A Correntinha
Deixou-se levar por tudo aquilo. Mergulhava do alto e penetrava aquele mundo onde tudo era perfeito: o passado. Tudo o que vivera, tudo o que sentira, as coisas se encaixavam com tanta perfeição. O mundo parecia mesmo fazer sentido. Acreditava que havia chegado ao final da jornada. Havia alcançado o que havia de mais valioso, de mais importante. De fato, acreditava que tinha nas mãos a única coisa que de fato possuía algum significado.
Porém, escorregara, se desequilibrara. Que tombo. E tudo aquilo se tornou o que era aquela correntinha: uma lembrança de um tempo muito longe e feliz.
Viu-se em um dilema: guardá-la ou não?
Não precisou muito tempo para perceber que o certo seria jogar tudo fora.
Por razões e vontades que, embora compreendesse, não aceitava, as coisas estavam como estavam. E o fato de não aceitá-las, só prolongava seu sofrimento, tornando tudo aquilo, antes imaculado e lindo, em dor e mágoa. Guardar a correntinha mantinha vivo aquele sonho implausível concreto, real, mas inativo, congelado.
Arremessou-a o mais longe que pôde dentro do mar escuro espalhado à sua frente. E em poucos segundos, a sua própria presença ali era comprovada apenas pelas partículas de poeira que dançavam no ar, deixadas para trás pelos pneus.
E o vento continuava a soprar, a balançar o oceano. Os pássaros continuavam a voar pela orla. E a areia continuava a se deixar lamber pela língua branca e salgada do mar.
E mesmo aquelas partículas de poeira em mais alguns poucos segundos se assentariam, transformando qualquer lembrança de sua estada ali em nada.
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