1.12.07

Malditos Sapatos

Lucas se levantou naquela segunda-feira muito calmo. Não havia marcado nada para aquela manhã. Era muito bom poder se levantar sem a sensação de estar perdendo a hora. Começou a visualizar todo o seu dia, as tarefas que o aguardavam.
Escovou os dentes e pegou o primeiro par de sapatos que alcançou dentro de sua sapateira. Sentou na beirada da cama para colocá-los e os sentiu apertar.
- Ah, vai esse mesmo!
Indo para a cozinha, começou a ficar agitado, topou o joelho contra a quina do sofá.
- Caralho!
Teve que se sentar para se recuperar da dor. Nem bem colocou a bunda no sofá, deu um salto. Tô perdendo tempo, pensou. E foi para a cozinha.
Sacudiu a garrafa de café e viu que havia sobrado um pouco do café feito no dia anterior. Posso esquentar com o leite no micro, resolveu. Pegou uma caneca e colocou um pouco de leite. Depois pegou a garrafa de café e completou a caneca com...
- Água! Que porra é essa?
Só então se lembrou que havia colocado água na garrafa na noite anterior, uma mania herdada do avô que dizia ser bom para manter a garrafa limpa. Desistiu do café. Pegou o paletó e desceu para a garagem.
Dentro do carro, andou cerca de 500 metros e empacou: o trânsito. Não conseguia parar de olhar para o relógio. A mão apertava a buzina freneticamente. Resolveu dar uma checada no visual. Ajustou o retrovisor em direção ao rosto:
- Cacete! Esqueci de fazer a barba.
Um hora depois, Lucas já estava na frente do computador. Lia e relia relatórios. A fome apertou. Resolveu tomar um café. Encontrou com Cibele no caminho para a máquina.
- Olá!
- Oi. Tudo bom? - ele disse sem olhar de verdade para Cibele.
Não que ele precisasse olhar para se lembrar do quanto seu rosto era perfeito, assim como seu corpo.
Cibele o seguia até a máquina de café e falava algo sobre o que havia feito no fim de semana, mas Lucas não a ouvia. Conseguia apenas ouvir seu estômago roncando e sentir o sapatos apertarem seus pés. Esperou a máquina encher seu copo e, desatento, se virou e acertou com o copo o corpo de Cibele.
- Caracas! Desculpa, por favor.
- Tá tudo bem. - ela disse fria, e foi para o banheiro se limpar.
Decidiu que o melhor a fazer era se sentar e esperar o dia passar. Assim, pelo menos os pés descansavam.
O escritório estava em reforma e haviam várias caixas sobre as mesas. Até o computador de Lucas teve que ser reposicionado para dar espaço para algumas caixas. Lucas era obrigado a se sentar meio de lado na cadeira para alcançar o teclado e precisava digitar vários relatórios. Com menos de meia hora teclando seus pulsos já doíam.
No fim do dia, Lucas, aliviado e cansado, tirava o paletó da cadeira para ir embora. Na entrada do elevador ainda se esbarrou com Solange, a gordinha espaçosa que trabalhava no almoxarifado.
- Oi pra você também.
- Foi mal.
Solange simplesmente grunhou e seguiu seu caminho. Lucas mal podia esperar para chegar em casa.
Dentro do escritório, Lucas nem percebia se era dia ou noite, e agora saindo do prédio, tinha uma grande surpresa: chuva. Mas não uma chuvinha qualquer, um pé d'água. E, claro, Lucas não havia pegado seu guarda-chuva.
- O jeito é correr. - e disparou.
O carro de Lucas ficava estacionado em um estacionamento a uns 500 metros do prédio onde trabalhava. Lucas corria, mas seus pés doíam a cada passo.
Finalmente, chegou ao carro. Tirou o paletó e a gravata. Tirou a camisa e colocou-a sob sua bunda para evitar molhar mais o assento. Tirou os sapatos e sentiu o alívio. Sorriu. Girou a chave na ignição, e, antes de sair do estacionamento, parou ao lado de um contêiner de lixo. Abriu a janela, jogou os sapatos dentro do contêiner, fechou a janela, ligou o rádio e foi embora cantarolando.

1 comment:

Joana M.Eleutério said...

Essa aqui oarece uma homenagem aos meus pezinhos tão doloridos...
Beijos cheios de saudade.