisicamente a presença do corpo dele.
Foi só aquela noite. No chão da cozinha. Sem camisinha. Morri de medo de engravidar. Como se não bastasse os transtornos óbvios que uma gravidez naquelas condições geraria, ele era meu primo!
A gente voltou a se falar mais. Pelo facebook, por mensagem, pelo telefone também. Nunca sobre o que tinha acontecido no chão da cozinha. Durante alguns dias parei de criticá-lo por ter ficado com outra menina. Me sentia uma hipócrita. 

Mas é muito fácil esquecer a nossa própria hipocrisia.

Acho que meu tempo acabou, né?

Dedico esse texto ao fescenino Ruben Fonseca e ao transgressor da moral e dos bons costumes ditados pela família cristã brasileira Nelson Rodrigues. 

 Dedico também ao assassino da família mineira Lúcio Cardoso.
Eles me aliviam um pouco da culpa de escrever sobre temas tão condenáveis... Quem ficou de pipiu duro levanta a mão?
Dedico ainda ao Navarro por ser tão subversivo quanto eu (ou mais?) e por ter me apresentado o seriado In Treatment, no qual eu obviamente me inspirei para escrever esse texto.

Dans La Maison

Esse texto poderia ser uma crítica sobre o filme do qual eu surrupiei o título. Mas não é. Não vai ser. Vou escrever (com enorme dificuldade, por que eu estou digitando no teclado touch do meu celular, e por que tem muito tempo que eu não escrevo nada) sobre o que eu estou escrevendo, que é esse texto. 
Já ficou acertado então que ele, o texto, não será uma crítica “cinemática”. Será, ou é, como não poderia deixar de ser, uma crônica. 
Embora eu não esteja 100% seguro sobre o nome do estilo nesse momento, os meus quase 5 leitores sabem do que eu estou falando, pois já se acostumaram a ler esse tipo de texto escorrendo lentamente dos meus dedos para o teclado do computador. 
Hoje, no entanto, há uma diferença. O texto está peculiarmente fragmentado por muitos parágrafos, coisa que eu não costumo fazer. Se bem que, devido ao formato que escolhi para o blog, é difícil dizer quando surge um parágrafo. Vou ajudá-los.

E hoje as palavras não escorrem mais, o que era muito mais fácil com a ajuda da gravidade. Hoje elas têm que se esforçar. Elas vão se ralando, se entalando, contra a gravidade, para sair dos meus dedos e chegar até o cume: a tela do celular, onde os meus olhos enxergam o produto do meu parto pela primeira vez, ao vivo e a cores, e não pelo monitor do ultrassom.

Quando o texto começa? Ali em cima eu fiquei na dúvida se usava o presente ou o futuro. Quando começa a vida do bebê para a mamãe grávida? Quando ela começa a se referir a ele como alguém que é, em vez de se referir a alguém que será?

Isso está realmente se configurando (troquei a palavra anterior umas três vezes e ainda não tenho certeza se isso é realmente o que eu queria dizer) um parto (essa, sim, era uma que eu procurava). 

O Android nos oferece uma variedade de opções gratuitas de aplicativos. Contudo, ainda não encontrei um editor de texto que funcionasse satisfatoriamente. Fora isso tem a questão desse teclado touch. É a pior invenção de todos os tempos: uma coisa sem feeling, sem vida, excessivamente virtual para mim. 

Mas, ultimamente, tenho me conformado mais com essas coisas. Virei um dinossauro mesmo. Meu maior medo é o dia em que proibirem os carros com câmbio manual. Infelizmente, eu sei que um dia isso vai acontecer. A tendência, acredito que mundialmente, é que as máquinas cada vez mais se responsabilizem pelo trabalho que seria nosso. Antes se dizia que era para que os humanos pudessem usar sua tão elevada inteligência para fins mais nobres. Mas, pelo que tenho visto, o tiro saiu pela culatra.

As pessoas não estão usando aqueles neurônios libertos pela tecnologia para um fim mais nobre do que, por exemplo, trocar as marchas de um carro. Na verdade, as pessoas simplesmente não estão usando mais aqueles neurônios. Pra nada. A tecnologia se desenvolve então, não para nos dar mais tempo e energia para nos ocuparmos com coisas que realmente importam, mas apenas para que nossa inteligência atrofie. Para que nos afastemos cada vez mais do santo, do filosófo, de Shakespeare, e nos aproximemos cada vez mais dos chimpanzés. (Assistam o filme Waking Life. Leiam o livro Universo em Desencanto. Huahuahuahuahuahua... zuei grandão!)

