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26.3.16

Tá de sacanagem, né?

Ainda ressabiado, incrédulo, testou a porta. Com mais barulho do que gostaria, percebeu que ela estava aberta.

"Já vim até aqui..."

Ao começar a deixar a luz do corredor penetrar no quarto, ouviu gemidos. Continuou abrindo a porta e uma faixa vertical de luz revelou duas mulheres se despindo aos beijos. Uma delas, Yasmim, a menina que tinha acabado de beijar.

De imediato, sua reação seria perguntar o que estava acontecendo. Mas achou mais interessante descobrir por si só. Sem dizer uma palavra, e fazendo o mínimo de barulho possível, entrou no quarto e fechou a porta.

O silêncio e a escuridão. Enquanto seus olhos se acostumavam, disse em voz suave para que elas continuassem. Alguns segundos mais de silêncio e podia ouvir a respiração das duas. Seus olhos começavam a se acostumar e, com a pouca luz que entrava através das cortinas, conseguia identificar Fernanda sendo cavalgada por Yasmim. Yasmim se movia delicadamente, mas como se tivesse um pau e estivesse comendo Fernanda, bem devagarinho. Uma deliciosa encenação. As duas olhavam para ele com cara de fome.

Escorou-se contra a parede às suas costas e deixou seu corpo escorregar até se sentar no chão. O quarto ia se tornando cada vez mais claro. E as duas mais à vontade.

Distinguiu um sorriso nos lábios de Fernanda enquanto ela o chamava:

"Vem..."

9.12.13

O Primo

Fazia muito tempo que eu não o via. Muito tempo mesmo. Uns 5 anos no mínimo. Eu ainda estava no ensino médio. Nós sempre tivemos uma ligação muito forte. Um carinho especial um pelo outro. Quando convivíamos mais, na época em que tanto ele quanto eu ainda morávamos com nossos pais, a gente vivia grudado. Na minha festa de 15 anos, dancei com ele antes de dançar com meu namorado. Foi até um acidente. Mas foi ótimo por que, eu não pensava nisso na época, ele estaria sempre na minha vida. Ele era da minha família. O engraçado é que o meu namorico acabou naquele ano mesmo. Na festa, na hora da valsa com o namorado, eu não consegui encontrar o menino, e meu primo tava ali rindo da minha cara. Peguei ele pela mão e puxei pro centro da pista. “Cala a boca e faz cara de apaixonado.” Ele fez cara de assustado. Embora eu fosse mais nova e menor que ele, eu batia muito nele.
Eu estava no computador, revezando entre o facebook e o livro na minha mão que eu precisava resumir. Aí ele apareceu. Falando que minha tia ia vir pra minha cidade e ele viria com ela. “Você me leva pra sair sábado?”
Meu namorado morava em outra cidade. Parece que meu primo sabia estar onde os meus namorados não estavam. Na mesma hora, já combinei com a menina com quem eu morava de fazermos alguma coisa no fim de semana.
Ele chegou no sábado na hora do almoço. Tivemos um tempo para colocar a fofoca em dia, por que a menina que morava comigo teria prova na segunda e queria dar uma estudada durante o dia para sair sem culpa à noite. 
Eu sempre achei ele bonito. A gente até era bem maduro por que eu sempre lembro de conversar com ele e falar pra ele que era lindo. E ele também falava pra mim. E a gente ficava numa boa, sem climinha, sem ciúmes. Ficava numa boa. A gente não ficava. Entendeu?
Quando eu vi ele descendo do táxi com minha tia, ele parecia outra pessoa. Ele exalava masculinidade, com a barba por fazer, os cabelos do peito se projetando por cima da gola da camisa. Minha tia me deu um beijo rápido. Ela viera para visitar uma amiga no hospital e não poderia almoçar com a gente, provavelmente dormiria no hospital. Eu e ele fomos direto pra um restaurante que eu gostava, perto da minha casa.
“E aí? Eu vi as fotos da sua namorada. Ela é muito bonita.” Ele deu um risinho arteiro. “Cê não sabe o que eu fiz? Eu peguei uma menina na semana passada.”
Na mesma hora foi como se o chão se abrisse embaixo dos meus pés. "Meu mundo caiu..." Eu fiquei horrorizada. Xinguei muito. Como ele podia ter feito aquilo? E ainda me contar com aquela cara lavada? Aquela cara de menino sapeca? Aquele sorriso maravilhoso com aqueles dentes perfeitos? Parece que isso era uma coisa que gerava um sentimento muito ambíguo dentro de mim. Desde pequeno ele conseguia me fazer gostar mais dele quando fazia alguma coisa errada e ria, como se aquilo não fosse nada. Eu nunca tinha percebido isso. Até agora. Falar em voz alta me fez perceber isso. É assim mesmo que isso funciona?
Eu nem lembro dos detalhes. Nem lembro o nome da namorada dele mais. Também, isso foi há tanto tempo. Mas eu me lembro de ficar puta com ele, decepcionada. Parecia que eu que tinha sido traída. Eu sempre colocava ele numa aura de perfeição, mesmo sabendo muito bem que ele não era perfeito. 
Tomei um gole do suco e fui ao banheiro. E foi ali que senti alguma coisa diferente, que eu não conseguia acessar na hora. Parecia que eu tinha recebido uma boa notícia. Me deu uma vontade de rir incontrolável. E eu ri muito e depois chorei um pouquinho, por não entender o que estava acontecendo, o que eu estava sentindo. Acho que foi isso. 
Voltei pra mesa e tentei ser racional. Falei pra ele que eu tava muito decepcionada, mas que eu não tinha nada a ver com aquilo. Terminamos de almoçar e fomos dar uma volta no parque.
Durante toda a tarde -- depois do parque fomos ao shopping -- eu ficava olhando pra ele, observando como ele se comportava. Quando passava alguma mulher bonita, a maneira que olhava. Era discreto e ao mesmo tempo firme. Era quase imperceptível pra quem não estivesse prestando muita atenção. Mas pra mim... Eu pensava que ele era um tarado. Será que ele sustenta toda essa azaração? Será que se alguma dessas mulheres der mole, ele pega também? Será que se eu olhar pra ele assim, ele vai querer me pegar? Será que ele olhava assim mesmo pra todas essas mulheres ou era eu que via aquilo? Minha cabeça tava completamente zonza. 
No momento que eu não tava mais aguentando, a menina que morava comigo apareceu. Ela me salvou e nunca soube. Quando ela chegou os dois começaram a conversar. Meu primo era excessivamente sociável e ela era daquelas pessoas que conversam sobre qualquer assunto. Tive tempo pra respirar. Fui no banheiro, dei uma volta. Recebi uma mensagem do meu namorado. Nem lembro o que dizia, mas não respondi. Aquela mensagem parecia vir de uma outra dimensão, para um outro destinatário, uma outra eu que não aquela eu daquela hora. Acho que é o Nietzsche que disse uma vez que o mesmo homem nunca entra no mesmo rio duas vezes. Se não foi ele, foi alguém tão importante quanto ele. Nunca gostei muito desses filósofos. Só gosto das coisas que eles escreveram. 
O fato é que eu me sentia como se tivesse ido dar uma voltinha fora do rio. Fiquei calada o resto do dia. De vez em quando eu reprimia ele pelas coisas que ele falava. Tudo que ele falava me dava margem a uma interpretação que me fazia me sentir no direito de julgá-lo. Climão. Climão pesado.
Mas à noite, tudo melhorou. O que não melhora com vodka? A gente saiu prum barzinho e depois foi dançar. E eu relaxei. Ninguém flertou com ninguém. Ficamos os três lá como se só a gente existisse na balada. Parecia que a gente tinha voltado a ser criança. A gente tava brincando na pista, zoando, rindo. Fomos embora muito depois das 4 da manhã.
Meu primo ia dormir na sala. Eu ia dormir no quarto da menina que morava comigo e a minha tia já estava dormindo no meu quarto. A menina dormiu muito rápido e começou a roncar. Eu não conseguia dormir. Tava muito quente, insuportável, mesmo com o ventilador ligado. Levantei pra beber água.
A cozinha tinha duas portas. Uma que dava para os quartos e outra que dava para a sala. 
Assim que eu entrei, ele também vinha da sala. Entramos exatamente no mesmo segundo. Ficamos ali um tempo. Um segundo, um minuto, meia hora, não sei. Mas teve um tempo em que o tempo parou. Ficamos nos olhando de longe, sem dizer nada. E, de repente, avançamos em direção um do outro. Ele me agarrou. Forte. Agressivo. Colocou as duas mãos dentro do meu short, apertando a minha bunda com força. Eu puxava ele pra mais perto. Queria sentir fisicamente a presença do corpo dele.
Foi só aquela noite. No chão da cozinha. Sem camisinha. Morri de medo de engravidar. Como se não bastasse os transtornos óbvios que uma gravidez naquelas condições geraria, ele era meu primo!
A gente voltou a se falar mais. Pelo facebook, por mensagem, pelo telefone também. Nunca sobre o que tinha acontecido no chão da cozinha. Durante alguns dias parei de criticá-lo por ter ficado com outra menina. Me sentia uma hipócrita. 

Mas é muito fácil esquecer a nossa própria hipocrisia.

Acho que meu tempo acabou, né?

Dedico esse texto ao fescenino Ruben Fonseca e ao transgressor da moral e dos bons costumes ditados pela família cristã brasileira Nelson Rodrigues. 

 Dedico também ao assassino da família mineira Lúcio Cardoso.
Eles me aliviam um pouco da culpa de escrever sobre temas tão condenáveis... Quem ficou de pipiu duro levanta a mão?
Dedico ainda ao Navarro por ser tão subversivo quanto eu (ou mais?) e por ter me apresentado o seriado In Treatment, no qual eu obviamente me inspirei para escrever esse texto.

29.8.11

Super Homem

Super-Homem: "Pra mim não dá mais!"

