25.11.07

Epifania Feminina

Fernanda estava exausta depois de mais um dia de trabalho. Horas e horas em uma reunião que não chegava a lugar nenhum. Ia pensando em todas as providências que deveria ter tomado naquele dia, mas que simplesmente não tomou. E era ainda mais agonizante ter que pensar tudo isso dentro de um carro parado, agarrado em uma avenida de 3 pistas, mas que, por algum tipo de fenômeno, simplesmente não fluía. Decidiu acender um cigarro e ligar o rádio. Quem sabe assim conseguiria esquecer um pouquinho de tudo aquilo.
Mas às primeiras notas da canção, veio a lembrança:
- O teste! - gritou tão alto que o casal que se beijava no carro ao lado parou pra assistir.
Fernanda vinha tentando ter o primeiro filho há alguns meses. Ou pelo menos era isso que ela dizia pra quem perguntava do assunto. Na verdade, contados 14 meses. Começava a se preocupar. Na semana anterior havia estado em um laboratório para tentar descobrir afinal se havia algo errado com ela ou não. Mas, obviamente, com a cabeça cheia de coisas como estava, havia esquecido completamente de passar no laboratório para buscar o resultado. Conferiu as horas no painel do carro.
- Merda!
Já não daria mais tempo de voltar. E mesmo que desse tempo, o trânsito não permitiria. Desistiu. Amanhã eu pego, pensou ela.
Quase 40 minutos e muitas buzinadas depois, ela segurava o controle remoto para abrir o portão da garagem. Alguma coisa a fazia hesitar. Pensava que o Beto lhe perguntaria pelo exame. Ela conseguia visualizar toda a cena antes mesmo de ela acontecer. Ela entraria na sala e ele estaria jogado no sofá assistindo a reprise do jogo entre o time A e o time B. Ele explicaria que aquele jogo era decisivo para o time C e pediria a ela uma cerveja. Enquanto ela fosse buscar a cerveja, ele perguntaria sobre o exame e, antes que ela pudesse responder, o celular dele tocaria e ele iria para a sacada conversar com algum amigo em tom bem alto para que todo o prédio pudesse ouvir.
Não sei se quero entrar, refletiu. Engatou uma ré e saiu sem rumo. Não sabia direito onde queria ir ou o que estava fazendo. Simplesmente dirigia. De repente, o celular. Era o Beto.
- Oi.
- Onde cê tá?
- Tô com as meninas. - foi a primeira coisa que pensou - a Laura tava precisando conversar um pouco.
- Ah... tudo bem, então.
Ele nunca questionava e Fernanda imaginava se ele ao menos escutava o que ela dizia. Conversar com as meninas, ela pensava, nem sei qual foi a última vez que tivemos tempo pra isso. De fato, Fernanda e suas amigas andavam meio afastadas. Era dificílimo conseguir se encontrar com uma delas, imagine com todas. Deu de ombros. Virou o carro e foi pra casa. Quando chegou, encontrou Beto dormindo no sofá. Foi pra cama e dormiu com a mesma roupa que havia ido para o trabalho.
Na manhã seguinte, Beto já havia saído quando ela levantou. Tomou um longo banho e foi para o trabalho repetir tudo outra vez sem, outra vez, alcançar os objetivos que tinha em mente. Exatamente às 4 da tarde deixou o escritório. Dessa vez não esqueceria o teste.
Depois de enfrentar o dissabor das ruas, chegou ao laboratório. Alguns minutos de espera e finalmente o resultado estava em suas mãos. Estava paralisada. Não conseguia abrir o envelope.
Ligou para Angélica:
- Angélica, tá ocupada?
- Não, pode falar.
- Tá em casa?
- Tô.
- Vou praí.
Ao entrar no apartamento de Angélica já foi lhe entregando o envelope:
- Abre pra mim. Não consigo.
- Calma, menina. - enquanto falava, Angélica rasgava a lateral do envelope.
- E aí?
- Relaxa, tá tudo certo com você.
- Como assim? Me dá aqui esse treco.
Fernanda olhava e não conseguia entender. 14 meses tentando e nada. Agora com o teste na mão sua cabeça entrava em parafuso. Angélica filosofou:
- Cê já parou pra pensar que o problema pode ser o Beto.
- Será? Mas ele é tão saudável. Eu é que sou sedentária e fumo e não durmo direito.
- Cê tá viajando. Acho que cê devia conversar com ele.
- É.
Fernanda saiu da casa da Angélica mais confusa e amedrontada do que chegara. Como falaria disso com o Beto? Como ele aceitaria? Não conseguia prever a reação dele. Não conseguia prever a sua própria reação à reação dele. E aí resolveu.
Entrou em casa, desligou a TV e disse:
- Beto, acabou.

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