1.9.08

Navio Tumbeiro
Capítulo IX

Uma demonstração do que eles seriam capazes de fazer. O príncipe ainda estava de pé, mas não sobre as próprias pernas. As amarras que prendiam seus pulsos acima de sua cabeça impediam que seu corpo desabasse de vez. No lugar das lágrimas de antes, agora a única coisa que escorria pelo seu rosto magro e pela barba mal aparada era a cor vermelha de seu sangue. Seu olho esquerdo estava muito inchado.
Os homens subiram a escada e a porta os trancou do lado de fora. Algumas pessoas começavam a se movimentar. Uns iam para perto do enorme corpo sobre a poça de sangue. Outros iam até o príncipe e o olhavam espantados, levando a mão à boca e murmurando baixinho uns para os outros.
A menina chorava baixinho num canto. A mulher foi até junto dela e a abraçou. As duas choravam juntas. Um choro de menina e um choro de mulher.
A porta do alto da escada se abriu novamente. Colocaram um balde daquela papa branca no topo e o chutaram escada abaixo. A papa foi se espalhando pelos degraus sujos. Colocaram também um único balde com água lá no alto, mas não o chutaram. Em seguida, fecharam a porta mais uma vez.
A menina ainda chorava, mas a mulher a colocou no chão. Beijou seus olhos e pediu que não os abrisse. Levantou-se enxugando as próprias lágrimas e foi até o príncipe. Se deteve a alguns metros, como os outros faziam. Não conseguia dizer se ele estava apenas desacordado ou se também havia... Respirou fundo e chegou mais perto. O chamou. Ele não se moveu. Ela se aproximou um pouco mais e percebeu o peito do homem se mover lentamente. Mais uma lágrima escapulia do olho esquerdo da mulher.
Ela então subiu a escada correndo e trouxe o balde d'água para baixo. Rasgou um pedaço dos farrapos que suas vestes tinham se tornado e o umedeceu. Levou-o até a testa do príncipe e começou a limpá-lo. Passava com muito cuidado aquele pedacinho de pano úmido que rapidamente se tingia de vermelho e a obrigava a molhá-lo novamente no balde. Torcia-o e continuava a limpar o rosto do príncipe. Os olhos do homem se abriram lentamente. Ele olhava para ela. Ela interrompeu seu trabalho. O olhou de volta.
Ele abriu a boca muito lentamente e ela pode perceber que um de seus dentes da frente não estava mais lá. Ele disse com muita dificuldade que sabia quem ela era e que conhecera seu marido. Então acrescentou, entre esforços, que ele havia sido morto.
A mulher caiu a seus pés chorando.

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