17.4.09

Para Longe de Nossas Janelas

A mulher já vivia ali havia muito tempo, na esquina da Rua Iraí com o Largo José Cavalini. Ela dormia no chão. Vivia do que encontrava nas sacolas de lixo que se espalhavam pelas ruas quando ela passava. Estava sempre sozinha, mas sempre conversando. Conversava consigo mesma, com sua consciência ou com alguém cuja existência só ela percebia.
As pessoas se incomodavam. Era realmente doloroso e amargo observá-la ali, sozinha, aparentemente abandonada. Especialmente em dias frios. Me machucavam o edredon e o chocolate quente dos quais me beneficiava enquanto a assistia se cobrir com caixas de papelão.
Me lembro de quando a levaram. Já haviam tentado antes, muitas vezes, com menos energia. Funcionários da prefeitura, de quando em vez, vinham e conversavam com ela. Da janela do meu apartamento eu não conseguia ouvir o que diziam, mas entendia que ela não queria ir pelas sacudidas de cabeça de um lado a outro, pelo olhar confuso e perdido e pelo nariz torcido dos funcionários da prefeitura. Mas um dia não houve conversa. Chegaram em uma van. Dois homens desceram e a agarraram. Ela se debateu, mas foi dominada rapidamente. Levaram-na.
Não sei para onde ela foi. Sei que foi contra sua vontade para tornar nossa vizinhança um lugar menos desagradável.
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Sexta-feira 13. Saio da reunião com o coordenador padecendo de uma dor de cabeça moral. Ao invés de reprovar um aluno cuja preguiça e indisciplina o impediram de desenvolver  domínio de sua língua nativa, me é sugerido (e aqui uso de um eufemismo) dar a esse mesmo aluno aulas particulares. O coordenador ainda ressalta a compensação financeira. Aulas particulares, a essa altura do ano, valem o peso do professor em ouro.
Além de não ter tido apoio algum de meu ilustríssimo superior, sou obrigado a engolir os meus princípios goela abaixo.
Parto da escola em direção ao bar. Vou me encontrar com o meu orientador do mestrado. Assim que finalizar o curso, penso, não terei mais que me sujeitar a humilhação como me foi imposta hoje.
No bar quero colocar toda a minha indignação para fora. A conversa é mais fluida banhada em cerveja e cachaça. Meu orientador é todo ouvidos e apoio. Terminamos a noite abraçados ao violão, cantando a revolução que promoveríamos no sistema educacional brasileiro.

Sábado 14. Acordo e me levanto imediatamente. Minha cabeça lateja. Meu reino por uma xícara de café forte e uma Neosaldina. Na porta da geladeira encontro a conta do celular. Exagerei de novo. Vou ligar para o meu aluno. Oferecer aulas particulares. Pagando bem, que mal tem? Começo a revolução no ano que vem, quando voltar da minhas férias na Europa.
Fraqueza

Se eu te vejo
E não posso parar
Se eu te beijo
E tomo seu ar
Se desejo
Sem hora ou lugar
Me perdoa

Se te atraio
Te atiço a loucura
Se eu saio
A ausência te cura

Se te quero
Paixão retraída
Se sou bom
Mas não pra sua vida
Me perdoa

Se não falo
Tudo que sinto
Se me escondo 
Às vezes minto
Covardia, medo
Razão, ainda é cedo
Me perdoa

Rasgado

Dentro do carro, longe de todos aqueles olhos, finalmente se beijaram. As roupas, obstáculos intransponíveis. Para os corpos. As almas se entrelaçavam. Os cheiros, os gostos, se misturavam.
Um barulho na rua a despertou. Seus olhos o miravam e ela dizia para ele ir embora. Ela não podia mais ficar. Sabia que ele também não aguentaria mais. Ele era fraco, muito fraco. Ele não tinha mais palavras. Percebeu de novo o vazio de ser racional, de pensar e fingir não sentir.
-- Eu te amo.
Fechou a porta do carro e a observou sumir no infinito. Tudo perdia o foco enquanto um sabor salgado deslizava devagarinho por entre seus lábios.

3.4.09

Explico

Me instiga e provoca
Alumbra
Real com gosto de sonho
Inevitável
Nada mais importa exceto
Agora

Encaixe perfeito
Fato
De físico, de alma
Raro
Será ilusão?
Desperta

Olhos só pra mim
Desejo
Tempo que perturba
Vontade
Basta um segundo
Enlevo

Te levo se me levar
Aceita!
Estou aqui mesmo
Disposto
Pro seu corpo, sua alma
Entregue