19.6.09

Olhar de Mulher

Seus olhos falam
Contam essa história que eu não canso de ouvir
Essa história que eu nem entendo
(Não foi feita pra entender)

O olhar me fala muito mais
Mais que essa boca rosa, linda
Me fala que você é uma mulher

Mulher!

Mulher que sente
Que ri, que chora
Que sofre, que goza
Que tem certeza
Mas nunca consegue se decidir

Seus olhos me dizem muito
Talvez mais do que eu possa absorver
E eu os ouço
Por que me falam tudo aquilo de que não me canso de ouvir

15.6.09

Madalena Não Se Arrependeu

Com seus 12 anos de experiência na corporação, Ronaldo não podia antecipar o que veria ao atender aquela chamada. A princípio, parecia algo corriqueiro para aquela região. Vizinhos disseram ter ouvido um estouro seco. Eram pouco mais de 5 da tarde de uma quarta-feira.
– Será que foi tiro mesmo? – perguntava Leonardo, seu parceiro.
– Deve ser. – respondeu Ronaldo, quase em tédio. – E pelo horário... um tiro só... deve ser mulher matando marido que pulava a cerca.
Ligaram a sirene e em menos de 10 minutos chegavam à rua indicada pelo rádio da viatura. Ronaldo conhecia a região muito bem. Além de fazer ronda por ali há mais de dois anos, morara naquele bairro por mais de cinco. Depois de ter se tornado sargento, decidira se mudar.
Ao entrarem na rua, desligaram a sirene. A viatura ia deslizando silenciosa e vagarosamente rua abaixo. Ninguém por ali: era tiro mesmo. Alguns moradores mais curiosos, esticavam olhos interessados de dentro de suas janelas em direção ao carro. Ronaldo, com o braço direito para fora do veículo, segurava sua pistola negra.
Enfim, Leonardo estacionou junto ao meio-fio. Desceram do carro e olharam em volta. Uma velha subia a rua lentamente.
– Boa tarde, minha senhora. – Ronaldo a abordou.
Explicou que averiguavam uma denúncia anônima e perguntou se a velha não teria percebido alguma coisa fora do normal naquela tarde, um barulho, um estouro talvez.
A velha disse ter ouvido um tiro. O som teria vindo da casa 32. Ela usou a palavra tiro, com a autoridade de quem já ouvira vários. Ronaldo então pediu que ela permanecesse próxima à viatura e instruiu Leonardo a ficar de olho.
Novamente, o experiente policial sacou a arma e caminhou em direção à casa de número 32, a uns 50 metros de onde a viatura estava estacionada. A casa tinha muros de tijolos, mas não havia um portão que a encerrasse. Ronaldo se encostou ao muro e deu uma olhadela rápida para dentro do lote.
Leonardo o acompanhava de longe, vez ou outra voltando o olhar à velha, à viatura e varrendo os arrededores. Se espantou com a cara de Ronaldo. Seu parceiro agora arregalava os olhos e guardava a arma no coldre. Olhava para Leonardo e dava de ombros como se não entendesse o que acontecia. Ronaldo sinalizou para que o colega permanecesse onde estava e entrou no lote.
Ele encarava uma menininha. Uma criança com rosto de anjo, sentada no degrau de cimento que dava para dentro da casa, cabelos negros amarrados num rabo-de-cavalo, olhos grandes, o rosto um pouco preocupado. Vestia o uniforme da escola pública e tinha um 38 nas mãos.
– Coloca a arma no chão e levanta devagarinho. – Ronaldo ordenou.
A menina obedeceu calmamente. Usando as duas mãos, colocou o revólver ao seu lado, sobre o degrau de cimento, com muito cuidado, como se fosse uma boneca de porcelana. Depois levantou-se e perguntou:
– Cê vai me prender?
– Uma coisa de cada vez.
Ronaldo, segurou-a pelo braço delicadamente e a conduziu até a rua. Leonardo já estava à entrada do lote.
– Fica de olho nela e não deixa ninguém entrar.
