17.3.10

Proposta

Eles se conheciam a menos de uma semana. Tá certo que se falaram todos os dias desde então, mas agora ele a convidava para passar a noite juntos em um hotel?
A cabeça dela girava. Ela queria ir, queria muito. Mas tinha medo, receio, sei lá. Aquilo era certo? Como ela poderia ter certeza de que ele não era um psicopata, um louco? Ou pior, e se ele fosse chato? E se eles se beijassem, lá pelas tantas, e não rolasse química?
O problema é que ele propunha aquilo com uma naturalidade desconcertante. Como se dissesse assim: escuta, vamos dar um pulinho ali na padaria comigo pra eu te comprar um Sonho de Valsa? Ele argumentava que só queria ter privacidade com ela, poder conversar sem ter hora pra parar.
E ela queria dizer sim. Queria demais dizer sim! Só o despeito, a coragem, ou a cara-de-pau que ele teve em propor aquilo já a deixava curiosa demais.
Mas ela resistiu. Por algumas horas. E só topou por que ele aceitou suas condições.
"Quando eu falar que quero ir embora não é nem pra você tentar me convencer a ficar, ouviu bem?"
"Se! Se você falar. Você não pode ter certeza que vai querer ir embora sem nem ter ido ainda."
Ela enfim topou.
Ele saiu do trabalho e passou na casa dela. Ele estava muito limpinho e cheiroso, considerando que tivera um dia cheio.
Ela estava linda. Não. Ela simplesmente ERA linda. Não precisava de exageros: calça jeans, top preto e All Star. Só pra garantir, tinha decidido estrear um conjunto de lingerie novo.
Quando ela entrou no carro e ele a abraçou, sentiu como se já o conhecesse há muito tempo. Mesmo assim foi firme consigo mesma: não dou pra ele hoje de jeito nenhum!
No trajeto até o hotel conversaram sobre o dia. Pareciam mesmo um casal de namorados. Aquela uma semana de convivência virtual dera a eles uma intimidade não comum pro pouco tempo que se conheciam.
Já se riam um das questões do outro, por que as questões de um e de outro já eram como se fossem dos dois.
O hotel era simples. Nada demais. Mas também não era feio ou sujo. Era até bem bonito. Tinha até piscina, que eles só viram da janela do quarto.
No quarto, ele perguntou se ela estava com fome.
"Eu já jantei."
Ele abriu um salgadinho que estava em cima do frigobar. Enquanto mastigava estralado a batatinha, tirava o laptop da mochila.
"Vou por uma música pra gente. Eu trouxe um jogo de tabuleiro aqui. Quer jogar?"
Era um jogo de palavras cruzadas. Ela ficou meio sem entender o que ele pretendia com aquilo. E que coisa mais entediante! Por que ele não trouxe Banco Imobiliário ou War? Mas achou que seria indelicado não topar o joguinho.
Ele explicou as regras e a música começou a vir, baixinha, suave, do laptop. Era Seu Jorge cantando e tocando sozinho. Ela não conhecia aquele cd.
"Que cd é esse?"
"É da trilha de um filme. Mas não é um filme muito famoso. São músicas do David Bowie traduzidas pro português."
"Bacana."
O jogo até que não era assim tão mau. E proporcionava boas risadas quando eles tentavam inventar palavras. Iam conversando e se conhecendo mais. Ele falava de seu trabalho, das coisas que já tinha vivido. Ela contava das aventuras de final de semana, da saudade que tinha do irmão que morava longe.
Lá pelas tantas, ela percebeu que, embora ainda faltasse bastante para o fim do jogo, seria impossível vencê-lo. Começou a ameaçar rasgar o tabuleiro caso perdesse. Ela falava sério. Odiava perder. Mas ele ria e achava graça. E ria tão gostoso que ela também começou a achar graça de si mesma.
Ela então começou a se perguntar se ele nunca tentaria beijá-la. Ele parecia tão impassível, montando palavra atrás de palavra sobre o tabuleiro, olhando pra ela e sorrindo.
O jogo se estendeu por mais um bom tempo até que as peças se acabaram. Ela ficou bem irritada com a derrota. Ele continuava sorrindo e perguntava se ela queria ouvir outra coisa.
"Quem tá cantando agora?"
"Ben Harper. Cê gosta?"
"Não conheço muita coisa dele, mas tô gostando. Posso ver o que mais você tem?"
Ele pegou o laptop e o colocou gentilmente no colo dela. Ela estava sentada recostada à cabeceira da cama. Ele se colocou a seu lado. Enquanto ela olhava para a lista de músicas, ele a namorava com os olhos. Em algum momento, os olhos dela perceberam os olhos dele e o homem e a mulher, o menino e a menina, se encontraram num beijo.
Ela ficou muito feliz em descobrir que seus receios eram todos sem fundamento, especialmente sobre não haver química entre os dois.
Mesmo assim, ela foi forte. Não deu pra ele naquela noite.
No outro dia bem cedo, ela acordou. Tirou toda sua roupa e se deitou sobre o corpo quente dele.

3.3.10

"Nosso medo mais profundo não é o de sermos inadequados, nosso medo é de que sejamos poderosos além da medida. É a nossa luz, não as nossas trevas, o que mais nos assusta.

Perguntamos a nós mesmos: Quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentoso?

Na verdade, quem você não poderia ser? Você é filho de Deus. Sua atuação contida não ajuda o mundo. Não há nada que justifique o ato de se encolher para que as pessoas à sua volta não se sintam inseguras. Você foi criado para manifestar a glória de Deus que está dentro de você.

Não apenas dentro de alguns de nós; ela está em todos; e, quando deixamos nossa luz própria brilhar, inconscientemente permitimos a outras pessoas que façam a mesma coisa.

Como estamos livres do nosso medo, nossa presença libera automaticamente os outros."

(Nelson Mandela)