A janela de trás da mesa do presidente explodiu preenchendo a atmosfera do Salão Oval, por algumas frações de segundo, com uma nuvem de cacos de vidros. Os seguranças já estavam cercando o presidente e o encaminhavam para a porta quando todos, eles, o presidente, o vice, o secretário de defesa, finalmente perceberam a presença dele.
Estava bem ali, no centro do Salão Oval, em sua pose clássica, com as mãos na cintura, a capa esvoaçante, devido ao vento que agora entrava pela janela arrebentada, o penteado impecável como sempre, o imponente e inconfundível S no peitoral avantajado.
O presidente se desvencilhou dos seguranças e começou a esbravejar:
- Porra, Super-Homem! Que merda é essa?! Isso é jeito de entrar na minha sala?!
- Quem falou que a boca é sua? - sua voz era calma e ele fitava o presidente com olhos impassíveis.
Todos na sala, menos ele, sentiam um calafrio. Ele nunca havia feito ou falado nada assim. O presidente agora baixava o tom de voz.
- Pô, quê que tá acontecendo, cara?
- Todo mundo sentadinho. Os seguranças podem sair.
O vice-presidente quis protestar:
- Peraí, por que tirar os seguranças?
O secretário de defesa quis se desculpar. Precisava resolver umas coisinhas e tinha marcado de almoçar com a esposa.
- Agora, caralho! - exigiu o Super-Homem.
Mais que depressa, todos obedeceram. Os seguranças saíram quase correndo da sala, sem olhar pra trás. O presidente, sentou-se na poltrona, entre o secretário e o vice. E o Super-Homem sentou-se na cadeira do presidente, depois de, com um super sopro, retirar todos os cacos de vidro de cima da mesa, juntamente com tudo o mais que havia ali. Então começou:
- Os senhores sabem o que eu acabei de fazer?
Os três homens se entreolhavam.
- Era mais uma pergunta retórica mesmo. Eu acabei de matar o Lex Luthor. Matei ele e qualquer um que já tivesse dito bom-dia pra ele. É isso mesmo. Cansei dessa merda. Prende o cara, o cara é solto. Prende o cara, o cara volta. Vai se fuder! Ninguém aguenta mais essa merda. Matei o filho da puta. Posso garantir que ele não sofreu. Foi rápido e indolor. Dei um surdão nele, sabe? Sabe aquele tapa duplo que policial dá em neguinho? Com uma mão de cada lado da cabeça, pra estourar os tímpanos do infeliz? Pois é. A cabeça dele explodiu. Não sobrou nada.
O secretário de defesa tentava disfarçar, mas seus joelhos tremiam. Seu rosto tinha perdido todo o sangue. De repente, virou para o lado e vomitou. Os outros dois homens o olhavam com certa piedade e algum nojo. O Super-Homem o olhava com desprezo e perguntou ao presidente:
- É essa a qualidade de homem que você consegue para ser secretário da defesa do seu país? - virou-se para o secretário. - Aí, mané. Tu tá demitido. Pode ir embora. Vaza.
O homem se levantou e saiu de cabeça baixa.
- Continuando. Bom, se o Luthor e todo mundo que trabalhava para ele estão mortos. O que isso significa? Hein, seu vice? Presidente? Não? Não sabem? Vamo lá, galera!
- Um mundo melhor? - arriscou o vice, timidamente.
- É. Isso também. Certamente. Gosto da maneira como você pensa, vice. Mas não é bem isso que eu ia dizer. Significa que agora sim eu sou indestrutível. Ninguém mais tem acesso à kriptonita. Eu sei que cês tinham um estoque pequeno guardado numa base subterrânea no deserto de Mojave. Prestaram atenção ao tempo verbal? Tinham. É. Eu fiz uma obra lá digna de um empreiteiro. Arranquei a porra toda do chão e mandei pro espaço, pra bem longe do sistema solar. Tá certo que alguns de seus funcionários morreram. Mas, é assim mesmo, né? Eles tiveram que aguentar essa pelo time. Não dava pra arriscar entrar lá e pedir licença. Qualquer zé roela que pegasse um estilingue e uma pedrinha verde filha da puta daquela podia me matar. Tem charuto aqui?
O Super-Homem começou a abrir as gavetas da mesa do homem anteriormente conhecido como o mais poderoso do mundo, enquanto este tentava se manter impassível sentado no sofá ajeitando o nó da gravata.
- Ah, achei!
Usando sua visão de calor, acendeu três charutos Cohiba da caixa que encontrara. Deu um para cada um dos homens que restava no sofá e voltou a sentar-se na cadeira do presidente. Com os pés sobre a mesa, soltava grandes anéis de fumaça que se esvaneciam lentamente.
- Sempre quis fazer isso.
O presidente seguiu seu exemplo, colocando os pés sobre a mesinha de centro e cutucou o vice:
- Relaxa, cara. Se ele quisesse matar a gente, já teria feito.
- Isso, presidente. Isso mesmo.
Os três riram serenamente, como três velhos amigos que se encontravam conversando sobre reminescências.
- Mas, Super-Homem, então o que te traz aqui? - o vice arriscou.
- Bom, o lance é o seguinte. Não vou mais trabalhar pra vocês. Vocês é que vão trabalhar pra mim. Sabe, se os humanos, terráqueos não conseguem cuidar de si mesmos a ponto de colocarem em risco sua própria sobrevivência e a existência do planeta, isso significa que vocês não podem ter a responsabilidade de gerenciar o planeta por vocês. Eu pensei em ir à televisão dar as boas-novas. Dizer que agora o bicho ia pegar, que quem não andasse na linha ia ter que responder diretamente a mim, fosse quem fosse, gari, professor ou presidente, onde quer que estivesse, na China ou no Brasil. Mas não. Pensei melhor e vim aqui ter essa conversinha com você primeiro. - disse olhando para o presidente. - Posso te chamar de você, né? Eu quero que o senhor convoque uma reunião com os líderes das maiores e mais poderosas nações. Quero o chanceler alemão, quero o primeiro-ministro inglês. O Berlusconi, não. Esse filho da puta eu faço questão de trucidar com minhas próprias mãos. Vai servir de exemplo pros outros. Bom, voltando à reunião. Quero a galera do BRIC, os japoneses, os argentinos. Acho que por enquanto tá bom. Pode jogar mais alguém aí no bolo que você achar interessante. Convoca essa reunião em meu nome. Abre com os caras. Diz o que eu já fiz: com o Luthor, com a Kriptonita, aqui na sua sala... Pode falar que o secretário de defesa vomitou. Esse cara sempre foi muito arrogante. Merece essa humilhação pública. Semana que vem eu volto pra essa reunião. Alguma dúvida?
- Vamos discutir o quê exatamente?
- A gerência do mundo. Já falei com a galera lá da Liga da Justiça. O Batman vai cuidar das finanças. O cara sempre teve grana e sabe lidar com isso. Eu vou cuidar da paz, ou da guerra. Os humanos escolherão como vai ser. A Mulher-Maravilha é que vai ser a presidente do mundo mesmo. Essa coisa de mulher no comando tá na moda, né? O Lanterna-Verde vai cuidar do meio ambiente. O resto a gente vai debatendo juntos. Mas que fique uma coisa bem clara: acabou essa merda de humano batendo em humano, humano abusando de humano. Isso cês já podem adiantar pra galera lá.
Levantou-se e apagou o charuto com um sopro gelado. Deixou-o cair dentro do cesto de lixo.
- Se os senhores não têm mais nenhuma dúvida, eu vou indo nessa.
- Não, acho que tá tudo bem claro.
- Então, até semana que vem.

20.8.11

Cliente Especial

Cliente Especial

Era um dia calmo. Ela não sabia dizer quantos haviam passado por ali. Não contava e nem saberia estimar quantos. Mas sentia, sabia dizer quando era um dia calmo e quando não. Percebia pelo espaço de tempo entre um e outro que entravam no seu quarto, pelo trânsito nos corredores e, principalmente, pelo cheiro no ar. O cheiro mudava muito em dias de mais movimento. Ela não diria que o cheiro era pior: já havia se acostumado e era indiferente a ele. Mas percebia que ele se intensificava.
Um homem se aproximou:
- Quanto é?
- Trinta. - respondeu sem levantar os olhos do livro que lia.
Ela não precisava. Sabia exatamente como ele era. Não por fora. Ele poderia ser alto ou baixo, magro ou gordo. Por dentro, no entanto, todos eram iguais.
- Ok. Vamos. - disse homem com voz hesitante.
Fechou a porta encerrando-se com aquele joão ninguém em seu quarto. Colocou o livro sobre a cômoda e disse a ele que tirasse a roupa enquanto ela fazia o mesmo. Para ela, obviamente, era muito mais rápido já que vestia apenas um shortinho e um top, sem calcinha nem sutiã. Deu uma olhada para trás, enquanto abria o pacotinho com os dentes, e viu o homem se despindo enquanto olhava para ela como se visse uma miragem. Finalmente ele se deitou na cama. Ela veio por cima e levou menos tempo para terminar com ele do que ele precisou para se vestir outra vez. O homem pegou o dinheiro na carteira, entregou a ela e se foi.
- Obrigada.
Voltou a seu livro depois de se vestir novamente, mas antes mesmo que terminasse a primeira linha, sentiu que outro homem a observava à porta. Sua presença era diferente. Ele não disse nada. Apenas a olhava. Seus olhos pareciam atravessá-la ao meio. Antes que ela pudesse dizer alguma coisa, ele entrou no quarto também, empurrando-a para perto da cama. Ela não sabia o que estava acontecendo, não compreendia. Instintivamente foi até a cômoda para colocar o livro sobre o móvel, colocando-se de costas para ele. Tentava ganhar tempo. Tempo pra quê? O que exatamente estava acontecendo? Antes que pudesse fazê-lo, sentiu um aperto firme em seu braço esquerdo que a obrigava a dar meia volta e encará-lo novamente. O livro foi parar no chão. Ela teve ímpetos de gritar, mas antes disso, a outra mão do homem agarrava seu outro braço e o corpo dela era levado para junto do corpo dele. O beijo aconteceu como se não houvesse outro caminho, como se não houvesse outra alternativa. Não havia outra alternativa. Seus lábios já estavam sendo apertados contra os dele. Ele a segurava firmemente, porém sem a machucar. A língua do homem dentro de sua boca acariciava a sua, e corria para os lábios e voltava para a língua... A partir desse momento ela estava em transe. Sabia que, mesmo se tivesse vontade de lutar, ele a subjugaria. Ele era enorme. Ele poderia subjugar exércitos de mulheres como ela. De qualquer maneira, ela não sentia nenhuma vontade de lutar agora. Se deixou guiar por aquelas mãos grandes e fortes que a manipulavam como a uma bonequinha. Sua vontade era agora a vontade que ele quisesse. Caída na cama, já estava nua. Ele, ainda em pé, a observava enquanto também se despia. Ela também o observava e nem se lembrava de onde estava, ou por que estava ali. Não conseguiu absorver racionalmente o que aconteceu depois disso. Lembrou-se durante muito tempo do momento em que seus corpos se encaixaram, mas todo o resto era como um sonho daqueles de que nos lembramos apenas de trechos soltos. Lembrou-se de vê-lo abotoando a calça, colocando o dinheiro sobre a cômoda e dizendo:
- Eu volto.
Dessa vez ela não teve forças para agradecer. Adormeceu.