Mas, voltando à vaca fria, esse filme, Dans La Maison, para o qual eu não vou escrever uma crítica, me fez querer escrever de novo. E a dificuldade está colocada no fato de meu computador, no momento, por razões que julgo ser mais prudente omitir, não estar disponível. (Ao bem da verdade, essa era a menor das minhas dificuldades. Esses dias tentei escrever um texto e não saiu nem um teste. E ainda apaguei sem querer a bagaça. Freud explica. Mas fica aí uma metáfora. Hein?)

E eu então lembrei de outro filme francês. Infelizmente, não me lembro a grafia correta em francês, mas me refiro à película entitulada em português O Escafandro e A Borboleta. Eu com preguiça, com birra, de usar essa merda de teclado pra escrever meu textinho -- o que agora estou fazendo com um dedo por que fica mais fácil segurar o celular -- enquanto o personagem do filme escrevia piscando um único olho. Eu uso um dedo e ele usava um olho. 

E, que coisa!, a mesma atriz estava nos dois filmes. Agora que me toquei. Mas nem adianta perguntar por que eu não lembro o nome dela. É uma loira que deve ter chegado (e muito bem, diga-se de passagem) aos 40 e tem um ar sensual (o verdadeiro sexy sem ser vulgar) que só uma francesa pode ter (pelo menos na minha imaginação). Acho que prefiro ela até do que a Julie Delpy (Antes do Pôr-do-Sol?).

Enfim, talvez essa dificuldade, de ter que usar o celular pra escrever, e comparar isso ao que o homem preso dentro de si tinha que enfrentar, tenha me motivado mais ainda para escrever agora.

Esse é o paradoxo da natureza humana: quanto mais difícil, maior a probabilidade de você ir lá e fazer. 

Não, eu reconheço que isso não é lá tão comum assim. E não é pra menos. Lembra do que eu disse agora há pouco sobre a tecnologia?


p.s.: Esse texto não ia acabar aqui. Mas eu não resisti em deixá-lo assim quando a pergunta surgiu. Adoro terminar com pergunta.

Dedico esse texto ao cinéfilo Rony que me recomendou esse filme (e tantos outros).
Dedico também à Duda por que eu amo ela, a tigela e o coração. E ela assistiu o filme comigo. 

E quando ela ri me faz acreditar na felicidade.

22.3.13

Tudo Muda. ou Melhor ou Pior? ou Diferente.

