14.12.10

Linha Cruzada

Linha Cruzada

Linha 1
Os dois iriam estudar. Era esse o plano mesmo. Não era nenhum tipo de pretexto. Sentaram-se no chão da sala com livros e cadernos espalhados ao redor. O ventilador ronronando no fundo.Os pais dela terminavam os últimos preparativos para partir. Passariam o fim de semana fora. Finalmente terminaram de colocar as malas no carro e vieram se despedir da filha querida: tranque as portas, alimente-se direito, mantenha seu celular carregado, beijo, fica com Deus. O pai dela ainda hesitou à porta. Mas a mãe o tranquilizou. Sua filha e o colega eram apenas amigos e gostavam de estudar juntos. E se foram.
A menina e o menino se entreolharam. Estavam completamente sós. Ela pediu a ele que buscasse o colchão da cama dela. Seu bumbum começava a ficar dolorido. Ele obedeceu com um sorriso mal disfarçado no canto da boca. Sentavam-se agora no colchão. Ele perguntou se ela conseguia estudar com música e ela disse sim. De repente a voz rouca do vocalista do Maná surgia dos alto-falantes do laptop. Ele sentou-se mais perto dela e ela colocou a mão sobre a perna dele. A proximidade permitia aos dois perceberem os cheiros. Os risos começaram a ficar mais frequentes e em pouco tempo estavam se beijando. Os cadernos já estavam longe do colchão e a música os embalava.
Estavam completamente sós. O mundo fora do apartamento, fora daquela sala, não tinha a menor relevância. Eram livres.
A música continuava mansinho e eles agora simplesmente se abraçavam. Curtiam a preguiça nos braços um do outro. De repente, batidas na porta. Eram batidas leves, mas alguém tinha batido. Os dois se levantaram depressa. Quem poderia ser? O som estava baixo demais para ser um vizinho reclamão. Enquanto se decidiam entre olhar ou não olhar, mais batidas na porta. Ele desligou a música e chegou perto da porta. Via sombras que o permitiam entender que havia alguém em pé do lado de fora do apartamento. Com o dedo sobre a boca pediu silêncio a ela. Viu os pés de sombra se afastarem.
Agora os dois conversavam entre sussurros agitados. Quem poderia ser? Será que era o pai dela? Seria mesmo um vizinho?

Linha 2
Aquela noite seria perfeita. Ele conferia se tinha tudo: cerveja gelada no isopor, camisinhas. Estava tudo certo. Chegou rápido ao prédio. Ela tinha deixado a chave da portaria com ele. O combinado seria ele subir e bater de leve na porta. E tudo corria bem até que ele percebeu que não lembrava o andar. Era o terceiro ou o quarto? Subiu hesitante. Ia olhando as portas dos apartamentos pelos quais passava: eram inexplicavelmente idênticas. Chegou ao terceiro andar e hesitou. Seria o quarto andar? Lembrava-se que havia ficado bastante cansado da última vez. Deveria ser o quarto. Subiu o último lance de escadas e chegou-se junto à porta da direita. Isso ele lembrava, era a porta da direita. E se for o terceiro? E se eu bater na porta errada a essa hora da noite? Já passavam das 11! Chegou-se mais perto da porta e ficou mais tranquilo. Podia ouvir baixinho uma música do Maná. Era ela. Só podia ser ela! Bateu bem de leve na porta e esperou. Nada. Talvez ela não tenha ouvido. Bateu mais uma vez. O som foi desligado. Não havia mais música. Retirou-se na ponta dos pés. Só podia ser o apartamento errado. Nesse momento, ela surgia subindo as escadas cautelosa. Gesticulava em silêncio para que ele a seguisse. Os dois desceram as escadas, segurando o riso, até o terceiro andar.

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