29.8.11

Super Homem

Super-Homem: "Pra mim não dá mais!"

A janela de trás da mesa do presidente explodiu preenchendo a atmosfera do Salão Oval, por algumas frações de segundo, com uma nuvem de cacos de vidros. Os seguranças já estavam cercando o presidente e o encaminhavam para a porta quando todos, eles, o presidente, o vice, o secretário de defesa, finalmente perceberam a presença dele.
Estava bem ali, no centro do Salão Oval, em sua pose clássica, com as mãos na cintura, a capa esvoaçante, devido ao vento que agora entrava pela janela arrebentada, o penteado impecável como sempre, o imponente e inconfundível S no peitoral avantajado.
O presidente se desvencilhou dos seguranças e começou a esbravejar:
- Porra, Super-Homem! Que merda é essa?! Isso é jeito de entrar na minha sala?!
- Quem falou que a boca é sua? - sua voz era calma e ele fitava o presidente com olhos impassíveis.
Todos na sala, menos ele, sentiam um calafrio. Ele nunca havia feito ou falado nada assim. O presidente agora baixava o tom de voz.
- Pô, quê que tá acontecendo, cara?
- Todo mundo sentadinho. Os seguranças podem sair.
O vice-presidente quis protestar:
- Peraí, por que tirar os seguranças?
O secretário de defesa quis se desculpar. Precisava resolver umas coisinhas e tinha marcado de almoçar com a esposa.
- Agora, caralho! - exigiu o Super-Homem.
Mais que depressa, todos obedeceram. Os seguranças saíram quase correndo da sala, sem olhar pra trás. O presidente, sentou-se na poltrona, entre o secretário e o vice. E o Super-Homem sentou-se na cadeira do presidente, depois de, com um super sopro, retirar todos os cacos de vidro de cima da mesa, juntamente com tudo o mais que havia ali. Então começou:
- Os senhores sabem o que eu acabei de fazer?
Os três homens se entreolhavam.
- Era mais uma pergunta retórica mesmo. Eu acabei de matar o Lex Luthor. Matei ele e qualquer um que já tivesse dito bom-dia pra ele. É isso mesmo. Cansei dessa merda. Prende o cara, o cara é solto. Prende o cara, o cara volta. Vai se fuder! Ninguém aguenta mais essa merda. Matei o filho da puta. Posso garantir que ele não sofreu. Foi rápido e indolor. Dei um surdão nele, sabe? Sabe aquele tapa duplo que policial dá em neguinho? Com uma mão de cada lado da cabeça, pra estourar os tímpanos do infeliz? Pois é. A cabeça dele explodiu. Não sobrou nada.
O secretário de defesa tentava disfarçar, mas seus joelhos tremiam. Seu rosto tinha perdido todo o sangue. De repente, virou para o lado e vomitou. Os outros dois homens o olhavam com certa piedade e algum nojo. O Super-Homem o olhava com desprezo e perguntou ao presidente:
- É essa a qualidade de homem que você consegue para ser secretário da defesa do seu país? - virou-se para o secretário. - Aí, mané. Tu tá demitido. Pode ir embora. Vaza.
O homem se levantou e saiu de cabeça baixa.
- Continuando. Bom, se o Luthor e todo mundo que trabalhava para ele estão mortos. O que isso significa? Hein, seu vice? Presidente? Não? Não sabem? Vamo lá, galera!
- Um mundo melhor? - arriscou o vice, timidamente.
- É. Isso também. Certamente. Gosto da maneira como você pensa, vice. Mas não é bem isso que eu ia dizer. Significa que agora sim eu sou indestrutível. Ninguém mais tem acesso à kriptonita. Eu sei que cês tinham um estoque pequeno guardado numa base subterrânea no deserto de Mojave. Prestaram atenção ao tempo verbal? Tinham. É. Eu fiz uma obra lá digna de um empreiteiro. Arranquei a porra toda do chão e mandei pro espaço, pra bem longe do sistema solar. Tá certo que alguns de seus funcionários morreram. Mas, é assim mesmo, né? Eles tiveram que aguentar essa pelo time. Não dava pra arriscar entrar lá e pedir licença. Qualquer zé roela que pegasse um estilingue e uma pedrinha verde filha da puta daquela podia me matar. Tem charuto aqui?