27.7.11

Vida de Entrega

Vida de Entrega

O bichinho foi pego indefeso pelo rabo e suspendido, apartado de seus irmãozinhos gêmeos. Somavam 25 ao todo. Não mais. Agora eram 24. E ele era apenas um. O primeiro deles condenado à morte, ainda que uma morte incerta. Não que sua vida fosse muito excitante: passava, e passara, todos os dias de sua vida em um recipiente de plástico branco, forrado com serragem, que mal continha ele e seus 24 irmãos. Era bem verdade que não podia reclamar de falta de recursos: havia sempre água fresca e comida mais que suficiente para toda a família, ainda que a água tivesse que ser acessada por um de cada vez. A água era trazida por um tubo metálico que penetrava o recipiente que tinham por lar. Além de recursos, ainda que o espaço fosse pouco, era possível se exercitar. Em realidade, era necessário certo exercício para se alimentar e para ter acesso à água. Os pequenos se agarravam à grade que encerrava a parte de cima de sua residência. Os mais habilidosos (e ousados!) usavam apenas as patinhas dianteiras para tal. Observá-los se alimentarem era como um número do Cirque du Soleil em miniatura. Mas para ele, tudo se encerrava ali. Sentia a pele de suas costas e seu rabo presos de maneira que não podia fazer nada, a não ser emitir seus guinchinhos desesperados. A agulha, de espessura muito maior que qualquer um de seus dentes, penetrou a pele de seu abdome e peritôneo, infundindo em seu pequeno corpinho algo que ele agradecia não saber o que era. Em seguida, ele foi colocado em um recipiente menor, porém muito parecido com aquele no qual vivera até aquele dia. Água e comida lhe era ofertada da mesma maneira. Só que agora com exclusividade. Mas não tinha fome, nem sede. Sentia apenas medo. O que aconteceria em seguida? Sentiria dor? Ou simplesmente morreria em seu sono, com tranquilidade? Era impossível prever. E revisitar as histórias que ouvira durante toda sua vida só o torturava mais. Resolveu tentar se acalmar e dormir um pouco. Não restava mais nada a fazer além de esperar. Tudo pela ciência.

26.5.11

Sapatos



Tudo em sua vida parecia mais fácil. A sensação de relaxamento era indescritível. Todo seu corpo parecia sorrir e se soltar, se derreter e se esparramar naquele assento vermelho. Tudo isso graças ao simples fato de ter tirado os sapatos. Não, não era a postura mais ortodoxa a se tomar para assistir uma palestra. Mas ele não resistira. Havia passado todo o dia calçado, vestido, devidamente paramentado para exercer cada uma de suas funções, sentado ou caminhando de um lado para o outro. E seus sapatos não eram desconfortáveis. Ele até gostava de calçá-los pela manhã. Tinha mesmo certa alegria de calçá-los. Se sentia charmoso, bem cuidado, até querido calçando aqueles sapatos. Mas no final do dia, invariavelmente, queria se livrar deles o quanto antes. Chegava a pensar em arremessá-los pela janela da sala quando entrava em casa. Lembrava-se que quando criança não entendia sua mãe chegando em casa e dizendo que os sapatos a estavam "matando." Por que então ela os calçava todos os dias? Seu pai era ainda mais engraçado. Chegava em casa, sentava-se no sofá e tirava os sapatos com um suspiro delicioso. Seu pai demonstrava tanto prazer em tirar os sapatos que sua versão menino fazia de tudo para estar por perto nessas ocasiões. Ainda muito criança tinha propensões a ser filósofo e pensava, tentava entender, se era tão bom no fim do dia tirar os sapatos, as pessoas deveriam procurar sapatos mais desconfortáveis para usar durante o dia. Segundo sua lógica, dessa maneira, o prazer seria ainda maior ao descalçá-los. Já homem feito, a idéia ainda não lhe parecia de todo absurdo, embora jamais tivesse procurado sapatos desconfortáveis. Agora, sentado na poltrona vermelha, não se importava com os olhares reprovadores, ou apenas curiosos, mirando seus pés cobertos somente por meias. Sorria e saboreava a sensação de liberdade.

