17.11.08

Rádio Táxi

Andava por perto da Santa Casa procurando um táxi. Achou um ponto, mas não havia nenhum carro. Apesar de já ser quase madrugada, havia ali um homem trabalhando num desses carrinhos onde se encontra todo tipo de guloseima e cigarros do paraguai vendidos "picados".
-- Boa noite, o senhor sabe onde tem um ponto de táxi aqui por perto?
O homem do carrinho fritava uma salsicha. Com a espátula que usava para girar os cilindros de carne apontou para o ponto de táxi do outro lado da rua.
-- Ali tem um, ó. 
-- Ah, então aquele ali ainda tá funcionando.
-- Tá, sim. Espera um pouquinho que já já chega um.
Ao virar-se para atravessar a rua, percebeu que não seria necessário ir até o ponto de táxi. Um Santana branco se aproximava e não parecia carregar nenhum passageiro. Levantou o braço direito e o veículo encostou.
-- Amigo, quanto custa uma corrida até o Shopping Santa Cruz?
O motorista, um senhor beirando os 60 anos, mascava um pedaço de palito de dente. Em tom profético, olhando através do pára-brisa, como se a rua à sua frente lhe mostrasse a resposta, disse:
-- Ah, vai chegar nums 30, 35, viu?
O rapaz havia calculado mal. Havia estimado que a corrida não sairia por mais de 25 reais. Mas não havia outra opção. O metrô só abriria novamente depois das 4. Entrou no carro.
Observou que o Santana aparentava mais idade do que certamente tinha, assim como seu motorista, que agora checava com o rapaz o melhor trajeto até o shopping. O rapaz se sentiu reconfortado. Sempre se sentia desconfortável em sugerir aos taxistas o trajeto. Sabia que isso era necessário, pois nem todos os taxistas eram honestos. Assim, se não mostrasse conhecer a cidade, corria o risco de dar voltas desnecessárias. Ao mesmo tempo, nem todo taxista era desonesto. Dessa forma, comentar sobre o trajeto preferido poderia ofender o profissional.
Enfim, sentiu-se muito reconfortado por não ter que fazer aquela dolorosa escolha (entre comentar sobre o trajeto ou não). Tão reconfortado que resolveu puxar papo.
-- E aí, o Santanão é bom mesmo?
O taxista segurava o volante com a mão esquerda enquanto o Santana, sem reclamar, subia a 23 de Maio ultrapassando todos os poucos carros que faziam o mesmo trajeto, inclusive cortando pela faixa da direita. Com a outra mão, ele segurava o pedaço de palito de dente, já bastante mastigado.
-- Ééééé... Ele tá é muito judiado. Já rodei mais de 500 mil com ele. -- com gesto súbito olhou para o rapaz, segurando o palito entre o dedo médio e o dedão, enquanto pronunciava, com o dedo indicador em riste -- Mas nunca abri o motor dele.
-- E bebe muito?
O taxista agora sorria gostoso, mostrando os dentes.
-- Olha, se você dá partida no carro, ele já tá bebendo. Aí, tem gente que diz que aquele carro bebe mais do que esse, mas é o motorista, ué? Eu não quero nem saber. Enfio o pé.
-- Não fabricam mais, né?
-- Não.
-- Mas é um carrão, né?
-- Ah, é. Mas carro grande, também, tem que meter logo um gás. Se você comprar um carro grande, mete logo um gás. É a primeira coisa. Eu vou pegar uma Zafira agora.
-- E vai por gás?
-- Vooooooou...
Ficaram por alguns segundos em silêncio. O rapaz, um tanto quanto confuso, apreciava o estado lastimável do Santana, ao mesmo tempo que admirava o silêncio e a força do motor. O taxista então disse:
-- Sabe que eu tinha uma fuqueta 66? E eu colocava óleo diesel? -- agora ele gargalhava -- E ele andava! Eu não tinha dinheiro pra pôr gasolina. Então punha óleo diesel, ué? E as minas pagavam mó pau praquela fuqueta. Sabe que uma vez eu fui prum putêro lá em Viracopos com um amigo meu? Ele já morreu. Deixou uma bucetona duma mulher, rapaz. Até hoje sou doido pra comer a mulher dele. Sabe que foi assim: ele foi dormir e não acordou mais?
-- Infartou?
-- Sei lá. Só sei que a mulher dele acordou e ele tava lá durinho.
-- Bom, deve ser melhor, pra quem vai, morrer assim do que ficar sofrendo, doente.
-- É. Cê vê minha mãe. Um dia me deu um negócio e eu resolvi que tinha que ir na casa dela. Cheguei lá e ela tava lá vendo televisão. Ela gritou lá de dentro: "o portão tá só encostado". Eu entrei e pediu pra eu pegar um copo d'água pra ela tomar o remedinho dela. Fui na cozinha e quando voltei ela tava lá durinha.
-- Foi tranqüila, então?
-- Tranqüila. Já meu sogro... Entro na Botucatu?
-- É. Eu não vou no shopping mesmo não. Vou ali perto do Hospital São Paulo.
-- Ah, tá. Eu sofri pra caralho com meu sogro. Aquele cara era legal pra caralho. Mas sofreu pra burro, porra! Ficou no hospital e falava: "pô, cê vai me largar aqui? eu quero ir pra casa!" Mas, porra, o que eu ia fazer, caralho?! Eu falava pra ele que ele tava no hospital. Ali tinha uma equipe médica pra cuidar dele, porra. Aí, morreu. E aí vai falar que não cuidaram dele. Porra, caralho, ele tinha uma equipe médica cuidando dele. Se foi, era por que era pra ir, caralho. Mas ele era legal pra caralho. Chegamos.
Encostou o carro e conferiu o taxímetro. 
-- Aí, nem deu 30. Deu 26, olha aí ó!
-- É, e eu acho que tenho até trocado. Aqui.
-- Aí é bom, né? Valeu. Precisando é só chamar. Tamo sempre por lá.
O rapaz agradeceu e fechou a porta. O carro arrancou devagar e entrou à direita na Pedro de Toledo.

1 comment:

claudia said...

q legal...
:D