13.3.09

O Último Cigarro

Deitado, respirava com dificuldade. Suas mãos agarradas àquela caixa de sapato. Sabia que não escaparia dessa e agora já nem se preocupava mais. Afinal, não restara ninguém. Tudo o que sobrara de todos aqueles que importavam estava naquela velha caixa de sapato. As fotos, as cartas... As cartas! Havia mais de 20 anos que não recebia uma carta. O envelope chegando com seu nome escrito à caneta. Não era necessário ler o remetente para saber quem o enviara. Costumava sentir seu peso, cheirá-lo e então guardá-lo. Abrir o envelope merecia toda a sua atenção, um acontecimento a ser saboreado. Chegava então do trabalho. Sua mulher terminava de preparar a janta enquanto ele tomava aquele banho frio. Um santo remédio. O havia curado da asma. Maldito cigarro! Bendito cigarro! Se não houvera parado de fumar, não teria sido deixado pra trás com aquele maldito enfisema. Abrir mão daquele prazer... Pra quê?!
As mãos fraquejavam, tremiam e ele tateava o interior da caixa buscando o velho fósforo de cartela. Guardara-o por 60 anos, desde sua lua-de-mel. Usara apenas um dos palitos. Ofegante, abriu a gaveta do criado mudo e encontrou atrás da bíblia o maço de cigarros que roubara do enfermeiro no dia da internação. Com alguma dificuldade, contando com a ajuda do ar parado do quarto, conseguiu acender um cigarro na primeira tentativa. Se sua mulher pudesse vê-lo agora... Ela certamente se transformaria em uma onça. Talvez o agredisse com tapas, com socos, com palavras. Chamaria todos os enfermeiros e médicos daquele hospital. Ligaria para os filhos e netos. E quando finalmente conseguisse a atenção de todos, choraria muito. E como era linda quando chorava! Ele sempre dizia que queria morrer primeiro para vê-la chorar em seu enterro. Que bobagem!
Uma crise de tosse violenta. Seu corpo pulava em cima da cama descontrolado. A caixa de sapato jazia no chão. De repente, a calma. E os bipes daquela máquina maldita deram lugar a um interminável apito anunciando o esperado fim.

1 comment:

Anonymous said...

..E chega a tão esperada e não desejada morte. Essa deve até ser desejada quando já não há mais esperança.
Não sou a pessoa ideal pra falar de morte.
Pra mim ela não passa de uma cretina covarde que me ronda, me cerca, me sonda e me ameaça mas sem a mínima coragem de me matar.
lv u