O Super-Homem começou a abrir as gavetas da mesa do homem anteriormente conhecido como o mais poderoso do mundo, enquanto este tentava se manter impassível sentado no sofá ajeitando o nó da gravata.
- Ah, achei!
Usando sua visão de calor, acendeu três charutos Cohiba da caixa que encontrara. Deu um para cada um dos homens que restava no sofá e voltou a sentar-se na cadeira do presidente. Com os pés sobre a mesa, soltava grandes anéis de fumaça que se esvaneciam lentamente.
- Sempre quis fazer isso.
O presidente seguiu seu exemplo, colocando os pés sobre a mesinha de centro e cutucou o vice:
- Relaxa, cara. Se ele quisesse matar a gente, já teria feito.
- Isso, presidente. Isso mesmo.
Os três riram serenamente, como três velhos amigos que se encontravam conversando sobre reminescências.
- Mas, Super-Homem, então o que te traz aqui? - o vice arriscou.
- Bom, o lance é o seguinte. Não vou mais trabalhar pra vocês. Vocês é que vão trabalhar pra mim. Sabe, se os humanos, terráqueos não conseguem cuidar de si mesmos a ponto de colocarem em risco sua própria sobrevivência e a existência do planeta, isso significa que vocês não podem ter a responsabilidade de gerenciar o planeta por vocês. Eu pensei em ir à televisão dar as boas-novas. Dizer que agora o bicho ia pegar, que quem não andasse na linha ia ter que responder diretamente a mim, fosse quem fosse, gari, professor ou presidente, onde quer que estivesse, na China ou no Brasil. Mas não. Pensei melhor e vim aqui ter essa conversinha com você primeiro. - disse olhando para o presidente. - Posso te chamar de você, né? Eu quero que o senhor convoque uma reunião com os líderes das maiores e mais poderosas nações. Quero o chanceler alemão, quero o primeiro-ministro inglês. O Berlusconi, não. Esse filho da puta eu faço questão de trucidar com minhas próprias mãos. Vai servir de exemplo pros outros. Bom, voltando à reunião. Quero a galera do BRIC, os japoneses, os argentinos. Acho que por enquanto tá bom. Pode jogar mais alguém aí no bolo que você achar interessante. Convoca essa reunião em meu nome. Abre com os caras. Diz o que eu já fiz: com o Luthor, com a Kriptonita, aqui na sua sala... Pode falar que o secretário de defesa vomitou. Esse cara sempre foi muito arrogante. Merece essa humilhação pública. Semana que vem eu volto pra essa reunião. Alguma dúvida?
- Vamos discutir o quê exatamente?
- A gerência do mundo. Já falei com a galera lá da Liga da Justiça. O Batman vai cuidar das finanças. O cara sempre teve grana e sabe lidar com isso. Eu vou cuidar da paz, ou da guerra. Os humanos escolherão como vai ser. A Mulher-Maravilha é que vai ser a presidente do mundo mesmo. Essa coisa de mulher no comando tá na moda, né? O Lanterna-Verde vai cuidar do meio ambiente. O resto a gente vai debatendo juntos. Mas que fique uma coisa bem clara: acabou essa merda de humano batendo em humano, humano abusando de humano. Isso cês já podem adiantar pra galera lá.
Levantou-se e apagou o charuto com um sopro gelado. Deixou-o cair dentro do cesto de lixo.
- Se os senhores não têm mais nenhuma dúvida, eu vou indo nessa.
- Não, acho que tá tudo bem claro.
- Então, até semana que vem.