13.2.11

Loteria

O Bilhete de Loteria

Entrou no avião em meio à massa que ia se acumulando nas poltronas. Aquele movimento de caminhar um pouquinho e esperar um pouquinho com a impaciência estampada na cara, como se todos os outros passageiros fossem culpados por voar naquele dia com ele. Era assim mesmo que se sentia quando entrava em um ônibus ou avião. Queria que todos desaparecessem. Não queria ter o ônibus ou o avião só pra ele. Não, não era esse o caso. Se dava mais do que por satisfeito com sua poltrona. Sempre escolhia o corredor, para caso precisasse ir ao banheiro, fazê-lo esbarrando na menor quantidade de gente possível, o número ideal sendo zero. Bom, mas o caso não era ter mais poltronas para si. Nem mesmo mais espaço nas poltronas, embora, como todos que utilizavam meios de transporte coletivo, percebia que os assentos cada vez mais iam diminuindo. Ainda assim, não precisava de mais espaço em seu assento. Mas o incomodava enormemente esperar que os outros passageiros se acomodassem. Aquele andar lento de quem procura o assento, conferindo por sob os óculos de míope o número de cada poltrona até encontrar a sua. E depois a bagagem de mão. Momentos intermináveis de espera atrás daquela senhora que não percebe que o volume de sua bolsa é muito maior do que comportam os bagageiros. Muitas bufadas depois, chegava finalmente a seu assento. Um oásis de paz. Na verdade, nem sempre. Ele, como já mencionado, se dava mais do que por satisfeito com sua poltrona. Mas ter que ceder espaço de seu assento, milímetros que fossem, era ainda pior do que esperar a onda lenta de entrada no avião ou no ônibus. E daí sua ira ao viajar ao lado de gordos. Odiava os gordos. Odiava o suor mais abundante, talvez proveniente da força extra que precisavam empregar para carregar aquele peso extra. Odiava o “com licença” dos obesos que nunca conseguiam passar por outras pessoas sem tocá-las com a pança. E odiava, acima de tudo, a maneira amorfa como os gordos transbordavam em seus assentos. Era incrível como tinha azar! Parecia que sempre viajava ao lado de um gordo. E sempre um gordo, nunca uma gorda. Sempre um gordo, pouco asseado.
Desta vez não foi diferente. Teve uns 5 minutos de paz e tranqüilidade, quando um senhor já de idade, com os cabelos inconfundivelmente pintados, penteados para trás, vestindo um terno cinza e suando como se tivesse acabado de correr uma maratona pediu o famigerado “com licença”. Era humanamente impossível permitir que o senhor, certamente um devorador de toucinho, se sentasse, sem que o irritado viajante tivesse de se levantar. Isso era justo? Claro que não. Se sentia punido por ter acordado mais cedo, por ter se preparado melhor do que o gordo de cabelo pintado, por ter sempre se cuidado, ter estado atento à alimentação e por ter sempre procurado manter-se em forma com exercícios regulares. Isso não era justo. Levantou-se sem olhar na direção do gordo que continuava pedindo licença e agora acrescentava um perdão para cada centímetro que vencia com sua banha.
Finalmente voltou a se sentar. Percebeu logo que não poderia usar o apoio de braço do lado direito. Era impossível para o gordo de terno manter seu corpanzil dentro do espaço de seu assento. O gordo o cumprimentou e se apresentou. Ele apenas acenou com a cabeça. Puxou logo uma revista que havia no bolso da poltrona da frente, como quem diz: “Não estou para conversa. Em especial, com o senhor, que roubou a chance de que eu tivesse uma viagem tranqüila.” Mas o gordo não parecia ter entendido a mensagem. Pediu desculpas mais uma vez por tê-lo feito se levantar. Explicava que atrasara um pouquinho pois tinha feito uma paradinha na lotérica para fazer uma fezinha. O gordo ria de sua própria história, enquanto o viajante irritado continuava com a cara na revista, embora não conseguisse se concentrar o suficiente para ler uma linha sequer do artigo que tinha diante de seus olhos. Isso sempre acontecia: se alguém falasse algo que não o interessava, era inútil tentar se concentrar em algo mais. Ele até havia batizado o fenômeno: paradoxo da atenção. E o gordo continuava falando e sorrindo.
- Eu nem sei pra quê fiz essa aposta. Mas, sabe como é, no final do ano, todo mundo gosta de fazer uma fezinha, né? Acho que fica mais fácil de conversar com as pessoas quando procuramos cultivar certos hábitos comuns a muitas delas. E eu gosto muito de conversar. Você também fez uma aposta?
- Não.
- Pois é. Eu fiz. – enfiou a mão no bolso de dentro do paletó, não sem dificuldade, e sacou o bilhete. – E tenho certeza de que daqui sai alguma coisa. – brandia o bilhete orgulhoso, como se fosse um troféu.
O gordo continuou a falar e suar e o viajante irritado desistiu de fingir que lia. Devolveu a revista ao seu lugar de origem e se apoiou no braço da cadeira que havia sobrado. Testou a firmeza do assento e finalmente apoiou o queixo sobre a mão esquerda, enquanto olhava para o gordo à sua direita, sem a menor pretensão de parecer simpático ao que o homem rotundo falava.
O homem dizia que não tinha filhos ou sobrinhos. Era filho único. Os pais, obviamente, já haviam falecido havia muitos anos. Dedicara sua vida aos negócios e nunca havia se casado, embora afirmasse ter tido várias amantes. Dizia que os grandes prazeres de sua vida eram, nessa ordem, o trabalho, a comida e as mulheres. Gostava muito de cozinhar para suas amantes, embora soubesse que o que as atraíam mesmo era seu dinheiro.
Parou de falar de repente. Olhava para o bilhete com um ar melancólico.
- Mas o que vou fazer com esse dinheiro se eu ganhar? Não, Deus permita que alguém que precise mais do que eu ganhe.
O viajante irritado teve que se desculpar e se levantar. Ver aquele homem obeso pronunciar aquela frase fez com que ele tivesse vontade de vomitar. Foi ao banheiro.
No lavatório apertado, lavou o rosto. Quanto retornava a seu assento, as comissárias de bordo serviam o lanche. Isso fez com que ele tivesse que esperar até que o carrinho ultrapassasse a altura de sua poltrona para voltar a se sentar. Tentou ainda argumentar com uma das comissárias, ao que ela respondeu:
- O senhor quer que eu faça o quê?
Companhias aéreas populares. Qualquer um pode voar e ser tratado como lixo, pensou. Ficou lá de braços cruzados e cara feia para todos os outros passageiros que iam recebendo sua barrinha de cereal e seu copinho de guaraná com duas pedrinhas de gelo.
Quando finalmente chegou a seu assento, percebeu que o gordo dormia profundamente. A cabeça pendia para a frente e a ponta da língua escapulia pela boca entreaberta. O bilhete parecia querer cair da mão do homem a qualquer momento. Ele tentava se decidir se devia acordar o homem ou não. Se o bilhete caísse, seu imenso corpo jamais permitiria que ele o alcançasse no chão. E seria uma situação muito constrangedora para qualquer um ter que pedir para alguém alcançar um pertence seu a seus pés por que sua pança o impedia de fazê-lo. O bilhete finalmente, e caprichosamente, escorregou pelas pontas dos dedos do gordo inconsciente. Indo parar bem à frente do viajante irritado. Ele se inclinou para frente para alcançá-lo, quando ouviu a campainha que indicava que os avisos de apertar os cintos tinham se iluminado. Uma comissária que passava, pediu que ele se colocasse ereto na poltrona. Achou engraçado ouvir a moça dizendo a palavra ereto, mas apenas mostrou o bilhete que havia apanhado e obedeceu.
Decidiu que deveria acordar o gordo para devolver o bilhete resgatado. O avião iniciava o pouso. Cutucou uma, duas, três vezes. Chamou, empurrou e nada. O homem não se movia. O avião finalmente parou e ele desatou o cinto. Precisava devolver o bilhete ao homem antes de sair do avião. Enquanto tentava, sem sucesso, despertá-lo, percebia que uma fila ia se formando. Aquilo já era demais. Passou a falar cada vez mais alto enquanto empurrava o gordo contra o terceiro passageiro da fileira, até agora não mencionado na história, quando este sugeriu: talvez o gordo estivesse morto. Sentiu um frio correr toda sua espinha.
- Como podemos ter certeza?
- Tomamos o pulso.
Cada um pegou um dos braços do gordo.
- Nada.
- Aqui também nada.
- Será que estamos fazendo certo?
- Vamos chamar uma comissária.
Mas antes que o fizessem, outro passageiro, que se aproximava lentamente ao sabor do ritmo da fila, vindo do fundo do avião, ouvira a conversa e se apresentou:
- Com licença. Sou médico.
Tomou o pulso do gordo e o segurou por alguns segundos, que para o viajante irritado pareceram séculos. Ele não se conteve:
- E então?
- Não tem pulso. Preciso me aproximar. O senhor, por favor, se levante.
O médico agora mexia com todo o corpo do homem, primeiro chegou seu ouvido junto à boca do gordo, depois abria os olhos do homem e como uma pequena lanterna tentava os estimular. De um golpe, e com a ajuda do terceiro passageiro tirou o gordo do assento e milagrosamente encaixou o enorme corpo entre as duas fileiras de cadeiras. Parecia tentar ressuscitá-lo, massageando seu peito e soprando em sua boca.
O passageiro irritado olhava e não conseguia enxergar nada. Como, em alguns instantes, um homem que conversava e ria parecia se esvanecer para sempre diante de seus olhos?
O médico finalmente interrompeu sua manobra. Se levantou de cima do corpo do gordo. Suava muito e estava ofegante.
- O senhor é parente?
O viajante irritado demorou um pouco para responder. Parecia não conseguir absorver o que acontecia à sua volta.
- Hein? Não. Acabei de conhecê-lo.
- Então, pode ir.
Como assim, pode ir? Um homem acabava de morrer e era isso que aquele médico de açougue dizia: pode ir? Mas o viajante estava tão chocado, tão surpreso - não só com o fato que acabava de presenciar, mas também com o como aquilo o afetava em níveis que ele jamais imaginara -, que não teve outra reação a não ser se afastar lentamente do corpo. Ia saindo devagar, embora, o avião a essa altura já estivesse vazio, enquanto as comissárias, piloto e co-piloto agora bombardeavam o médico com perguntas. O terceiro passageiro também saía do avião. Mas não parecia afetado por nada daquilo. Simplesmente saiu, conferindo as horas no relógio de pulso e acelerando o passo rumo ao portão de desembarque.
O viajante irritado parou junto à primeira parede que encontrou e se encostou. Achou por um momento que fosse perder a força das pernas. Dois homens passaram por ele correndo, carregando uma maca, em direção ao avião. Foi quando se tocou de que ainda segurava o bilhete do gordo. Lembrou-se de tudo o que gordo dissera, sobre não ter família, não ter herdeiros. Tentava se convencer de que não havia nada de errado em ficar com o bilhete. Além disso, quem poderia saber se aquele bilhete seria mesmo premiado? Guardou-o no bolso da calça. Olhou pra trás mais uma vez. Viu ainda os dois homens tirando, com muito esforço, o corpo do gordo na maca de dentro do avião. Queria dizer alguma coisa, uma despedida talvez, agradecer por alguma coisa que não sabia o quê, encomendar a alma do pobre homem a Deus. Mas não era religioso e nunca fora bom com as palavras. Enquanto aquele cortejo formado pelo médico e pela tripulação passava por ele, fez, de maneira bem discreta, quase imperceptível, o sinal da cruz. E seguiu atrás do cortejo até o ponto em que viu a placa indicando o portão de desembarque. Deu uma última olhada para trás, respirou fundo e foi reclamar sua bagagem.


7.2.11

Metrossexual

Metrossexualidade Imposta

Deitado, depois do almoço, pensava e tentava se decidir: vejo um filme, leio um livro... nada. Deixou aquela preguiça gostosa do período absortivo tomar conta da carcaça e foi perdendo a consciência devagarinho. Ela estava por ali, mexendo em alguma coisa, com os óculos que odiava e, por isso, só usava em momentos de grande intimidade, como aquele.
Ele sentiu, quase sem entender, no meio daquela obnubilação da siesta, que ela se aproximava. Sentiu que ela se deitava sobre seu corpo, bem lentamente, sem fazer barulho. Talvez ela quisesse se sentir próxima a ele, talvez quisesse sentir mais uma vez o calor do corpo dele, talvez simplesmente quisesse participar daquele cochilinho nos braços dele, talvez ela quisesse que o cochilinho se transformasse em outra coisa... Mas ele nem se deu ao trabalho de abrir os olhos, tamanha era a preguiça e embora sua mente já sorrisse. Ele podia sentir o cheiro do corpo dela, ouvir a respiração lenta e bem ritmada.
- Você já pensou em tirar esse fiozinhos entre as duas sobrancelhas?
Acordou de um susto!
- Hein? Nem vem. Sai pra lá.
Tentou esquivar, tentou se levantar, mas já era tarde demais. Ela estava deitada inteira sobre o corpo dele e já tinha nas mãos a maldita pinça. Ele lutava, sem muito jeito, jamais teria coragem de reagir fisicamente a qualquer coisa que ela fizesse.
- Você vai ficar mais lindo. Todo mundo faz isso hoje em dia, sabia?
E ele choramingava e se debatia enquanto ela continuava argumentando e puxando aqueles pelinhos que ele próprio jamais percebera a existência. Ele dizia que era homem e que homens não faziam a sobrancelha.
- Ai, que troglodita você! A sua masculinidade não está nesses pelinhos não, viu? Agora fica quietinho que eu tô quase terminando.
Ele continuou choramingando e ela argumentando, carinhosa, porém firme.
- Pronto! Ficou lindo! Quer que eu pegue o espelho pra você ver?
Ela correu até o banheiro. Ele permaneceu na cama, encolhido, com as pernas abraçadas por seus próprios braços, os olhos arregalados. Sabia que jamais sua vida voltaria a ser a mesma.

14.12.10

Linha Cruzada

Linha Cruzada

Linha 1
Os dois iriam estudar. Era esse o plano mesmo. Não era nenhum tipo de pretexto. Sentaram-se no chão da sala com livros e cadernos espalhados ao redor. O ventilador ronronando no fundo.Os pais dela terminavam os últimos preparativos para partir. Passariam o fim de semana fora. Finalmente terminaram de colocar as malas no carro e vieram se despedir da filha querida: tranque as portas, alimente-se direito, mantenha seu celular carregado, beijo, fica com Deus. O pai dela ainda hesitou à porta. Mas a mãe o tranquilizou. Sua filha e o colega eram apenas amigos e gostavam de estudar juntos. E se foram.
A menina e o menino se entreolharam. Estavam completamente sós. Ela pediu a ele que buscasse o colchão da cama dela. Seu bumbum começava a ficar dolorido. Ele obedeceu com um sorriso mal disfarçado no canto da boca. Sentavam-se agora no colchão. Ele perguntou se ela conseguia estudar com música e ela disse sim. De repente a voz rouca do vocalista do Maná surgia dos alto-falantes do laptop. Ele sentou-se mais perto dela e ela colocou a mão sobre a perna dele. A proximidade permitia aos dois perceberem os cheiros. Os risos começaram a ficar mais frequentes e em pouco tempo estavam se beijando. Os cadernos já estavam longe do colchão e a música os embalava.
Estavam completamente sós. O mundo fora do apartamento, fora daquela sala, não tinha a menor relevância. Eram livres.
A música continuava mansinho e eles agora simplesmente se abraçavam. Curtiam a preguiça nos braços um do outro. De repente, batidas na porta. Eram batidas leves, mas alguém tinha batido. Os dois se levantaram depressa. Quem poderia ser? O som estava baixo demais para ser um vizinho reclamão. Enquanto se decidiam entre olhar ou não olhar, mais batidas na porta. Ele desligou a música e chegou perto da porta. Via sombras que o permitiam entender que havia alguém em pé do lado de fora do apartamento. Com o dedo sobre a boca pediu silêncio a ela. Viu os pés de sombra se afastarem.
Agora os dois conversavam entre sussurros agitados. Quem poderia ser? Será que era o pai dela? Seria mesmo um vizinho?

