31.1.08

Subitamente

Faltavam poucas estações. Henrique havia se sentado no penúltimo vagão. Sabia que, quando o metrô parasse, aquele carro seria o mais próximo da escada e aguardava tranqüilamente quando o trem chegou à Estação Trianon-Masp. Foi quando ela entrou.
Henrique sentia o mundo à sua volta perder o sentido, se derreter. A única coisa no mundo, naquele momento, era ela. Ela se sentou em um assento em frente ao de Henrique. E ela também o olhou. A princípio ele nem percebera que ela o encarava de volta e quando o fez, desviou o olhar. Meu Deus! pensava, não consigo parar de olhar.
Não resistiu e voltou a olhar. Ela também ainda o fitava. Sorriram e ela se levantou quando o metrô parou novamente. Henrique entrou em um tipo de desespero interno. Por dentro, estava se debatendo, queria pedir para ela ficar, ou ir com ela, agarrá-la pelo braço! Por fora, mantinha a compostura, apenas a observava, mas se levantou também. E foi aí que percebeu que ela carregava uma pasta. Ela já estava fora do vagão, e ele se aproximou da porta para conseguir ler o que estava escrito na pasta: o nome e o telefone de uma firma de advocacia. Antes que a porta se fechasse, ele gritou para ela, que já se aproximava das escadas:
- Seu nome!
E ela respondeu:
- Daniela!

29.1.08

Carnaval

Era sexta-feira. Enquanto metade da população paulistana arrumava as malas para descer para a praia, Cristina limpava os pés no capacho antes de procurar a chave na bolsa. Chovia muito. Era difícil equilibrar o guarda-chuva na mesma mão em que segurava a bolsa enquanto a vasculhava. Enfim, entrou em sua casa. Sua mãe dormia no sofá. A televisão estava ligada. Com muito cuidado acordou Dona Júlia.
- Mãe, vamos dormir na cama.
E foi conduzindo sua mãe até a cama. Depois de certificar-se que a janela do quarto de Dona Júlia estava fechada, voltou para a sala. Havia largado o guarda-chuva perto da porta e uma pequena poça se formara. Levou o guarda-chuva até a cozinha e pegou um pano de chão no armário para limpar a água na entrada da sala.
Depois de colocar o pano de chão dentro do tanque, voltou para a sala. Na televisão, dois comentaristas discutiam quem seria a escola campeã daquele ano: Mangueira ou Beija-Flor. Desligou-a e foi para seu quarto. Tirou os sapatos e o casaco. Como pode estar frio nessa época do ano? pensava. Sentou-se em frente ao computador e foi checar sua caixa de email. Vazia. Não conseguiu conter uma lágrima furtiva que escapou de seu olho esquerdo. Secou-a com a manga da blusa e deu uma olhadela em direção à porta do quarto, só para checar se sua mãe não estava mesmo por perto, e caiu em prantos. Sentia-se só aos 34 anos. Tinha poucas amigas com as quais quase nunca se encontrava. Precisava ficar com sua mãe.
Desligou o computador, colocou sua camisola e foi dormir.
Cristina havia se apaixonado uma vez. Noivara. Mas levara um duro golpe que a deixara seca, amarga, sem amor. E, mais do que isso, deixara-a com medo.
Ela conhecera Adalberto em seu primeiro emprego, logo que se formara em administração de empresas. Adalberto gostava de tudo que ela fazia. Queria ouvir tudo o que ela tinha a dizer. Não se cansava de fazer amor com ela. Depois de 6 anos de namoro, finalmente pedira sua mão em casamento e houve o primeiro e único conflito. Ele não aceitara muito bem o fato de que a sogra teria que viver com eles. Dizia que não se sentiria à vontade. Cristina insistia. Sua mãe precisava dela, afinal, Cristina era sua única filha.
Depois dessa primeira discussão, as coisas começaram a esfriar. Adalberto já não telefonava mais todos os dias e, praticamente, só se encontravam aos domingos, quando Cristina ia até a casa dele para assistir um filme ou transar. Mas nem isso acontecia mais com tanta freqüência. Não conseguiam mais encontrar um filme que agradasse aos dois. Transar era frustrante. Adalberto jogava seu corpo sobre o de Cristina e se retirava em menos de 2 minutos. Cristina queria conversar e ele reclamava. Teria que levantar cedo para trabalhar. Antes de adormecer, pedia que ela trancasse a porta ao sair.
Um dia Cristina recebeu um email de Adalberto. Ele dizia que havia se apaixonado por outra e que ela não precisava devolver a aliança. E Cristina desistira. Se o grande amor de sua vida não aceitava sua mãe, ninguém mais o faria.
E todas as noites eram iguais desde então. Cristina chegava em casa e levava sua mãe para o quarto. Abria sua caixa de email para perceber que estava sempre vazia e ia dormir. Às vezes chorava, principalmente no dia dos namorados.
No sábado Cristina acordou com o sol batendo em seu rosto. Estranhou. Não sentia o cheiro do café preparado por sua mãe todas as manhãs. Levantou-se devagar, se espreguiçando.
- Mãe? - chamou de seu quarto.
Não houve resposta. Se levantou e foi até o quarto de Dona Júlia. Encontrou um bilhete sobre o travesseiro.

