19.11.07

Quem Pode Mudar?

Ricardo abriu os olhos e viu Gabriela se preparando para sair. Estava linda, como em todas as manhãs.
- Já acordou? - ela sorria pra ele. - volta a dormir. Você só tem que trabalhar de tarde.
- Mas eu queria fazer o café pra você.
- Não precisa, bobo. Volta a dormir.
Virou-se de lado, fechou os olhos e sonhou.
Um velho barbudo e fedido olhava bem no fundo de seus olhos e dizia:
- Você não vai mudar. Ela não vai mudar. Ninguém muda. Ninguém!
Acordou assustado.
- Caralho! Já são meio-dia!
Vestiu a calça correndo, tomou uma xícara do café que Gabriela havia feito, obviamente, frio, escovou os dentes, e saiu. Antes de chegar na garagem, percebeu que havia se esquecido da chave do carro.
Meia hora depois estacionava na porta do Diário Metropolitano, onde trabalhava fez ou outra como repórter free lancer. Ao descer do carro apertou o dedo na porta.
- Merda de carro!
A redação estava às moscas. Ricardo avistou o Seu Gildo num canto trocando o garrafão de água.
- Cadê todo mundo?
- Tá todo mundo na Praça Central. Cê num ficô sabendo?
- O quê?
- O prefeito foi assassinado.
Ricardo morava a menos de 50 metros da Praça Central, onde pela manhã ocorreria a inauguração de uma estação do metrô. Ele havia pensando em se levantar mais cedo e tirar umas fotos, mas isso qualquer um faria, havia pensado. E vários qualquer-uns estariam agora se aglomerando para fotografar o prefeito estendido no chão sob a poça de seu próprio sangue.
- Ricardão! - era o Daniel, o estagiário - ficou sabendo da última?
- O prefeito morreu, né?
- Não, pô! Vai rolar um campeonato de futebol na quadra velha da rua de baixo.
- Sério? Quem tá montando time?
- Eu, pô!
- Putz! posso entrar ainda?
-Pô, cara, o time tá completo. Fechamos ao meio-dia com o Seu Gildo.
- O Seu Gildo tá no time e eu não?!
- Ué, cara, cê num tava aí...
Ricardo amassou o copo que estava em sua mão e tentou acertar o cesto de lixo. Sem sucesso.
- Merda!
Uma hora mais tarde encontrava Silas no bar do Tonhão, próximo a Praça Central.
- Cara, se eu tivesse chegado aqui há umas 6 horas atrás...
- O que cê tava fazendo?
- Dormindo.
- Pode crê. Vamo tomá uma. Esquece isso aí.
Por volta da meia-noite, Ricardo tentava encaixar a chave na fechadura da porta sem fazer barulho. Sem sucesso. Estava tão bêbado que não percebera que a chave em sua mão era, na verdade, a chave do carro. Entrou no apartamento e percebeu que não havia ninguém. Então se lembrou. Era aniversário da mãe de Gabriela e eles haviam combinado de jantar.
- Merda!

Ricardo abriu os olhos. Gabriela se vestia em frente ao espelho. Não sorria mais. Havia engordado e parecia muito cansada.
- Volta a dormir. O prefeito já foi enterrado.
Ricardo virou-se de lado e sonhou. Um velho repetia:
- Ninguém muda! Ninguém!

4 comments:

Anonymous said...

Hoje, estava folheando A BELA E A FERA (contos) e pensei que você iria escrever contos muito bem. Legal viu. Gostei da Estréia. Vá escrevendo e futuque os concursos literários. De repente, sua estrela vai brilhar ainda mais. Beijos.

Anonymous said...

"Porque a frase, o conceito, o verso (e, sem dúvida, sobretudo o verso) é que pode lançar mundos no mundo" (Ceatano Veloso)

Felipe said...

muito bom, realidade nua e crua. já leu Rubem Fonseca?

abraço

Bruno Guima said...

Adoro Ruben Fonseca...