Voltou para dentro da casa e tirou novamente seu revólver do coldre. Caminhou em direção à porta de entrada. A arma à frente do corpo, sustentada pela mão direita inabalável. A porta estava aberta, mas bateu antes de entrar. Como ninguém respondeu, escancarou-a com um pontapé dando chance para seus olhos e sua arma vasculharem o que parecia ser a sala daquela casinha. Não havia nada de estranho ali. Um sofá velho, uma estante com uma televisão e alguns porta-retratos, um aparelho de som e uma máquina de costura.
Havia um corredor que saía da sala. Caminhou em direção a ele, sempre com a arma em riste. Três portas à direita e uma cozinha apertadinha ao fundo.
A primeira porta, entreaberta, revelava um banheiro. Azulejos e louças brancas, uma cortina de plástico e um armário com espelho na porta pregado à parede sobre a pia.
A segunda porta estava fechada. Bateu e perguntou se havia alguém. Sem resposta, entrou. Dessa vez, com mais calma, empurrando a porta devagar com a mão esquerda, enquanto o cano do revólver ia penetrando o quarto seguido de seu olhar atento. Um guarda-roupa sem porta, roupas de meninas, duas camas de solteiro, uma penteadeira e... dois pés que saíam de entre as camas. Um deles calçado com uma havaiana azul.
Guardou o revólver no coldre e deu a volta na primeira cama se colocando entre as duas. Um homem estirado de bruços no chão com um rombo no meio das ventas que atravessava a cabeça e saía do outro lado. Havia sangue respingado na parede e nas cobertas das duas camas e uma poça vermelha no chão: tiro à queima-roupa. O homem usava shorts e camiseta. E as havaianas.
Ronaldo voltou à viatura. Quanta papelada dava assassinato!
O nome da menina era Madalena. Era a filha mais nova de Vanderléia, que tivera outros dois filhos, Maria e Jesus, com Carlos, morto a tiros em uma briga de bar. Vanderléia era casada pela segunda vez com o agora também defunto Sebastião. Jesus, aparentemente trabalhara como aviãozinho dos traficantes da região. Fora preso havia pouco tempo. A irmã mais velha de Madalena era constantemente violentada pelo padrasto. Naquele dia, Madalena completava 15 anos. E para seu padrasto, a idade de poder “brincar” havia chegado. Madalena assistira calada Sebastião estuprar Maria. Muitas vezes. Ela sabia onde seu irmão havia escondido o revólver. Planejara tudo sozinha. Ao chegar da escola naquela tarde, subiu no telhado e tirou o embrulho de saco plástico preto de dentro da caixa d’água. Lá dentro estava o 38. Desceu com a arma e foi para a cozinha. Sentou-se à mesa, com a arma em seu colo e tomou um copo de leite com Nescau, enquanto esperava Sebastião. Sua mãe demoraria a chegar e Maria tinha aula à noite. Seu padrasto certamente seria o primeiro a aparecer. Terminou o copo de leite e foi se deitar em sua cama. Colocou o revólver sob o travesseiro. Cochilava quando foi despertada pelas mãos de Sebastião tocando seus pés.
– Chegou a sua vez, Madá. – ele olhava para ela como um bicho que olha sua presa, sua caça, sua comida.
– Não, seu puto. Chegou a sua vez! – foi a resposta da menina. E sem a menor hesitação, Madalena puxou o 38 de debaixo do travesseiro e deu um tiro certeiro no meio da cara do padrasto.

4.6.09

Quero seu amor
Esse amor safado
Esse amor risonho
Esse amor tarado

Quero seu amor
Seu amor chorado
Seu amor sofrido
Seu amor lavado

Quero seu amor
Não quero pedaços

Lápide

Acabou
Despeço-me
De vocês
Desses lugares
Até logo?
Não digo
Digo Adeus
A Deus
Antes a Ele
(Se é que Ele existe)

Acabou
Ponto final
Ou exclamação?
Certamente não são reticências
Sei que é o fim

Tudo que acumulei
Tudo que aprendi
Tudo que amei
Acabou

Alcançarei a paz?
Com Ele?
Com o universo?
Com a minha eterna não-existência?
Não sei
Só sei que...

Acabou
Subvivendo

Não por falta de condição
Nem por falta de estudo
Falta de orientação?
Também não.

Mas não vivo
Nem sobrevivo
Subvivo
Vivo abaixo da linha
Da linha da pobreza?
Não! Blasfêmia!
Abaixo da linha do que eu sou
Abaixo da linha do que posso
Abaixo da linha 
Minha
Linha

Por quê?
Sem força
Sem vontade