23.8.11

Moon

Moon Of My Life

I ain't got the power of a politician
I ain't got the fame of a soccer player
I ain't got the money of a tycoon

But I've got ears
That listen more accurately to your voice than any other
I've got eyes that sparkle in a singular way
When light reflected by you reach them
I've got a nose that works much better
When close to your neck and hair
I've got hands that will hold you
For as long as you want them to

And I've got a heart
with true love
and your name is written all over it

22.8.11

Coisas Que Não Entendo

Sobre Coisas que Eu Não Entendo: Política e Economia

Eu não entendo nada de política. Confundo legislativo com executivo e judiciário pra mim é um bando de homem com roupa engraçada e fala pomposa. Não entendo também de economia em larga escala. Jamais poderia auditar as contas do município ou do estado. Que dirá da nação!
Minha culpa, minha máxima culpa. Nunca gostei muito de estudar. Nunca fui atrás de entender as coisas, sabe? Minha culpa ou mea culpa ou meia culpa. (Problem, sistema educacional?) É que, pensando bem, depois que eu decidi entrar na faculdade de medicina, eu comecei a estudar mais sério. Mas, cá entre nós, o que a gente aprende na escola no Brasil? O que nos exigem para entrar numa faculdade? Aprende a fazer conta, aprende a ler e escrever... tá certo que dá pra conseguir um diploma de segundo grau, digo, de ensino médio, sem ter aprendido nada. Todo mundo sabe disso. Bom, mas voltemos pra o que a gente "aprende". Aprende, digo, desculpem, não aprendemos história e geografia. Não, não mesmo. Saber que a capital do Brasil não é Buenos Aires não é saber geografia. Saber que quem descobriu o Brasil não foi Cristovão Colombo não é história. Me disseram, quando decidi estudar pra passar no vestibular, que eu teria que ler o Le Monde Diplomatique. Que nada. Assiste o Jornal Nacional uma vez por semana que tá bom demais. No fim, é tudo bitolar. A gente tem que bitolar (os mais jovens que procurem o Aurélio ou o Houaiss para maiores explicações) pra passar no vestibular. O que nos afasta cada vez mais de entender o que acontece por aí. Mas, estou digredindo, como sempre faço quando escrevo. É um tipo de hobby eu acho.
O que eu quero dizer é que, mesmo que eu tivesse sido um bom aluno, um cara interessado, um cara curioso, um cara de iniciativa ("um cara interessante, esculacho seu amante"), a escola não teria me ajudado em nada para que eu entendesse como funciona essa coisa de política e de economia. Eu poderia ter aprendido se eu tivesse corrido atrás. Mas a escola não teria tido nada a ver com isso.
Eu não sou o melhor exemplo disso, sabe? Nem disso nem de nada. Eu sou provavelmente o cara mais velho que estuda medicina na Universidade Federal de São João del-Rei e, muitas vezes, me pego pensando que sou um dos mais imaturos e ignorantes. O pessoal de vez em quando me chama pra entrar no CA. Imagina, eu no CA. Tá de sacanagem, né? Eu não vou nem em reunião de condomínio, só pra se ter uma idéia da minha apolitização (o termo existe?).
Agora, mesmo um cara ignorante como eu percebe que alguma coisa vai mal, muito mal por aqui. Há sim algo de podre no reino Tupiniquim. Não é estranho que os caras que decidem o salário de todo mundo tenham os maiores salários e os melhores aumentos (sem mencionar os benefícios: PODER)? Não é estranho já ser até um cliché dizer que um país só cresce com educação de qualidade e os professores do estado e da federação, tanto da base quanto de nível superior, terem salário pífios? Roberto Freire já falou. Cristovam Buarque já falou. Porra, até o Gabriel Pensador já falou. ("O Nietzsche enloqueceu e eu não vou nada bem...") E tá na boca do povo. Ou você pensa que o povo acha que a vida vai melhorar depois da Copa 2014? Ou depois das Olimpíadas no Rio? Vai ser divertido. Ah, isso vai! Imagina, assistir de pertinho uma partida entre Espanha e Alemanha. Isso sim é que é futebol! Imagina ver o Usain Bolt quebrando o recorde dos 100m debaixo do seu nariz? Mas, será que o povo vai ter grana para pagar pelos ingressos? Os professores certamente não. Afinal, eles são professores por que amam o que fazem, né? Mas vai dar pra galera levantar um din-din legal vendendo cerveja e tropero na porta dos estádios, alugando seus quartos, salas e banheiros pra gringaiada.
Mas e a conta disso tudo? A conta do estádio do Corinthians? A conta da reforma do Mineirão? A conta de botar os aeroportos funcionando a contento? A conta de se erguer um setor hoteleiro que dê conta do recado? A conta de botar uma rede de transportes que funcione? Quem paga?