Querida Cristina,
Desculpe por não ter tido coragem de te falar antes. Conheci um homem. Ele era casado, mas sua mulher faleceu essa semana e ele veio aqui hoje de manhã. Queria me levar para conhecer seu sítio. Não tenho mais idade para dizer não a ninguém. Volto na quarta-feira de cinzas.
Bom carnaval,
Mamãe

Ao terminar de ler o bilhete, Cristina não conseguia fechar sua boca. Se sentiu traída. Mas essa sensação foi rapidamente subsituída por outra: a de liberdade. Correu para o quarto e ligou o computador. Comprou a primeira passagem que encontrou para o Rio de Janeiro. Pagou uma fortuna e sabia que teria que pagar mais uma fábula de hospedagem, mas pensou, esse ano eu vejo a Mangueira entrar, nem que eu venda meu carro. Fez às malas e foi curtir o carnaval.

21.1.08

Lorena

Nome de cidade pequena
Rosto de princesa
Sorriso de fada

Seu cabelo dança ao vento
Suas mãos firmes no volante
Os olhos presos na estrada
Não percebem os meus
Te olhando, brilhando

Fala comigo e, aí sim,
Meus olhos se fartam
Da luz, tal qual a lua
Que também me hipnotiza
Me leva, me absorve

Hora de ir embora
As pessoas envolta
Desapareçam!
Eu quero captar só você
E levar comigo pra casa
Só o seu rosto
Só a sua voz
E o toque da sua mão

20.1.08

Um Beijo Roubado

Você insiste: não!
Seus olhos te traem
Sua boca te entrega

Meus braços contornam sua cintura
Puxo seu corpo pra junto do meu
Estamos pele com pele

