23.7.08

Navio Tumbeiro
Capítulo V

A mulher se aproximou do grupo que velava a morta. Reconheceu alguns dos que ali estavam. Não sabia seus nomes, mas lembrava-se de já tê-los visto. Além dos que reconhecia, os outros ali também pareciam ser de sua terra. Observava isso pela maneira como velavam a morta. Obviamente, alguns dos rituais não poderiam ser obedecidos uma vez que aquelas pessoas não tinham acesso a nenhum instrumento, e muito menos liberdade para se locomoverem. Tudo o que tinham era o que cada um tinha: a companhia dos outros. Desde a criança órfã até o príncipe, ali a única riqueza ou privilégio era a voz e o toque do outro. E de repente parecia aquilo tão caro, tão importante. A mulher abraçava a irmã da morta. A menina também. Depois vieram o princípie e aquele homem que sempre o acompanhava. E por fim todos aqueles que dividiam aquela cela vieram demonstrar apoio à irmã da morta: alguns abraçavam, outros apenas seguravam sua mão por um tempo, outros meneavam a cabeça. E iam ficando por ali. Todos próximos.
Antes de anoitecer novamente, o rapaz dos baldes retornou. Não vinha sozinho. Tinha um ajudante. Ambos usavam muitas vestes que lhe cobriam as mãos e os braços, a boca e o nariz. O rapaz se dirigiu à irmã da morta. Disse-lhe que precisava levar o corpo. Ela quis protestar, mas o princípe a conteve dizendo alguma coisa a seu ouvido e abraçando-a. Nem o princípe nem o seu acompanhante tiravam os olhos do rapaz. Com a ajuda do outro homem de corpo coberto, o rapaz levou embora o cadáver. A irmã da morta chorava baixinho enquanto a luz ia diminuindo avisando aos viajantes que mais um dia se acabava.

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