É nóis, mano.

E quem vai lucrar com isso? Te garanto que os vendedores de cerveja e tropero serão os menos beneficiados dentro do rol seleto daqueles que o serão.
Mas e se esse esforço todo que tão fazendo, desde não sei quando, para trazer Copa e Olimpíadas pra cá, fosse direcionado para a educação? Será que mudaria alguma coisa? Será que as federais estariam "ameaçando" greve? Será que assistiríamos desabafos eloquentes como o da professora Amanda Gurgel (quem ainda não viu, procure no YouTube. É de arrepiar!) ou textos pseudo-politizados como esse que escrevo (que não mudam nada, diga-se de passagem)? Será que sobraria verba para ensinar sobre politica e economia nas escolas?

Eu não sei. Não entendo nada de política ou de economia.

20.8.11

Cliente Especial

Cliente Especial

Era um dia calmo. Ela não sabia dizer quantos haviam passado por ali. Não contava e nem saberia estimar quantos. Mas sentia, sabia dizer quando era um dia calmo e quando não. Percebia pelo espaço de tempo entre um e outro que entravam no seu quarto, pelo trânsito nos corredores e, principalmente, pelo cheiro no ar. O cheiro mudava muito em dias de mais movimento. Ela não diria que o cheiro era pior: já havia se acostumado e era indiferente a ele. Mas percebia que ele se intensificava.
Um homem se aproximou:
- Quanto é?
- Trinta. - respondeu sem levantar os olhos do livro que lia.
Ela não precisava. Sabia exatamente como ele era. Não por fora. Ele poderia ser alto ou baixo, magro ou gordo. Por dentro, no entanto, todos eram iguais.
- Ok. Vamos. - disse homem com voz hesitante.
Fechou a porta encerrando-se com aquele joão ninguém em seu quarto. Colocou o livro sobre a cômoda e disse a ele que tirasse a roupa enquanto ela fazia o mesmo. Para ela, obviamente, era muito mais rápido já que vestia apenas um shortinho e um top, sem calcinha nem sutiã. Deu uma olhada para trás, enquanto abria o pacotinho com os dentes, e viu o homem se despindo enquanto olhava para ela como se visse uma miragem. Finalmente ele se deitou na cama. Ela veio por cima e levou menos tempo para terminar com ele do que ele precisou para se vestir outra vez. O homem pegou o dinheiro na carteira, entregou a ela e se foi.
- Obrigada.
Voltou a seu livro depois de se vestir novamente, mas antes mesmo que terminasse a primeira linha, sentiu que outro homem a observava à porta. Sua presença era diferente. Ele não disse nada. Apenas a olhava. Seus olhos pareciam atravessá-la ao meio. Antes que ela pudesse dizer alguma coisa, ele entrou no quarto também, empurrando-a para perto da cama. Ela não sabia o que estava acontecendo, não compreendia. Instintivamente foi até a cômoda para colocar o livro sobre o móvel, colocando-se de costas para ele. Tentava ganhar tempo. Tempo pra quê? O que exatamente estava acontecendo? Antes que pudesse fazê-lo, sentiu um aperto firme em seu braço esquerdo que a obrigava a dar meia volta e encará-lo novamente. O livro foi parar no chão. Ela teve ímpetos de gritar, mas antes disso, a outra mão do homem agarrava seu outro braço e o corpo dela era levado para junto do corpo dele. O beijo aconteceu como se não houvesse outro caminho, como se não houvesse outra alternativa. Não havia outra alternativa. Seus lábios já estavam sendo apertados contra os dele. Ele a segurava firmemente, porém sem a machucar. A língua do homem dentro de sua boca acariciava a sua, e corria para os lábios e voltava para a língua... A partir desse momento ela estava em transe. Sabia que, mesmo se tivesse vontade de lutar, ele a subjugaria. Ele era enorme. Ele poderia subjugar exércitos de mulheres como ela. De qualquer maneira, ela não sentia nenhuma vontade de lutar agora. Se deixou guiar por aquelas mãos grandes e fortes que a manipulavam como a uma bonequinha. Sua vontade era agora a vontade que ele quisesse. Caída na cama, já estava nua. Ele, ainda em pé, a observava enquanto também se despia. Ela também o observava e nem se lembrava de onde estava, ou por que estava ali. Não conseguiu absorver racionalmente o que aconteceu depois disso. Lembrou-se durante muito tempo do momento em que seus corpos se encaixaram, mas todo o resto era como um sonho daqueles de que nos lembramos apenas de trechos soltos. Lembrou-se de vê-lo abotoando a calça, colocando o dinheiro sobre a cômoda e dizendo:
- Eu volto.
Dessa vez ela não teve forças para agradecer. Adormeceu.