Linha 2
Aquela noite seria perfeita. Ele conferia se tinha tudo: cerveja gelada no isopor, camisinhas. Estava tudo certo. Chegou rápido ao prédio. Ela tinha deixado a chave da portaria com ele. O combinado seria ele subir e bater de leve na porta. E tudo corria bem até que ele percebeu que não lembrava o andar. Era o terceiro ou o quarto? Subiu hesitante. Ia olhando as portas dos apartamentos pelos quais passava: eram inexplicavelmente idênticas. Chegou ao terceiro andar e hesitou. Seria o quarto andar? Lembrava-se que havia ficado bastante cansado da última vez. Deveria ser o quarto. Subiu o último lance de escadas e chegou-se junto à porta da direita. Isso ele lembrava, era a porta da direita. E se for o terceiro? E se eu bater na porta errada a essa hora da noite? Já passavam das 11! Chegou-se mais perto da porta e ficou mais tranquilo. Podia ouvir baixinho uma música do Maná. Era ela. Só podia ser ela! Bateu bem de leve na porta e esperou. Nada. Talvez ela não tenha ouvido. Bateu mais uma vez. O som foi desligado. Não havia mais música. Retirou-se na ponta dos pés. Só podia ser o apartamento errado. Nesse momento, ela surgia subindo as escadas cautelosa. Gesticulava em silêncio para que ele a seguisse. Os dois desceram as escadas, segurando o riso, até o terceiro andar.

4.12.10

Fim do Dia



Acordou cedo e se olhou no espelho. Era cedo. Mas não tanto quanto ele planejara. Ainda de pijama, foi até a cozinha e colocou água para ferver. Era muito mais água do que ele precisaria. Sempre fazia isso. Assim, teria mais tempo para trocar de roupa. De volta ao quarto, as portas do guarda-roupa já o esperavam abertas. Olhava de um lado para o outro, o monte de roupa da última passada ainda sob o velho baú no pé da cama. Era mais sensato não pegar nenhuma daquelas peças, ou elas seriam usadas mais vezes do que as que ainda estavam no guarda-roupa. Pegou qualquer coisa dentre as poucas peças que acabava sempre repetindo e retornou a cozinha para terminar de coar o café. Tomou uma xícara, acompanhada de um pão com manteiga, em pé, apoiado à pia. Estou atrasado, pensou, escovo os dentes quando chegar no escritório.

"Ele chegou não faz 5 minutos e já foi ao banheiro. Não entendo por que sempre faz isso. E sempre leva a mochila com ele. Já pensei que talvez ele escove os dentes. Mas não faz sentido. Ele entra e não come nada. Eu já vi também que ele não come por aqui por perto. Provavelmente come em casa ou não come nada. Então, não faz sentido chegar e ir para o banheiro. Todos os dias! E por que leva a mochila? O que carrega nela além do computador? Como eu queria saber!
Ah, lá vem ele de volta. A mesma cara sem expressão. Diz bom dia, mas é como se não dissesse nada."

"Ele passa a manhã em sua sala. Às vezes sai de lá e vai ao banheiro (mas sem a mochila) ou toma um café. Às vezes conversa com alguém. Já reparei que conversa muito mais com homens do que com mulheres. É isso mesmo! Acho que ele praticamente só cumprimenta as mulheres. Conversar mesmo, só com homens. Teve uma época que eu pensava que ele era gay. Mas o fato de conversar só com homens é pouco perto das secadas que eu já vi ele dando nas meninas do escritório. Parece que tem hora que ele esquece que está em público e se perde. Tem um olhar de tarado estranho. Dá a impressão que ele tá com raiva. Uma mistura de raiva e tesão. Uma coisa meio bicho, meio homem das cavernas. Confesso que isso até me excita um pouquinho. Mas é só no mundo das idéias. O conjunto da obra me espanta, me afugenta! Percebo também que ele, nas conversas com os outros caras, nunca parece relaxado, nunca parece feliz. Olha para os outros caras enquanto eles falam com a mesma cara sem expressão com que me dá bom dia. De vez em quando solta um 'an-ram'. Muito raramente diz um frase. E são frases pontuais, como que pra colocar fim na conversa. Escutei poucas vezes, mas pelo gestual, parece sempre ocorrer a mesma coisa. Ele tá saindo pra almoçar. Hoje ele vai comer hamburger. Sei disso por que é sexta-feira.
Já o segui algumas vezes. Sou muito curiosa. Admito. Às sextas ele vai sempre numa lanchonete aqui perto e pede um X-tudo. (Eu gosto de tomar um suco de laranja que vendem na padaria em frente.) Deve ser a maneira que ele encontrou de celebrar a sexta-feira. Ele também sempre pede uma cerveja. Senta lá no fundo, de costas para a porta de entrada, olhando para a parede. Come devagar e saboreia a cerveja. Também fuma um cigarro, enquanto caminha de volta para o escritório. Mas só às sextas. Ele nem tem cheiro de cigarro. As meninas do escritório até hoje não acreditam em mim. Pensam que eu confundi ele com outra pessoa. Onde já se viu alguém fumar só em um dia da semana?"

Conseguia até sentir certo prazer no cigarro. Mas sabia dos danos que poderia causar. E ele precisava viver muitos anos para recompensar a família por tê-lo sustentado durante os primeiros 25 anos de sua vida. Então, fumava só um cigarro por semana. Nunca ouvira falar, nunca lera nada a respeito de alguém que tivesse morrido de câncer fumando um único cigarro por semana. Na verdade, ele nunca ouvira falar de ninguém além de si próprio que fumasse um único cigarro por semana.
Ele percebeu que a recepcionista estava por perto. A menina tomava um suco do outro lado da rua. Ele podia reconhecê-la facilmente de onde estava, embaixo daquela árvore, apoiado em seu tronco. Ela não era linda, mas também estava longe de ser feia. E tinha um certo charme no andar que atraía sua atenção. Queria esperar a moça terminar para seguí-la até o escritório. Mas a puta não terminava a merda do suco! Queria seguí-la para acompanhar a distância o rebolado que ela tinha quando caminhava. Quem sabe um dia ele a chamasse para sair. Seria bom se tivesse mais amigos. Uma festa seria uma oportunidade ideal para um convite desses. Mas seus únicos amigos eram seu irmão, que morava no Canadá e com quem se comunicava exclusivamente via email, e um colega de faculdade que mudara para o Rio. No mais, era só. Então, não havia uma oportunidade interessante de convite. Assim era melhor, por que ele sabia como tudo acabava.
Fim de dia, fim de namoro, fim de fim de semana. Aquela coisa que aperta o peito. Foi bom enquanto durou, ou não, mas tudo voltava à estaca zero no final. A segunda sempre vinha, o dia seguinte, a ressaca...
Desistiu de esperar. Apagou o cigarro na sola do pé e voltou para o escritório. Tinha mais o que fazer.

23.4.10

Insônia

Deito na cama, no escuro. Que paz! Por que não dura?
Rapidamente meus olhos se acostumam e a escuridão agora é claridade que fere meus olhos. Meu corpo, esse sim, não se acostuma. A cama me irrita a pele, a colcha me esfola vivo. Eu me coço, me esfrego contra o lençol. Giro para um lado e vejo a parede me encarando, branca, vazia, sem nada pra dizer. Do outro lado, a porta, que mantenho fechada. Não quero que ninguém me veja assim, sem controle, sem máscara, sem armadura.
Penso em olhar as horas. Sei que não adianta nada. Muito pelo contrário. Saber que horas são provavelmente só vai me deixar mais estressado. Começo a calcular quantas horas dormi na noite passada, na noite retrasada, na última semana... Pra eu olhar as horas, vou ter que abrir o flip do celular e inundar o quarto com aquela luz laranja: mais uma agressão. Meu coração vai disparar e aí então é que eu vou demorar a dormir mesmo.
O ventilador faz aquele ruído incessante. Vou desligar essa merda! Mas pra isso, preciso me levantar. E eu sei que se sair da cama, vou ter taquicardia, meu corpo vai se inundar em adrenalina... já sei como isso acaba: não acaba.
Me levanto e desligo o maldito ventilador. O silêncio agora é quem me incomoda. Meus ouvidos começam a ser comprimidos, estou a 30 metros de profundidade... preciso respirar.
Amanhã tenho que levantar cedo. Muito cedo. Eu devia contar carneirinhos... as horas? Que horas serão agora?
00:34
Que merda! Olhei as horas. Meu olho tá ardendo por causa da luz. Meu coração parece que vai sair pela boca. A coceira volta pelo corpo inteiro. Já arremecei cobertor e lençol para longe. Agora vão os travesseiros e, na sequência, minha bermuda e minha cueca. É insuportável.
Já tem mais de uma hora que eu deitei, com a luz apagada. Estou mergulhado no mais absoluto silêncio. A cama é praticamente um palácio. Quase dois metros de largura só pra eu me esparramar. E eu me sinto completamente desconfortável.
Amanhã tenho que levantar muito cedo. Fecho os olhos, mas não há cola nas minhas pálpebras. Tento ficar bem quieto, bem imóvel. Mantenho os olhos fechados por um longo tempo, mas logo tenho que me mover. Agora são os meus joelhos... tenho a sensação de que vão estalar e os movo. Mas não acontece nada. Tenho a impressão de que a parte de baixo de minhas pernas, a batata, os pés, os tornozelos, não servem pra nada. Simplesmente estão lá para forçar mais os joelhos.
Meus olhos estão secos, como se eu estivesse na frente do computador há horas.
Que horas serão agora?
02:32
Estou cansado. Já não resisto mais. Faça comigo o que quiser. Vou aceitar. Só me deixe dormir. Só por uns minutos...