Por mais que doa no coração dos puristas, saudosistas, velhos (de alma, como às vezes eu sou), as coisas mudam. O ser humano existe do jeito que é, homo sapiens, há muito pouco tempo quando comparamos com o quanto tempo tem que o mundo é mundo. Mas chama atenção demais o quanto as relações intra e interespecíficas e a maneira de interagir com o ambiente mudou para essa espécie nesse pouco tempo. E mais louco ainda é perceber como essas mudanças se processam cada vez mais rápido. Tenho certeza de que, se você tá lendo esse blog, você tem acesso privilegiado à informação e, mais do que isso, tem know-how para buscá-la e encontrá-la. Então, se você ainda não viu, procure aí um gráfico que mostra uma linha do tempo e as transformações que ocorreram no mundo pós pré-história (ficou esquisito, mas eu realmente não sabia outra maneira de escrever isso). Quando você se deparar com tal linha do tempo, você vai perceber que as mudanças vão se aproximando cada vez mais.
É até cliché comentar isso, mas acho que é a  melhor ilustração para o que eu quero dizer. Pensa em aparelhos de emissão sonora. Até o final dos anos 70, o que rolava era o vinil, o LP. Tinha que ter uma vitrola (toca-disco) para ouvir sua banda favorita. Imagina o cara sentado em uma sala de estar, ouvindo um disco do Caetano, segurando a capa do disco retratando o cantor com aquela cabeleira farta e rebelde. Depois surgiu o toca-fita. Ficou muito prático carregar as suas músicas prediletas. Elas cabiam no seu bolso. Depois veio o walkman e você não só carregava as músicas no seu bolso, ainda que com certo volume, mas as ouvia enquanto caminhava (daí o nome do aparelhinho). Isso sem falar que a experiência passou a ser individual, quando antes ela era necessariamente, forçosamente, compartilhada (funkeiro no buzão). A liberdade individual tomava novos rumos. Depois veio o CD. E, embora o tamanho do discman não seja tão diferente do walkman, a qualidade do som é inquestionável. As fitas se deterioravam rápido com o uso. Depois veio a era do mp3. Estamos nessa era. E, para fechar o meu argumento, agora compare a distância temporal entre uma mudança e outra. Quanto tempo entre o lançamento do toca-disco e do toca-fita? Quanto tempo entre o CD e o mp3? Percebe?
Mas o lance dos aparelhos de emissão sonora é só uma ilustração. Vamos falar sobre algo que gera mais repercussões: as relações interpessoais. O conceito de rede social existe há muito tempo (muitas décadas, talvez séculos, não sei), mas só agora ele tá na boca do povo. E o que tem me chamado a atenção é a maneira como as novas redes sociais se formam e como elas são superficiais e frágeis. E aí, fazendo uma analogia com os toca-fitas e mp3 players, pensa em como seria você falar sobre seu dia para alguém nos anos 70 e como é hoje. Eu não vivi nos anos 70, mas imagino que, se você quisesse contar para alguém sobre alguma experiência que teve, teria que conversar com a pessoa. Talvez você pudesse telefonar para essa pessoa. Talvez pudesse mandar uma carta (o que demandaria bastante tempo, tanto na confecção da carta quanto no processo de fazê-la chegar ao remetente, e esse tempo, em geral, te dava a oportunidade de se esmerar). E hoje? Você tira uma foto com seu celular, posta no facebook e escreve uma linha e meia descrevendo ou comentando a foto. Pronto. O mundo inteiro viu. Rápido, não? Mas a questão é: isso é melhor ou pior? Tenho percebido que as pessoas não precisam mais se esforçar para se expressar. Não há muito o que pensar, não dá nem tempo. Eu tô vivendo aquilo e, naquele mesmo minuto, já tô dizendo pro mundo que aquilo tá acontecendo comigo. O que me preocupa é que às vezes, essa rapidez não nos dá tempo para refletir sobre a experiência, sobre seu significado (se é que teve algum), e, de repente, já tá lá, para todo mundo ver (ainda que ver não seja enxergar), todo mundo saber. E aí, das duas uma:
1. Experiência vazia: Você publica um monte de coisa sem significado algum, por que não dá tempo para refletir sobre se houve ou não algum siginificado e, consequentemente, se valia ou não a pena publicar.
Ou...
2. Experiência significativa transformada em experiência vazia: Você publica algo que teve sim um significado enorme para  você, mas, da mesma maneira, não acrescenta muito, por que foi rápido demais e você nem mesmo teve tempo de perceber esse significado. E, pra piorar, como tudo acontece tão rápido, provavelmente aquela sua publicação que teria significado, vai ser sobrepujada por um mar de outras sem significado algum.
Já tentou achar uma postagem antiga no facebook? O que é uma postagem antiga? Quantas postagens surgiram na sua timeline nas últimas 24 horas? Quantas dessas tiveram siginificado? Cês entendem a minha questão?
O surgimento dessas novas redes sociais, as virtuais, através da net, certamente deve ter funcionado como um canal para diversas pessoas que se sentem embaraçadas em contextos sociais concretos. E, a César o que é de César, eu reconheço esse valor. Porém, ao mesmo tempo, parece que o surgimento desse canal tirou dessas pessoas a necessidade de se esforçarem um pouquinho e desenvolverem habilidades que elas não tinham (agora nunca terão). Mas será que elas vão precisar dessas habilidades no mundo de hoje? Essa é uma pergunta que ainda não consegui responder definitivamente. Em geral, posso afirmar que ainda há uma necessidade de saber socializar presencialmente, na maioria dos contextos. Essa necessidade, contudo, vem diminuindo. Vão surgindo novas relações que permitem que uma pessoa passe sua vida toda dentro de casa, sem nunca se relacionar fisicamente com seus pares. Só não sei se isso é bom. Ou ruim. Ou simplesmente diferente. Você sabe?