Seu sorriso me pede
E eu te agarro forte
Te beijo, te tomo o ar

Sua língua na minha
Novos mundos, outras dimensões

17.1.08

Opostos

Júlio era do interior. Mariana morava na capital. Se conheceram no carnaval de Ouro Preto. Júlio estava indo para a casa onde estava hospedado e cruzou com Mariana descendo a ladeira. Estava muito cansado, mas a menina lhe chamou a atenção.
- Se eu fosse você voltava pra casa e ia dormir.
Ela parou e olhou para ele. Júlio havia sido tão espontâneo que ela se perguntou se já não o conhecia. Decidiu que não.
- Por que eu devo voltar pra casa?
- Por que eu estou indo dormir. Você não vai me achar lá embaixo.
Ela achou o cara meio pretensioso, mas pensou, que se dane, é carnaval. E o beijou.
Combinaram de se encontrar mais tarde. E o fizeram. Rodaram pelas ladeiras de mãos dadas, se beijaram encostados nos muros das igrejas, compraram artesanato juntos e no fim do carnaval trocaram emails. Bem, Júlio memorizou o email de Mariana já que nenhum nem o outro tinham canetas.
O carnaval acabou e voltaram cada um para o seu canto. Começaram a trocar emails diários. Mariana adicionou Júlio a sua lista de amigos no Orkut. Júlio adicionou Mariana a seus contatos no messenger. Passaram a bater papo todas as noites. Percebiam o quanto tinham em comum apesar de levarem vidas tão diferentes.
Júlio trabalhava na mercearia da família. Ia a pé para o trabalho e almoçava todo santo dia na casa da mãe, para onde também ia a pé. Quase nunca se lembrava de trancar o portão e gostava de andar a cavalo nos fins de semana.
Mariana trabalhava em uma firma de advocacia. Gastava 40 minutos para chegar até o trabalho de carro. Almoçava em um restaurante self-service e quando queria variar ia até o McDonald's. Andava sempre com o ar condicionado do carro ligado para poder fechar as janelas e se proteger da cidade. Gostava de ir ao cinema nos fins de semana.
Um dia Mariana convidou Júlio para passar o fim de semana em sua casa. Prometeu a ele que o levaria para conhecer a capital, os museus, os parques, os bares. Júlio topou.
Na primeira noite Júlio teve dificuldade para dormir. Mariana morava em um prédio alto no centro. O apartamento era bem pequeno. Fazia muito calor e o barulho que vinha da rua era intenso.
- Algum problema? - perguntou ela.
- Não. Só não tô acostumado com tanto barulho.
- Eu vou fechar a janela. É anti-ruído.
De fato, ao fechar a janela o barulho quase cessou. Talvez Mariana já estivesse acostumada por isso não havia pensado nisso antes. Mas Júlio ainda ouvia um barulhinho.
- O que é isso?
- O quê?
- Esse barulhinho. Será um grilo ou uma cigarra?
- Não. Acho que é a geladeira.
Riram e decidiram que não daria certo.

15.1.08

Homem de Areia

A duna parada. Tão grande e pesada. Imponente. Uma brisa leve. Um vento. Grãos que se movimentam. Se desgrudam do chão. Mais uma transformação. Grande ou pesado, nada é imutável.

Nem ninguém.

3.1.08

A Panela ou o Prazer

Ela estava sozinha em casa e decidiu fazer seu prato predileto: tutu de feijão. Se levantou do sofá e ainda hesitou. Pô, dá tanto trabalho. Mas resolveu que valia o esforço e rumou para a cozinha. Abriu a geladeira e viu primeiro a garrafa de coca. Encheu um copo. Estava meio sem gás, mas coca é coca. Deu uma goladinha feliz. Lembrou-se que havia feito feijão no domingo. Procurou o tupperware. Lá estava ele, o feijão, velhinho, perfeito para um tutuzinho.
Colocou a vasilhinha em cima da mesa e foi procurar os outros ingredientes: farinha para engrossar, uma salsinha, cebolinha e... não podia faltar uns pedacinhos de bacon.
Botou o feijão para cozinhar, colocou mais um bocadinho de água e deixou ferver. Pegou a estrela, velha ferramenta da cozinha mineira, e começou a esbagaçar os baguinhos.
E assim continuou acrescentando a farinha e os outros ingredientes, juntando também um pouquinho mais de tempero, de pimenta. Delícia, salivava.
Ficou pronto. Sentou à mesa e se fartou naquele banquete regando-o com coca. Depois do delicioso jantar, um cigarrinho e deitar em frente à televisão esperando o sono chegar.
No dia seguinte acordou e lembrou: a panela!
Foi até a cozinha e viu a panela seca, com os restos do tutu agarrado a ela, como um ex-amante que não pára de ligar.
O que tem que ser feito tem que ser feito. Catou a panela e colocou-a debaixo da torneira para amolecer o tutu. E esfregou e ariou e deixou tudo limpinho.
Muito trabalho? É, mas o sabor do tutu na noite anterior compensava tudo. E mal podia esperar para ter mais feijão de ontem na geladeira.
Sal e Água

Tem valor o pranto do amante? Tem sabor? O amante presente, mas sempre ausente e tão distante. Que lágrimas são essas?

Vai e chora. Derrama um rio. Eu rio. Cada gota é uma mentira. Os soluços, pura embriaguez. O seu peito não traz dor. Não traz afeto. Nem carinho. Não traz nada.

Poço vazio.
O Sonhador

O homem tinha um sonho. E sozinho ele sonhava. Só em seus sonhos soltos. Não se soltava. O sol se punha. Nada se somava. Até que, só, deu seu último suspiro. Fechou seus olhos. E sonhando se foi.