27.7.11

Vida de Entrega

Vida de Entrega

O bichinho foi pego indefeso pelo rabo e suspendido, apartado de seus irmãozinhos gêmeos. Somavam 25 ao todo. Não mais. Agora eram 24. E ele era apenas um. O primeiro deles condenado à morte, ainda que uma morte incerta. Não que sua vida fosse muito excitante: passava, e passara, todos os dias de sua vida em um recipiente de plástico branco, forrado com serragem, que mal continha ele e seus 24 irmãos. Era bem verdade que não podia reclamar de falta de recursos: havia sempre água fresca e comida mais que suficiente para toda a família, ainda que a água tivesse que ser acessada por um de cada vez. A água era trazida por um tubo metálico que penetrava o recipiente que tinham por lar. Além de recursos, ainda que o espaço fosse pouco, era possível se exercitar. Em realidade, era necessário certo exercício para se alimentar e para ter acesso à água. Os pequenos se agarravam à grade que encerrava a parte de cima de sua residência. Os mais habilidosos (e ousados!) usavam apenas as patinhas dianteiras para tal. Observá-los se alimentarem era como um número do Cirque du Soleil em miniatura. Mas para ele, tudo se encerrava ali. Sentia a pele de suas costas e seu rabo presos de maneira que não podia fazer nada, a não ser emitir seus guinchinhos desesperados. A agulha, de espessura muito maior que qualquer um de seus dentes, penetrou a pele de seu abdome e peritôneo, infundindo em seu pequeno corpinho algo que ele agradecia não saber o que era. Em seguida, ele foi colocado em um recipiente menor, porém muito parecido com aquele no qual vivera até aquele dia. Água e comida lhe era ofertada da mesma maneira. Só que agora com exclusividade. Mas não tinha fome, nem sede. Sentia apenas medo. O que aconteceria em seguida? Sentiria dor? Ou simplesmente morreria em seu sono, com tranquilidade? Era impossível prever. E revisitar as histórias que ouvira durante toda sua vida só o torturava mais. Resolveu tentar se acalmar e dormir um pouco. Não restava mais nada a fazer além de esperar. Tudo pela ciência.

