16.4.17

Rio

A proposta foi desenhada numa mesa de bar da Rua do Ouvidor. Jessé, Raul e eu tomávamos umas cervejinhas quando ele teve a ideia. O Raul propôs que a gente escrevesse alguma coisa sobre aquela rua. Inicialmente ele queria era rodar um filme de ação ali. Um filme que envolvesse perseguição, tiro, porrada e bomba. Achei ótima a ideia por que as ruas ali são todas estreitinhas. Ia ser uma coisa meio James Bond / Jason Bourne. Mas não temos os meios para executar essa ideia.
Aí surgiu a outra, do texto.
Não lembro agora se seria uma crônica, um conto, uma poesia... Mas levando em conta nossas personalidades libertinas, imagino que vale tudo. E comecei a escrever esse texto com cara de diário.
A Rua do Ouvidor representa muito bem o Rio de Janeiro. Principalmente num sábado à tarde, rolando um sambinha. O que é que a Baiana tem? Não sei. Mas o que é que o Rio tem que agrada tanto a gregos quanto baianos? Sei algumas coisas.
Na Rua do Ouvidor, você vê prédios centenários convivendo harmonicamente com os modernos prédios de escritórios à sua volta. É difícil explicar como ou por quê essa harmonia acontece. Mas ela acontece. Até essa mistura fica bonita no Rio.
Então o texto na verdade vai se transformar numa digressão sobre a Cidade Maravilhosa.
Por que o Rio, assim como a Rua do Ouvidor, provoca esse encanto nas pessoas? Tive a oportunidade de vir com pessoas diferentes em momentos diferentes à cidade. E nunca falha. Todos querem ficar mais tempo. Alguns iniciam os planos de mudança definitiva.
Acho que a música brasileira, em particular, mas também outras formas de arte, desde a pintura até o cinema, têm uma culpa muito grande no cartório. O Rio é pintado, fotografado e cantado inúmeras centenas de vezes. Isso encanta principalmente aqueles que não o conhecem. Quem vem pela primeira vez, já vem de abraços abertos como o Cristo.
Mas por que foi o Rio essa cidade tão cantada e tão pintada?
Imagino que a beleza natural da região nos dê alguma pista. Os pontos mais populares, o Corcovado, o Pão de Açúcar, são realmente um cenário deslumbrante. Mas se você tiver tempo e sair andando por aí, vai ver que não se resume a isso. Cito a praia da Macumba no Recreio dos Bandeirantes, um bairro afastado do centro que raramente é lembrado pelos turistas, que normalmente se aventuram até a Barra (que merece esse parênteses pra ser criticada: provavelmente o lugar mais sem graça e sem charme do Rio. Dá a impressão de nem estarmos no Rio. Até o mar lá é chato, raso e sem onda.). E se continuar seguindo no sentido sudoeste do Recreio em frente ainda tem a Prainha e a Restinga da Marambaia... É muito lugar bonito muito perto um do outro.
Mas existem outros lugares maravilhosos graças à natureza assim. O litoral norte de São Paulo, por exemplo. Subindo no sentido norte pela BR 101, depois que acaba Bertioga, é uma praia paradisíaca atrás de outra.
Aí a vantagem que eu imagino que o Rio leva é explicada pela história. Desses lugares maravilhosos, a região do Rio foi uma das primeiras a ser exploradas. No Litoral Norte de SP, por exemplo, a Serra do Mar dificultava muito as coisas. Até hoje dificulta. As cidades não têm espaço para crescer e o acesso ao centro do continente também não é nada fácil.
Chego à conclusão de que o acaso teve um papel determinante no encanto que o Rio exerce hoje. E essa participação do acaso deixa tudo ainda mais romântico.
Por acaso a região do Rio começou a atrair gente de toda parte e foi enchendo, enchendo até quase estourar, mas não estourou (como tenho a impressão que deve ter acontecido com a Terra da Garoa: dá a impressão de um cenário pós-apocalíptico). Mas o Rio encheu. Encheu muito. Essas ruas estreitinhas não estão só no Centro. Os bairros residenciais da zona sul todos têm esses recantos, de ruinhas apertadinhas, onde vive muita gente, com muita árvore. É uma delícia. E por atrair todo tipo de gente parece a cidade que já visitei no Brasil onde a diversidade tem mais espaço. As harmonias se harmonizam mais harmonicamente no Rio. O preto com o branco, o pobre com rico, a encaracolada com a alisada, a bicicleta com o carro, o vegano com o churrasco, e, voltando a rua do ouvidor, os prédios históricos com os contemporâneos...
E continuamos, aqueles pobres mortais que não habitam o Rio, indo embora com o coração de quem acabou de ver a garota de Ipanema passar.

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