Dedicatória: Como não tenho escrito muito ultimamente, a partir de hoje, quando o fizer, vou escrever uma dedicatória para pessoas que importam. Digo pessoas por que meus textos têm ficado cada vez mais escassos, de forma que quando surgi um, eu devo aproveitar para dedicá-lo para o maior número de pessoas possível.
1. Em primeiro lugar dedico esse texto para a minha cara metade, minha linda, habilidosa, astuta, genial, brilhante, gostosa namorada. Por que ela sempre reclama que eu não escrevo mais pra ela. Eu tento explicar que eu escrevo quando tô sofrendo de amor. E ela, felizmente, só me faz feliz. Acho que eu também escrevi no começo do nosso namoro quando eu achava que nem era real, que era um sonho. Mas hoje, super, hiper, felizmente, vejo que nosso amor é real, concretíssimo.
2. Vou dedicar esse texto também pro Zuba que me deu um mousepad hoje. Só pelo mousepad? Não, ele também tem me ajudado muito com meus estudos. Então, dedico pro Zuba também.
3. Dedico também pro Rony e pro Navarro por que eles escrevem mais do que eu. Só por isso, já merecem.
4. E, finalmente, eu quero mandar um beijo pro meu pai, pra minha mãe e pra você. Esse "você" nos anos 80 seria a Xuxa. Mas hoje não é mais. Hoje é você mesmo que tá lendo esse texto. Um beijo.

20.1.13

Apostas

Sabe aquelas cadeiras triplas? Você pode encontrá-las em salas de espera, em rodoviárias, em alguns bancos (instituições financeiras). São aquelas que são uma cadeira grudada na outra, lado a lado, formando um trem em que os vagões não andam um atrás do outro, mas lado a lado.

Como nas receitas, reserve essa ideia. Precisaremos dela mais tarde. Agora vamos pra outro lugar.

É interessante como o ser humano evita o contato com outros seres também humanos em lugares públicos. Tenho a impressão de que isso é um fenômeno recente. Velhos, quanto mais velhos são, não agem assim. Se bem que, talvez por serem velhos, e aqui está outro fenômeno dos tempos mais recentes, se sentem só. E, por isso, talvez tenham o hábito de tentar se comunicar com estranhos em lugares públicos. Ainda assim, acredito que há 50 ou 60 anos, as pessoas não se evitavam tanto quanto se evitam hoje. Existe gente demais no mundo. Então evitamos o contato para não ficarmos sobrecarregados. Por isso dizemos bom dia dentro do elevador pra ninguém em particular. E baixamos a cabeça. E torcemos pra chegar logo no térreo.

O que nos leva de volta às cadeiras triplas. Se você encontra uma dessas e não tem ninguém sentado, onde você senta? Imagina a Patrícia Poeta dizendo: "A sua resposta pode falar muito sobre sua personalidade, é o que diz um estudo da Universidade de Massachusets..." Não. Não é a Patrícia Poeta. É o que eu digo, sem estudo nenhum. Eu imagino que a maioria das pessoas sentaria em uma das cadeiras das pontas, esquerda ou direita. Comportamento que eu vou chamar aqui de uma aposta conservadora. A maioria das pessoas, uma maioria até maior do que a supra-citada, preferiria sentar-se sozinha nesse tipo de assento. Só que o mundo tá cheio demais, então entende-se que há uma grande probabilidade de uma outra pessoa, um estranho, chegar e querer se sentar também.

Agora invertamos a situação.

Você chega e encontra um cidadão sentado lá. Se esse estranho estiver sentado em uma ponta, você se senta na outra. Agora, se ele estiver sentado no meio, além de eu arriscar dizer que você só vai se sentar se estiver realmente precisando, machucado ou exausto, digo que esse estranho faz apostas ousadas.

Escolher sentar-se no meio, quando as três posições estão vagas, é uma aposta ousada, se opondo à aposta conservadora de se sentar em uma das pontas na mesma situação, pelo seguinte: pela mesma razão que você escolheria sentar-se, caso uma ponta estivesse ocupada, na ponta oposta, existe uma chance menor de, caso alguém chegue, esse alguém querer sentar-se ao seu lado, o que forçaria você a dividir o assento com um estranho.

Entretanto, assim como com os investimentos financeiros, se o retorno é alto, o risco também o é. Caso o segundo a chegar esteja realmente querendo ou precisando se sentar, ele vai ignorar os costumes do nosso século, e se sentará em uma das pontas, colocando-se ao lado do nosso apostador arrojado que sentara-se na cadeira do meio inicialmente. E, se já não queríamos compartilhar o assento com um estranho com uma cadeira nos separando, o que dizer de sentar lado a lado com o desconhecido?