17.3.10

Proposta

Eles se conheciam a menos de uma semana. Tá certo que se falaram todos os dias desde então, mas agora ele a convidava para passar a noite juntos em um hotel?
A cabeça dela girava. Ela queria ir, queria muito. Mas tinha medo, receio, sei lá. Aquilo era certo? Como ela poderia ter certeza de que ele não era um psicopata, um louco? Ou pior, e se ele fosse chato? E se eles se beijassem, lá pelas tantas, e não rolasse química?
O problema é que ele propunha aquilo com uma naturalidade desconcertante. Como se dissesse assim: escuta, vamos dar um pulinho ali na padaria comigo pra eu te comprar um Sonho de Valsa? Ele argumentava que só queria ter privacidade com ela, poder conversar sem ter hora pra parar.
E ela queria dizer sim. Queria demais dizer sim! Só o despeito, a coragem, ou a cara-de-pau que ele teve em propor aquilo já a deixava curiosa demais.
Mas ela resistiu. Por algumas horas. E só topou por que ele aceitou suas condições.
"Quando eu falar que quero ir embora não é nem pra você tentar me convencer a ficar, ouviu bem?"
"Se! Se você falar. Você não pode ter certeza que vai querer ir embora sem nem ter ido ainda."
Ela enfim topou.
Ele saiu do trabalho e passou na casa dela. Ele estava muito limpinho e cheiroso, considerando que tivera um dia cheio.
Ela estava linda. Não. Ela simplesmente ERA linda. Não precisava de exageros: calça jeans, top preto e All Star. Só pra garantir, tinha decidido estrear um conjunto de lingerie novo.
Quando ela entrou no carro e ele a abraçou, sentiu como se já o conhecesse há muito tempo. Mesmo assim foi firme consigo mesma: não dou pra ele hoje de jeito nenhum!
No trajeto até o hotel conversaram sobre o dia. Pareciam mesmo um casal de namorados. Aquela uma semana de convivência virtual dera a eles uma intimidade não comum pro pouco tempo que se conheciam.
Já se riam um das questões do outro, por que as questões de um e de outro já eram como se fossem dos dois.
O hotel era simples. Nada demais. Mas também não era feio ou sujo. Era até bem bonito. Tinha até piscina, que eles só viram da janela do quarto.
No quarto, ele perguntou se ela estava com fome.
"Eu já jantei."
Ele abriu um salgadinho que estava em cima do frigobar. Enquanto mastigava estralado a batatinha, tirava o laptop da mochila.
"Vou por uma música pra gente. Eu trouxe um jogo de tabuleiro aqui. Quer jogar?"
Era um jogo de palavras cruzadas. Ela ficou meio sem entender o que ele pretendia com aquilo. E que coisa mais entediante! Por que ele não trouxe Banco Imobiliário ou War? Mas achou que seria indelicado não topar o joguinho.
Ele explicou as regras e a música começou a vir, baixinha, suave, do laptop. Era Seu Jorge cantando e tocando sozinho. Ela não conhecia aquele cd.
"Que cd é esse?"
"É da trilha de um filme. Mas não é um filme muito famoso. São músicas do David Bowie traduzidas pro português."
"Bacana."
O jogo até que não era assim tão mau. E proporcionava boas risadas quando eles tentavam inventar palavras. Iam conversando e se conhecendo mais. Ele falava de seu trabalho, das coisas que já tinha vivido. Ela contava das aventuras de final de semana, da saudade que tinha do irmão que morava longe.
Lá pelas tantas, ela percebeu que, embora ainda faltasse bastante para o fim do jogo, seria impossível vencê-lo. Começou a ameaçar rasgar o tabuleiro caso perdesse. Ela falava sério. Odiava perder. Mas ele ria e achava graça. E ria tão gostoso que ela também começou a achar graça de si mesma.
Ela então começou a se perguntar se ele nunca tentaria beijá-la. Ele parecia tão impassível, montando palavra atrás de palavra sobre o tabuleiro, olhando pra ela e sorrindo.
O jogo se estendeu por mais um bom tempo até que as peças se acabaram. Ela ficou bem irritada com a derrota. Ele continuava sorrindo e perguntava se ela queria ouvir outra coisa.
"Quem tá cantando agora?"
"Ben Harper. Cê gosta?"
"Não conheço muita coisa dele, mas tô gostando. Posso ver o que mais você tem?"
Ele pegou o laptop e o colocou gentilmente no colo dela. Ela estava sentada recostada à cabeceira da cama. Ele se colocou a seu lado. Enquanto ela olhava para a lista de músicas, ele a namorava com os olhos. Em algum momento, os olhos dela perceberam os olhos dele e o homem e a mulher, o menino e a menina, se encontraram num beijo.
Ela ficou muito feliz em descobrir que seus receios eram todos sem fundamento, especialmente sobre não haver química entre os dois.
Mesmo assim, ela foi forte. Não deu pra ele naquela noite.
No outro dia bem cedo, ela acordou. Tirou toda sua roupa e se deitou sobre o corpo quente dele.

2.12.09

A Highschool Girl Giving a Total Stranger a Little Hand

I have no idea why mother did that. I think she was really measuring me by herself. I knew she was crazy for sex. At a very early age -- not that early so I wouldn't understand what was going on, but still -- I walked in on her and my dad doing it several times. To be completely honest, it happened so many times that at a certain point I would turn around and they would carry on, as if the phone had rung and it had been a wrong number.
"Who was it?"
"Wrong number."
"Brilliant. Come here and let's try that again."
Sometimes if I had been actually looking for them because I needed to ask something, they would stop it, half covering their bodies, answer my question and then resume what they were doing.
I remember very clearly the day they told me about the divorce. Dad got home and we had dinner in silence. After dinner, they went into the den with a bottle of wine. I couldn't hear a thing from the TV room, even though the door was open. So they couldn't be having sex. I was about to go upstairs to brush my teeth and head to bed -- being such a nice girl -- when they called me into the den. Mom did the talking. She told me that she and dad were getting a divorce not because their love was over, but because their love had changed and they figured they'd be able to make me happier if they moved on being just friends. Dad smiled and took me to bed. He tuck me in and kissed me goodnight. After a few minutes I could hear mom screaming like a whore. Some people say make-up sex is great -- and I'll vouch for that -- but from the noise those two made that night, nothing beats break-up sex. I was about 8.
When I found out what that was all about, I figured, "sex must be awesome!" And I started reading everything remotely related to sex I could get my hands on. One day I came back from school and put my backpack on a chair at the kitchen table. Mom was on the phone and I decided to have a shower before dinner.
When I came back downstairs she was sitting on the couch reading the book I had brought from the school library. That day was important for me for two different reasons. First, I learned my mom's view on sex when it came to her little daughter thinking about it, since when it came to her doing it... well, let's say I was very familiar with her views on that. Second, I learned my mom was in the habit of going through my stuff, probably to make sure I was not smoking pot. There had been this time when I decided to support marijuana discriminalization during our usual dinner talk. I was just trying to show how grown I was and defend my point of view. For her, I was trying to defend myself in anticipation in case one day I got caught. I was about 12 then.
The book I had brought was one of those cheap chick bestsellers. It was about this girl who's very honest and noble and meets a guy who has all those nice things a girl learns from her family she should look for in a guy -- namely, money, likes children, plays an instrument, loves his mother, and so on -- but, due to the fact that he's engaged -- the girl is never engaged and is usually a virgin -- they can't be together. So, they meet occasionally here and there, kiss once, being a little drunk, until the day the guy's fianceé passes away. The book ends with a beautiful sex scene described from the viewpoint of a virgin -- which means she uses words like 'male organ'.
Anyway, there she was holding my book. She started offering to answer my questions, should I have any, but we ended up having this huge fight during which I stated she was disrespecting my individuality, whereas she argued that children don't have rights until they own a home, and, according to her, even then there are limits to their level of freedom. It was a good fight.
On the following day, she didn't wait for me to come to her with questions. She prepared a very professional presentation on the subject of sex and STDs -- she actually made a PowerPoint presentation. If her idea was to scare me out of the idea of ever having sex, she succeeded. For a while.
The truth is, I kept reading more and more virgin-falls-in-love-and-has-sex books. Then I moved on to really erotic literature. When I was about 15 I was in the habit of reading erotic poetry.
That and masturbation.
I found out at that time that I would have a much more intense orgasm, and it would be much faster to have it, if I had been reading about sex before (or while) I did it. And at that time, boys had become so interesting for me.
The thing is, I was going to one of those Catholic schools for girls only. My consolation was my cousins, my neighbor's son and Hollywood. I would fantasize about Hollywood actors all the time.
There was this once when I ran into my neighbor's son coming back from the subway station. He was a couple of years younger than me, very shy and, probably because of that, very charming. I invited him to have dinner with me and my mom -- only she was away on business. I "accidentally" found a bottle of wine and made him drink so that he would have the guts to actually do something to me. It was a very wise decision of mine to choose another virgin, especially someone younger than me, to do that, because that put me in total control of the situation.
While we ate and drank he was pretty quiet. After we had finished the first glass, he was telling me everything about his life, school, family. I suddenly asked him if he masturbated. He blushed a little and said, "only all the time." I then asked him if he did it thinking of me. "Only all the time!" I blushed a bit, too, and changed the subject. We drank about one and a half bottles and we were suddenly making out on the couch. He was a really good kisser but also really slow -- which was nice at first but things got really hot really fast. I could feel his dick pressing against my body and I could tell it was fairly big. I told him to stop kissing me and told him to masturbate for me to watch. I had seen thousands of dicks in movies and magazines, but nothing compared to seeing one live. He started doing it very slowly, smiling at me. He didn't look like a boy anymore. He was man. And he was all mine. I took the liberty of continuing his job.
I had never felt so powerful! And to be perfectly honest, I still think there are very few things which make a woman feel more powerful than when she's holding a man's dick. They become little puppets in our hands.
We went steady for quite a while but I was too curious to get attached so soon. I wanted something different. He was really pissed at me when I broke up with him. We never had sex, technically speaking.
There was this guy who always rode the subway with me on Friday nights after practice. I was always wearing my volleyball outfit and I noticed him eyeballing my legs a couple of times. I felt really good about it. He was older than me, he had an incredibly sexy five o'clock shadow, and he noticed my legs.
One fine day, the car was pretty empty, and I spotted him glancing out the window absent-mindedly. I simply sat next to him and said, "let me give you a handjob."
I still find it hard to understand where I got the guts to do it like that. The guy could have been a pervert. Or worse, he could have been gay. Turns out he was none of that. And I felt I could do anything I wanted after giving him that handjob. And to think I was still a virgin.
I never saw him again. That day had been the last time I was ever going to ride that subway. Mom and I moved downtown that weekend. Sometimes I wonder what would have happened if I had given him my number, if we had met after that. But I think the fact that it happened like that and only once makes that day all the more special.
Maybe my mom was right after all to measure me by herself.

