20.8.08

Navio Tumbeiro
Capítulo VIII

Gritos e um estrondo. A menina chorava em seu colo enquanto a mulher a apertava com ambas as mãos e seus olhos percorriam todo o ambiente, captando tudo, tentando compreender o que acontecia. Todos estavam encolhidos no mesmo canto. Alguns se escondiam embaixo da escada. O príncipe segurava o rapaz dos baldes à frente de seu próprio corpo com a ajuda de seu sempre fiel companheiro. O príncipe tinha uma faca em sua mão direita. Apertava-a contra a garganta do rapaz dos baldes enquanto olhava em direção à escada. Do alto da escada, o mesmo homem branco de antes, o que carregava aquele instrumento pesado, fitava o príncipe. Ele segurava o mesmo objeto de antes, mas agora segurava-o com as duas mãos. A mão direita próxima ao corpo. A mão esquerda à frente, acompanhando o comprimento do objeto. A ponta do instrumento soprava fumaça e estava apontada na direção do príncipe. O homem branco dizia alguma coisa para o príncipe. Outros homens brancos estavam no alto da escada, mas nenhum deles ia além do limite das costas do primeiro. Permaneciam às suas costas, observando por cima de seu ombro o que acontecia. Apenas aguardavam. E ele permanecia lá, no alto da escada, imóvel, segurando aquele objeto que cuspia fumaça. O rapaz dos baldes agora tentava conversar com o príncipe. Gaguejava. Implorava por sua vida. Dizia que era como ele, e apenas servia os brancos para não apanhar. Dizia que de nada adiantaria matá-lo.
A mulher colocou a menina no chão e se levantou. Ninguém disse nada. O príncipe, seu companheiro, o rapaz dos baldes, o homem branco, os homens às suas costas, a menina, os outros homens, as outras mulheres, ninguém se movia. A mulher começou a caminhar lentamente em direção ao príncipe. Ele disse a ela que não se aproximasse mais. O homem branco gritou alguma coisa do alto da escada. Mas todos mantinham as mesmas posições. Ela se aproximou mais um pouco e parou. Andava nas pontas dos pés. Não sabia por que mas não queria fazer nenhum ruído. Prendeu a respiração e virou-se para o homem branco. Ele agora apontava o instrumento para ela. Ela observava a fumaça, que agora ia se dissipando no ar. De repente, a mulher sentiu um empurrão. Era jogada ao chão pelo companheiro do príncipe. Ouviu-se outro estrondo. O companheiro do príncipe estancou na base da escada. Passou a mão no peito e depois levou-a à frente do rosto para vê-la pintada com seu sangue. Seu rosto não aparentava dor. Todos os músculos de seu rosto pareciam ter se relaxado ao mesmo tempo. Até sua boca estava entreaberta. Levantou a cabeça lentamente em direção ao homem branco. O instrumento agora produzia mais fumaça e apontava para aquele homem que parecia ter adormecido em pé de olhos abertos na base da escada. Ele se virou para o príncipe com o mesmo rosto sem expressão e a boca entreaberta. O que contrastava com a face do príncipe. Suas sobrancelhas estavam apertadas. Seus dentes se atritavam e ele apertava com mais força o rapaz dos baldes. E assim, sem emitir nenhum som, sem dizer nada, o homem tombou sobre o próprio peito. Uma poça de sangue começava a se formar embaixo daquele corpo enorme e estático. O príncipe, de súbito, largou o rapaz dos baldes e a faca e ajoelhou-se chorando ao lado daquele corpanzil. O homem branco e seus companheiros desceram correndo as escadas. Agarraram o príncipe e o amarraram a uma pilastra. Ele não lutava, não se debatia. Amarraram-no com as mãos presas acima da cabeça e começaram a açoitá-lo. Uns davam pontapés entre as pernas. Outros, socos no rosto. E iam se revezando. O príncipe apenas chorava. Mas não eram os golpes que despertavam suas lágrimas.

No comments: