17.12.07

Esperando

Raquel havia decidido usar seu horário de almoço naquele dia para ir ao banco. Havia recebido um bônus do escritório por ter sido escolhida a funcionária do mês. A grana extra, e inesperada, era muito bem vinda. Porém, Raquel reavaliava se era mesmo uma boa idéia trabalhar desse jeito. Ela estava agora à frente de 3 projetos no escritório, trabalhando com 5 equipes diferentes. Ela nem conseguia conversar com suas equipes pessoalmente. Tudo era feito via e-mail. Assim como fazia com seu marido e suas duas filhas. Precisava acreditar que aquele esforço compensava, mesmo não tendo tempo de fazer as unhas e pintar os cabelos. O problema era entrar no elevador, a única hora em que se via no espelho, e perceber os fios grisalhos, como penetras em uma festa: poucos, mas insistentes.
O bônus havia sido pago em cheque e Raquel pretendia usar sua quase uma hora de almoço para sacar o dinheiro e depositar a grana em sua conta. Não queria esperar os dois dias que o cheque demoraria para ser compensado. Raquel não esperava nem elevador. Quantas vezes já não havia subido, ou descido, os 8 andares do escritório só para não ficar parada. Além disso, aquilo dava a ela um certo alívio, deixava sua consciência mais tranqüila: estava se exercitando.
Por volta de uma da tarde, Raquel pegou sua bolsa e, já que o elevador estava em seu andar, não desceu pelas escadas. Ao chegar no térreo o acensorista lhe disse que precisava sair do elevador ali. Havia uma suspeita de vazamento de gás no subsolo, onde ficava a garagem, e o único jeito de chegar até seu carro seria passando por fora do prédio e entrando pelo portão automático por onde entravam os veículos.
- Conversa com o segurança na saída do prédio. Ele abre o portão pra senhora entrar na garagem.
Raquel passou rapidamente pela mesa onde ficavam os dois seguranças responsáveis pelo controle de entrada de pessoas no prédio. Eles disseram a ela que assim que a avistassem no monitor, abririam o portão. Raquel pensou, vou ter que esperar esses dois me perceberem lá. Pensou que perderia preciosos segundos.
Ao chegar ao início da rampa que descia para a garagem, percebeu como ela era íngrime. De dentro do carro não se notava. Percebeu também que um carro acabara de sair da garagem e o portão começava a se fechar. Se eu correr, eu pego o portão aberto, pensou.
A distância entre o início da rampa e o portão era só de uns 50 metros. Mas a inclinação e o fato de estar calçando sapatos de salto alto talvez houvessem desencorajado outras pessoas. Mas não Raquel. Partiu numa corrida cambaleante enquanto o carro subindo a rampa piscava os fárois enquanto subia em sua direção. Raquel desviu-se do retrovisor com muita agilidade enquanto soltava um sonoro palavrão. Quase em frente ao portão percebeu que a abertura não seria suficiente para sua altura. Então, fez o impensável: se jogou no chão e rolou por baixo do portão enquanto ele se fechava.
Seus joelhos ardiam muito, assim como as palmas de suas mãos. Seu sapato direito estava a uns 5 metros de seu corpo e a alça de sua bolsa havia se rasgado. Se levantou batendo as costas das mãos contra a saia, antes branca e agora coberta por uma poeira negra.
Como sempre fazia, passou direto pelo manobrista com um simples aceno de cabeça. Não conseguia esperar que ele buscasse o carro. Dessa vez, no entanto, percebeu que ele se segurava para não rir após assistir àquela cena digna de um filme de ação.
Entrou no carro e nem precisou esperar pelo portão. Já havia sido aberto.
A uns 16 quarteirões dali estacionou o carro. Estava, finalmente, em frente ao banco. Desceu um pouco atrapalhada. Pensava na reunião que teria às 2 horas e imaginava se sua secretária teria se lembrado de todos os preparativos.
Ao entrar no banco, percebeu que a fila estava bem curta. Fez o sinal da cruz. Porém, ao colocar a mão dentro da bolsa, notou que o cheque não estava lá. Lembrava-se de ter colocado ele dentro da bolsa. Estava solto, mas estava dentro da bolsa. Não tinha tempo para conjecturar, decidiu passar na padaria da esquina e comer uma coxinha. Não podia mais perder tempo.
Ao chegar de volta ao estacionamento do escritório e parar o carro, o manobrista veio a seu encontro:
- A senhora deixou cair esse cheque e esse batom quando deu aquele rolamento ninja na entrada da garagem.
- Ah, obrigado!
E foi para o elevador, agora liberado, meio enrubescida. Decidiu que participaria da reunião e sairia imediatamente para pegar o banco ainda aberto. Daria tempo.
Como havia planejado, houve tempo para a reunião e ainda para um bate-papo rápido com seu chefe sobre algumas coisas que ainda precisavam ser acertadas. Saiu rapidamente e em menos de 15 minutos estacionava na porta do banco novamente.
Para a sua satisfação, a fila ainda estava bem curta e foi atendida antes de completar a segunda ligação para sua secretária. Pegou a grana e foi se dirigindo para a porta. Assim que passou pela porta, um rapaz se aproximou:
- Moça, a senhora tem horas?
- Quatro e quinze.
- Hora de passar a grana pra cá.
Raquel não acreditava naquilo. Depois de todo o sacrifício para tirar o maldito dinheiro vinha uma filho da puta e a roubava. E o cara nem tinha se dado ao trabalho de esperar na fila.
Pensou em todo o tempo que havia gasto nos projetos, no tempo que poderia ter passado com sua família, nos dois anos seguidos sem férias.
Decidiu conversar com seu chefe. Tiraria férias assim que concluísse seus projetos. Sem desculpas, sem adiamentos.
E tinha que falar com ele agora. Não podia esperar mais nem um segundo.

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