26.5.11

Sapatos



Tudo em sua vida parecia mais fácil. A sensação de relaxamento era indescritível. Todo seu corpo parecia sorrir e se soltar, se derreter e se esparramar naquele assento vermelho. Tudo isso graças ao simples fato de ter tirado os sapatos. Não, não era a postura mais ortodoxa a se tomar para assistir uma palestra. Mas ele não resistira. Havia passado todo o dia calçado, vestido, devidamente paramentado para exercer cada uma de suas funções, sentado ou caminhando de um lado para o outro. E seus sapatos não eram desconfortáveis. Ele até gostava de calçá-los pela manhã. Tinha mesmo certa alegria de calçá-los. Se sentia charmoso, bem cuidado, até querido calçando aqueles sapatos. Mas no final do dia, invariavelmente, queria se livrar deles o quanto antes. Chegava a pensar em arremessá-los pela janela da sala quando entrava em casa. Lembrava-se que quando criança não entendia sua mãe chegando em casa e dizendo que os sapatos a estavam "matando." Por que então ela os calçava todos os dias? Seu pai era ainda mais engraçado. Chegava em casa, sentava-se no sofá e tirava os sapatos com um suspiro delicioso. Seu pai demonstrava tanto prazer em tirar os sapatos que sua versão menino fazia de tudo para estar por perto nessas ocasiões. Ainda muito criança tinha propensões a ser filósofo e pensava, tentava entender, se era tão bom no fim do dia tirar os sapatos, as pessoas deveriam procurar sapatos mais desconfortáveis para usar durante o dia. Segundo sua lógica, dessa maneira, o prazer seria ainda maior ao descalçá-los. Já homem feito, a idéia ainda não lhe parecia de todo absurdo, embora jamais tivesse procurado sapatos desconfortáveis. Agora, sentado na poltrona vermelha, não se importava com os olhares reprovadores, ou apenas curiosos, mirando seus pés cobertos somente por meias. Sorria e saboreava a sensação de liberdade.

23.5.11

Emburrada

"Eu odeio, odeio você!"
E senta no chão
Pernas e braços cruzados
Me olha de rabo de olho
A boca em beicinho
Emburrada

Chego devagarinho
Experimentando
Como quem testa o frio
Na beira de uma piscina
Trago pra ela um sorriso
E com um abraço
Devolvo-a à cama

"Apaga a luz, por favorzinho."

8.4.11

Inteligência

Lidando Com o Inesperado

Quando eu era pequeno, a gente brincava na rua de pique-pega, pega-ladrão, esses jogos de correr... e a gente podia pedir "altas". Isso significava uma pausa, um tempo pra descansar. Tá certo que quem não tinha pedido a tal das "altas" não curtia muito. O resto da criançada ficava meio de nariz torcido quando alguém pedia, mas, ainda assim era legítimo. Sem necessariamente a gente perceber pedíamos um tempo pra pensar, um tempo pra repensar estratégias e redesenhá-las. Era um tempo pra respirar, retomar o fôlego e voltar pro jogo.
Hoje, infelizmente, não rola mais isso. Não dá mais pra pedir "altas".
Muitas vezes percebemos que o jogo não nos é favorável e não temos outra alternativa a não ser seguir jogando. Nossas estratégias têm que ser redefinidas em meio à turbulência da coisa toda. É como consertar um avião em pleno vôo.
Algumas pessoas não foram treinadas a lidar com o inesperado (acho que sou uma delas). Às vezes, acho que o problema é ser rejeitado. Mas ser rejeitado é só uma forma de se deparar com o inesperado. Quando você quer alguém ou alguma coisa, você espera (nos dois sentidos) que a pessoa (ou a coisa, metaforicamente falando) te queira também. E quando a pessoa querida (ou a coisa, de novo, metaforicamente) te diz que não te quer é um choque, uma surpresa: inesperado. A rejeição frustra uma série de planos que você fez, sem mesmo perceber, no momento em que você decidiu que queria aquela pessoa ou coisa.
Adianta sentar e chorar? Em geral, na vida adulta não. E por isso a gente sente saudade do colinho da mamãe... :)
Fazer o quê? Dançar conforme a música. Temos que aprender a consertar o avião em pleno vôo. E quem tem filho aí, pelamordedeus, propicie momentos assim na infância dos pequenos para que eles treinem.
Um dia eu estava na casa de um amigo. Sua filha, na época estava começando a querer andar, mas ainda tinha mais intimidade com o andar de gatinho. Ela nos seguia por toda a casa. Quando passávamos da sala de estar para a varanda, havia uma porta de correr, com trilho. Quando a pequena passava de gatinho por cima do trilho, seus joelhinhos rechonchudos doíam. E ela logo desenvolveu uma "técnica" para evitar isso. Ela se esticava toda, usando os pés como apoio traseiro, ao invés dos joelhos. Ela aprendeu a lidar com inesperado ali. Foi uma cena linda de se ver.