29.9.09

Coisas de Dois

"Então me diz."
Coçou a barba com a mão direita enquanto a esquerda se sustentava na altura da cintura. Seu olhar corria os cantos da sala.
"Digo. Com uma condição."
"Qual?"
"Você vai tentar apreciar o que eu falar, mesmo que a princípio soe estranho." Foi até a janela e acendeu um cigarro, ensimesmado. Soltou a primeira nuvem de fumaça. Ela aguardava, sentada sapeca no pufe. Ele completou:
"E vai dormir aqui hoje."
"Mas aí são duas condições!" Ela disse sorrindo com as mãos nas cadeiras.
"É pegar ou largar."
"Ok. Vou apreciar o que você disser. E só vou topar a segunda condição por que já era parte do plano mesmo. Agora, desembucha."
Ele voltou-se de novo para a janela. Soltou outra baforada de fumaça e disse sem olhar pra ela:
"Você pra mim é perfeita mesmo com tantas imperfeições."
Ela pensou um pouco e depois sorriu. Se levantou e o abraçou por trás, já que ele ainda fumava com o rosto voltado para o lado de fora da casa. Terminado o cigarro, apagaram a luz e subiram as escadas para o segundo andar. Já estava ficando tarde e amanhã começaria tudo de novo.

9.8.09

A Cerveja

Entrou no banheiro. Precisava dar uma mijada. O banheiro era estreito e comprido. Felizmente estava vazio. Havia um mictório comprido que ia da porta até o final do banheiro, onde uma privada aguardava. Para chegar à privada, se houvesse mais alguém mijando, certamente teria que pedir licença. Mas não havia ninguém, então ele caminhou calmamente e entrou na estreita cabine. Desabotoou a calça, desceu o zíper e tudo mais e, enquanto o líquido amarelo ia sonoramente colorindo a água dentro do vaso, ele olhava em volta. Uma garrafa de cerveja?!
Na cabine havia um desses compartimentos onde se coloca o papel higiênico em banheiros públicos, para evitar que espíritos de porco roubem o rolo. E sobre ele, uma garrafa longneck de cerveja. Heineken! Cheia! E ainda suadinha. Deveria estar geladíssima.
Ele começou a pensar em todas as possibilidades.
Alguém muito bêbado deveria ter entrado ali antes dele. O cara provavelmente já teria tomado várias. Aquela deveria ser sua oitava ou nona longneck. Isso se não tivesse tomado mais alguma coisa -- talvez uísque, talvez vodka, uma caipira. O cara deve ter entrado cambaleando. Acabara de pegar aquela Heineken. Veio se escorando na parede e, por perceber que seu centro de equilíbrio havia desaparecido, decidiu mijar na cabine. Ao entrar na cabine, deu graças a Deus por haver aquela mesinha improvisada, colocou a cerveja sobre ela, apoiou as costas contra a parede, abriu a braguilha e deixou a água escorrer do joelho. Quando se sentiu aliviado, subiu o zíper novamente e saiu cambaleando. Deixou a garrafinha pra trás, sem nem se dar conta.
Teoria plausível. Porém, era muito cedo. O pubzinho acabara de abrir. Ele já dera uma volta lá dentro e vira: deveriam haver no máximo uns oito caras lá dentro e umas três meninas. E ninguém ali parecia bêbado o suficiente para protagonizar a cena que passara por sua cabeça. Além disso, o banheiro estava limpíssimo, até cheirava bem. A história teria sido outra.
Alguém entrara ali para dar uma mijada e, como ele, aproveitara o conforto da cabine da privada. Fora até lá. Para maior conforto ainda, decidira colocar a garrafa que acabara de pegar no bar sobre o compartimento de papel higiênico. Durante a mijadinha lembrara-se de que não havia ligado o alarme do carro. Saiu correndo, a cueca até recebeu alguns pingos indesejados no processo, e a cerveja ficara esquecida lá, intacta.
Gostou dessa versão para a história. Mas ainda achou que a chance de algo assim ter acontecido era muito pequena.
-- Foda-se! -- resmungou.
A chance de uma garrafa de Heineken ter sido largada no banheiro era menor ainda, e, no entanto, lá estava ela, suadinha, tão gelada que o suor ainda nem começara a escorrer. Fechou o zíper, pegou a garrafa, deu uma cheiradinha só por desencargo de consciência e mandou o primeiro gole para dentro. Perfeita! Saiu do banheiro sorrindo. Sua sorte começava a mudar.

8.7.09

Manhã de Devoção

Ela

A arte de falar sem ser ouvida. Talvez por isso eu tenha me tornado professora. Chorara durante o banho. Entrei na cozinha e ele me olhava impassível, com um quase sorriso no rosto. Seus olhos definitiva e deliciosamente em mim. Mas o rádio ligado me deixava ainda mais irritada. Sustentando o olhar com o qual eu o fusilava, desliguei o chiado enlouquecedor. Gesticulava muito, andava de um lado a outro da cozinha enquanto jogava tudo que estava carregando sozinha em cima dele. Era quase insuportavelmente difícil continuar olhando para aqueles olhos pertubadores e tranquilos. Ele acabara de se levantar, a barba que começava a acinzentar o rosto esculpido a cinzel, a camiseta colada ao tronco, os shorts, os chinelos de dedo... O antebraço empunhando a xícara de café... um arrepio nascia no meu cóccix e morria em minha nuca, todos os pêlos do meu corpo se levantaram, mas eu mantinha a pose firme. E falava, falava, falava. Finalmente estaquei. O diálogo que eu esperava havia nascido e morrido monólogo. Meus olhos o inquiriam, exigiam dele uma reação.
- Deus te abençoe. - ele disse.
Como se não houvesse outro lugar no mundo para o meu corpo, me achei em seus braços sendo carregada para o quarto. Pela primeira vez na minha vida não achei ruim ter um sermão meu ignorado.

Ele

Ela entrou com aquele vestido roxo de amarrar na cintura. Eu adorava a maneira com que ele envelopava seu corpo, a maneira como o decote descia seu colo: ousado e sóbrio. Eu ainda tomava meu café e ouvia as primeiras notícias da manhã pelo rádio. Ela desligou a maquininha de fazer barulho: queria minha atenção exclusivamente para si. Meus olhos pelo menos já pertenciam a ela desde o momento em que pusera os pés na cozinha. Estava frio e, além do vestido, usava aquele sobretudo de malha preta e meias calças da mesma cor. Nos pés, aquele sapatinho fechado, de tecido, baixinho. Ela sempre o calçava quando queria parecer séria. Falava, falava, falava e eu ia saboreando meu café amargo, imaginando a que altura de sua coxa a meia terminaria, o contraste de sua pele alva com o negro da meia. Seus olhos vermelhos me fulminavam através das lentes dos óculos de armação grossa e escura que amadureciam um pouco seu rosto de menina e contrastavam belissimamente com o louro dos seus cabelos, ainda molhados. Seu corpo exalava cheiro de banho. Ela finalmente parou de falar. Seu olhar exigia de mim algum tipo de reação.
- Deus te abençoe. - eu disse.
Com todo o carinho e reverência que merece uma santa em procissão, levei-a em meus braços para o quarto e fizemos amor a manhã inteira.

7.7.09

Perdendo Dentes

Entrei no banheiro e me coloquei em frente ao espelho do armarinho. Era definitivamente eu. Fui abrindo a boca devagar, passando a língua pelos dentes de cima, da parte da frente. De repente, percebi que um deles estava meio mole. Era quase imperceptível, mas estava mesmo meio solto. Eu comecei a empurrá-lo, pra frente e pra trás, com a língua. E sentia que ele se movia, bem pouquinho, mas se movia, em relação aos outros dentes. Decidi continuar aquele procedimento, agora usando os dedos. O dente pareceu ceder mais um pouco.
Comecei a pensar no tempo transcorrido desde minha última visita ao dentista. Fazia mais de 10 anos. Eu cuidava relativamente bem dos meus dentes: escovava-os duas ou três vezes por dia, passava o fio dental uma ou duas vezes por semana, raramente comia doces... Nunca sentia dor em nenhum deles. Vez ou outra inspecionava-os. Nunca encontrei nada, exceto por algum tártaro, bem de leve, devido ao fato de eles serem muito tortos. E por isso acreditava que estava tudo bem.
O presente me mostrava que eu estava enganado. Dentes saudáveis não se movem.
Tentei me lembrar se eu havia batido a boca em algum lugar, ou se alguma coisa havia me acertado, mas nada me ocorria. E enquanto eu pensava, continuava empurrando o dente para frente e para trás. Percebi que os dois outros dentes que cercavam aquele com o qual eu já brincava também pareciam estar moles. Sim. Estavam os três meio soltos. Não eram só eles! Os quatro dentes da frente da parte de baixo também estavam moles. Comecei a me desesperar. Mas ao mesmo tempo não conseguia parar de mexer com eles. De repente, o de cima, o primeiro a se mover, se soltou em minha mão!
Eu me via no espelho, com um grande espaço vazio na arcada superior. Olhei para a pia e soltei o dente. Assisti o bloquinho branco acertar a louça da pia, ecoando alto dentro do banheiro, e depois escorregar para dentro do ralo.
Eu ainda estava de boca aberta, literalmente, com o que acontecia, e senti que mais alguma coisa estava solta na minha boca. Agora era um dente de baixo. De repente, outro e mais outro. E eu os cuspia na pia, estupefato. Sentia minhas têmporas latejarem mais forte, mais rápido. Como poderia sair para trabalhar com aquela boca banguela? E os dentes continuavam se soltando. E eu os cuspia no pia, aos montes, o barulho dentro do banheiro apertado era ensurdecedor.

