17.4.09

Para Longe de Nossas Janelas

A mulher já vivia ali havia muito tempo, na esquina da Rua Iraí com o Largo José Cavalini. Ela dormia no chão. Vivia do que encontrava nas sacolas de lixo que se espalhavam pelas ruas quando ela passava. Estava sempre sozinha, mas sempre conversando. Conversava consigo mesma, com sua consciência ou com alguém cuja existência só ela percebia.
As pessoas se incomodavam. Era realmente doloroso e amargo observá-la ali, sozinha, aparentemente abandonada. Especialmente em dias frios. Me machucavam o edredon e o chocolate quente dos quais me beneficiava enquanto a assistia se cobrir com caixas de papelão.
Me lembro de quando a levaram. Já haviam tentado antes, muitas vezes, com menos energia. Funcionários da prefeitura, de quando em vez, vinham e conversavam com ela. Da janela do meu apartamento eu não conseguia ouvir o que diziam, mas entendia que ela não queria ir pelas sacudidas de cabeça de um lado a outro, pelo olhar confuso e perdido e pelo nariz torcido dos funcionários da prefeitura. Mas um dia não houve conversa. Chegaram em uma van. Dois homens desceram e a agarraram. Ela se debateu, mas foi dominada rapidamente. Levaram-na.
Não sei para onde ela foi. Sei que foi contra sua vontade para tornar nossa vizinhança um lugar menos desagradável.

1 comment:

Anonymous said...

Belo!!! Tanto a sensiblidade quanto a habilidade com as palavras na leitura do cotdiano e a catarse necessária para que possamos sobreviver com mais leveza. Apesar dos arredores e cirucunstãncias, por vezes, tão pesados. Beijo grande.