16.12.08

A Correntinha

Encontrou aquela correntinha no meio da mudança. Era dourada, mas qualquer um perceberia que não era ouro. Sem valor algum. Financeiro. Mas como era cara naquele contexto. Quanta lembrança, quanta história.
Deixou-se levar por tudo aquilo. Mergulhava do alto e penetrava aquele mundo onde tudo era perfeito: o passado. Tudo o que vivera, tudo o que sentira, as coisas se encaixavam com tanta perfeição. O mundo parecia mesmo fazer sentido. Acreditava que havia chegado ao final da jornada. Havia alcançado o que havia de mais valioso, de mais importante. De fato, acreditava que tinha nas mãos a única coisa que de fato possuía algum significado.
Porém, escorregara, se desequilibrara. Que tombo. E tudo aquilo se tornou o que era aquela correntinha: uma lembrança de um tempo muito longe e feliz.
Viu-se em um dilema: guardá-la ou não?
Não precisou muito tempo para perceber que o certo seria jogar tudo fora.
Por razões e vontades que, embora compreendesse, não aceitava, as coisas estavam como estavam. E o fato de não aceitá-las, só prolongava seu sofrimento, tornando tudo aquilo, antes imaculado e lindo, em dor e mágoa. Guardar a correntinha mantinha vivo aquele sonho implausível concreto, real, mas inativo, congelado. 
Arremessou-a o mais longe que pôde dentro do mar escuro espalhado à sua frente. E em poucos segundos, a sua própria presença ali era comprovada apenas pelas partículas de poeira que dançavam no ar, deixadas para trás pelos pneus. 
E o vento continuava a soprar, a balançar o oceano. Os pássaros continuavam a voar pela orla. E a areia continuava a se deixar lamber pela língua branca e salgada do mar.
E mesmo aquelas partículas de poeira em mais alguns poucos segundos se assentariam, transformando qualquer lembrança de sua estada ali em nada. 

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