Ontem sonhei que estava perdendo dentes. Levantei esbaforido e corri para o banheiro. No espelho do armarinho aquele rosto era definitivamente eu, e eu estava acordado. Joguei um pouco de água no rosto para terminar de acordar e me encarei novamente. Alisava a barba que começava a querer apontar de novo, até que minhas mãos chegaram à minha boca. Toquei de leve os meus dentes com as pontas dos dedos.
Seria impressão minha ou eles estavam meio moles?

15.6.09

Madalena Não Se Arrependeu

Com seus 12 anos de experiência na corporação, Ronaldo não podia antecipar o que veria ao atender aquela chamada. A princípio, parecia algo corriqueiro para aquela região. Vizinhos disseram ter ouvido um estouro seco. Eram pouco mais de 5 da tarde de uma quarta-feira.
– Será que foi tiro mesmo? – perguntava Leonardo, seu parceiro.
– Deve ser. – respondeu Ronaldo, quase em tédio. – E pelo horário... um tiro só... deve ser mulher matando marido que pulava a cerca.
Ligaram a sirene e em menos de 10 minutos chegavam à rua indicada pelo rádio da viatura. Ronaldo conhecia a região muito bem. Além de fazer ronda por ali há mais de dois anos, morara naquele bairro por mais de cinco. Depois de ter se tornado sargento, decidira se mudar.
Ao entrarem na rua, desligaram a sirene. A viatura ia deslizando silenciosa e vagarosamente rua abaixo. Ninguém por ali: era tiro mesmo. Alguns moradores mais curiosos, esticavam olhos interessados de dentro de suas janelas em direção ao carro. Ronaldo, com o braço direito para fora do veículo, segurava sua pistola negra.
Enfim, Leonardo estacionou junto ao meio-fio. Desceram do carro e olharam em volta. Uma velha subia a rua lentamente.
– Boa tarde, minha senhora. – Ronaldo a abordou.
Explicou que averiguavam uma denúncia anônima e perguntou se a velha não teria percebido alguma coisa fora do normal naquela tarde, um barulho, um estouro talvez.
A velha disse ter ouvido um tiro. O som teria vindo da casa 32. Ela usou a palavra tiro, com a autoridade de quem já ouvira vários. Ronaldo então pediu que ela permanecesse próxima à viatura e instruiu Leonardo a ficar de olho.
Novamente, o experiente policial sacou a arma e caminhou em direção à casa de número 32, a uns 50 metros de onde a viatura estava estacionada. A casa tinha muros de tijolos, mas não havia um portão que a encerrasse. Ronaldo se encostou ao muro e deu uma olhadela rápida para dentro do lote.
Leonardo o acompanhava de longe, vez ou outra voltando o olhar à velha, à viatura e varrendo os arrededores. Se espantou com a cara de Ronaldo. Seu parceiro agora arregalava os olhos e guardava a arma no coldre. Olhava para Leonardo e dava de ombros como se não entendesse o que acontecia. Ronaldo sinalizou para que o colega permanecesse onde estava e entrou no lote.
Ele encarava uma menininha. Uma criança com rosto de anjo, sentada no degrau de cimento que dava para dentro da casa, cabelos negros amarrados num rabo-de-cavalo, olhos grandes, o rosto um pouco preocupado. Vestia o uniforme da escola pública e tinha um 38 nas mãos.
– Coloca a arma no chão e levanta devagarinho. – Ronaldo ordenou.
A menina obedeceu calmamente. Usando as duas mãos, colocou o revólver ao seu lado, sobre o degrau de cimento, com muito cuidado, como se fosse uma boneca de porcelana. Depois levantou-se e perguntou:
– Cê vai me prender?
– Uma coisa de cada vez.
Ronaldo, segurou-a pelo braço delicadamente e a conduziu até a rua. Leonardo já estava à entrada do lote.
– Fica de olho nela e não deixa ninguém entrar.
Voltou para dentro da casa e tirou novamente seu revólver do coldre. Caminhou em direção à porta de entrada. A arma à frente do corpo, sustentada pela mão direita inabalável. A porta estava aberta, mas bateu antes de entrar. Como ninguém respondeu, escancarou-a com um pontapé dando chance para seus olhos e sua arma vasculharem o que parecia ser a sala daquela casinha. Não havia nada de estranho ali. Um sofá velho, uma estante com uma televisão e alguns porta-retratos, um aparelho de som e uma máquina de costura.
Havia um corredor que saía da sala. Caminhou em direção a ele, sempre com a arma em riste. Três portas à direita e uma cozinha apertadinha ao fundo.
A primeira porta, entreaberta, revelava um banheiro. Azulejos e louças brancas, uma cortina de plástico e um armário com espelho na porta pregado à parede sobre a pia.
A segunda porta estava fechada. Bateu e perguntou se havia alguém. Sem resposta, entrou. Dessa vez, com mais calma, empurrando a porta devagar com a mão esquerda, enquanto o cano do revólver ia penetrando o quarto seguido de seu olhar atento. Um guarda-roupa sem porta, roupas de meninas, duas camas de solteiro, uma penteadeira e... dois pés que saíam de entre as camas. Um deles calçado com uma havaiana azul.
Guardou o revólver no coldre e deu a volta na primeira cama se colocando entre as duas. Um homem estirado de bruços no chão com um rombo no meio das ventas que atravessava a cabeça e saía do outro lado. Havia sangue respingado na parede e nas cobertas das duas camas e uma poça vermelha no chão: tiro à queima-roupa. O homem usava shorts e camiseta. E as havaianas.
Ronaldo voltou à viatura. Quanta papelada dava assassinato!
O nome da menina era Madalena. Era a filha mais nova de Vanderléia, que tivera outros dois filhos, Maria e Jesus, com Carlos, morto a tiros em uma briga de bar. Vanderléia era casada pela segunda vez com o agora também defunto Sebastião. Jesus, aparentemente trabalhara como aviãozinho dos traficantes da região. Fora preso havia pouco tempo. A irmã mais velha de Madalena era constantemente violentada pelo padrasto. Naquele dia, Madalena completava 15 anos. E para seu padrasto, a idade de poder “brincar” havia chegado. Madalena assistira calada Sebastião estuprar Maria. Muitas vezes. Ela sabia onde seu irmão havia escondido o revólver. Planejara tudo sozinha. Ao chegar da escola naquela tarde, subiu no telhado e tirou o embrulho de saco plástico preto de dentro da caixa d’água. Lá dentro estava o 38. Desceu com a arma e foi para a cozinha. Sentou-se à mesa, com a arma em seu colo e tomou um copo de leite com Nescau, enquanto esperava Sebastião. Sua mãe demoraria a chegar e Maria tinha aula à noite. Seu padrasto certamente seria o primeiro a aparecer. Terminou o copo de leite e foi se deitar em sua cama. Colocou o revólver sob o travesseiro. Cochilava quando foi despertada pelas mãos de Sebastião tocando seus pés.
– Chegou a sua vez, Madá. – ele olhava para ela como um bicho que olha sua presa, sua caça, sua comida.
– Não, seu puto. Chegou a sua vez! – foi a resposta da menina. E sem a menor hesitação, Madalena puxou o 38 de debaixo do travesseiro e deu um tiro certeiro no meio da cara do padrasto.

17.4.09

Para Longe de Nossas Janelas

A mulher já vivia ali havia muito tempo, na esquina da Rua Iraí com o Largo José Cavalini. Ela dormia no chão. Vivia do que encontrava nas sacolas de lixo que se espalhavam pelas ruas quando ela passava. Estava sempre sozinha, mas sempre conversando. Conversava consigo mesma, com sua consciência ou com alguém cuja existência só ela percebia.
As pessoas se incomodavam. Era realmente doloroso e amargo observá-la ali, sozinha, aparentemente abandonada. Especialmente em dias frios. Me machucavam o edredon e o chocolate quente dos quais me beneficiava enquanto a assistia se cobrir com caixas de papelão.
Me lembro de quando a levaram. Já haviam tentado antes, muitas vezes, com menos energia. Funcionários da prefeitura, de quando em vez, vinham e conversavam com ela. Da janela do meu apartamento eu não conseguia ouvir o que diziam, mas entendia que ela não queria ir pelas sacudidas de cabeça de um lado a outro, pelo olhar confuso e perdido e pelo nariz torcido dos funcionários da prefeitura. Mas um dia não houve conversa. Chegaram em uma van. Dois homens desceram e a agarraram. Ela se debateu, mas foi dominada rapidamente. Levaram-na.
Não sei para onde ela foi. Sei que foi contra sua vontade para tornar nossa vizinhança um lugar menos desagradável.
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Sexta-feira 13. Saio da reunião com o coordenador padecendo de uma dor de cabeça moral. Ao invés de reprovar um aluno cuja preguiça e indisciplina o impediram de desenvolver  domínio de sua língua nativa, me é sugerido (e aqui uso de um eufemismo) dar a esse mesmo aluno aulas particulares. O coordenador ainda ressalta a compensação financeira. Aulas particulares, a essa altura do ano, valem o peso do professor em ouro.
Além de não ter tido apoio algum de meu ilustríssimo superior, sou obrigado a engolir os meus princípios goela abaixo.
Parto da escola em direção ao bar. Vou me encontrar com o meu orientador do mestrado. Assim que finalizar o curso, penso, não terei mais que me sujeitar a humilhação como me foi imposta hoje.
No bar quero colocar toda a minha indignação para fora. A conversa é mais fluida banhada em cerveja e cachaça. Meu orientador é todo ouvidos e apoio. Terminamos a noite abraçados ao violão, cantando a revolução que promoveríamos no sistema educacional brasileiro.

Sábado 14. Acordo e me levanto imediatamente. Minha cabeça lateja. Meu reino por uma xícara de café forte e uma Neosaldina. Na porta da geladeira encontro a conta do celular. Exagerei de novo. Vou ligar para o meu aluno. Oferecer aulas particulares. Pagando bem, que mal tem? Começo a revolução no ano que vem, quando voltar da minhas férias na Europa.