3.4.11

Guyton


Meus cones e bastonetes
As células ciliadas internas
As células olfatórias
Os receptores de Ruffini
Os discos de Merkel
Meus botões gustativos
Você abastece meus cinco sentidos

31.3.11

Nada

Tava eu revirando meu diário e achei essa "entrada". Como às vezes meus quase 5 leitores acham que o que eu escrevo é autobiográfico, o que, diga-se de passagem, não é verdade, resolvi colocar isso aqui. Não tem nada a ver com o que eu tô vivendo no momento, mas achei bacana.

30/07/2009 02:30 a.m.

Hoje eu pensei que talvez se eu tomasse algum remédio, fluoxetina, demoro a digitar essa palavra por que ela é estranha, palavras com x são estranhas. Esse tempo extra que levo para escrever me faz reparar em minhas mãos, meus dedos acertando com força as teclas, com precisão, as veias nas costas das palmas, parecem mãos de um velho, mas fortes, muito fortes, muito bem desenhadas. A luz é pouca, pouquíssima, só o monitor, o bloco de notas na cor cinza ocupa menos de 40% da tela e o resto todo negro. E aquela luz fraquinha, esbranquiçada, acinzentada, iluminando minhas mãos fortes de velho.
O silêncio da noite é daqueles que machuca os ouvidos. Daqueles silêncios nos quais você se concentra pra ouvir alguma coisa, implora pra ouvir alguma coisa, um latido distante, um carro passando na rua, um gato vadio revirando um saco de lixo.
O silêncio da noite é o silêncio da minha vida. Estou no escuro e no silêncio, sem forças para acender uma vela ou cantar alguma canção. Sem alguém com quem conversar. E todo dia imploro pra que alguma coisa aconteça, por que se depender de mim, nada vai mudar. E o silêncio continua. Me machucando os ouvidos.


Benjamin Button

Nascer velho ou morrer velho
Morrer novo ou nascer de novo
Nascer e morrer são um ponto de encontro
Nem fim nem começo
O meio do caminho
Indicam a mesma coisa: nada dura pra sempre
Nem o nada dura pra sempre
No nascimento, o nada deixa de existir
Na morte...

13.2.11

Loteria

O Bilhete de Loteria

Entrou no avião em meio à massa que ia se acumulando nas poltronas. Aquele movimento de caminhar um pouquinho e esperar um pouquinho com a impaciência estampada na cara, como se todos os outros passageiros fossem culpados por voar naquele dia com ele. Era assim mesmo que se sentia quando entrava em um ônibus ou avião. Queria que todos desaparecessem. Não queria ter o ônibus ou o avião só pra ele. Não, não era esse o caso. Se dava mais do que por satisfeito com sua poltrona. Sempre escolhia o corredor, para caso precisasse ir ao banheiro, fazê-lo esbarrando na menor quantidade de gente possível, o número ideal sendo zero. Bom, mas o caso não era ter mais poltronas para si. Nem mesmo mais espaço nas poltronas, embora, como todos que utilizavam meios de transporte coletivo, percebia que os assentos cada vez mais iam diminuindo. Ainda assim, não precisava de mais espaço em seu assento. Mas o incomodava enormemente esperar que os outros passageiros se acomodassem. Aquele andar lento de quem procura o assento, conferindo por sob os óculos de míope o número de cada poltrona até encontrar a sua. E depois a bagagem de mão. Momentos intermináveis de espera atrás daquela senhora que não percebe que o volume de sua bolsa é muito maior do que comportam os bagageiros. Muitas bufadas depois, chegava finalmente a seu assento. Um oásis de paz. Na verdade, nem sempre. Ele, como já mencionado, se dava mais do que por satisfeito com sua poltrona. Mas ter que ceder espaço de seu assento, milímetros que fossem, era ainda pior do que esperar a onda lenta de entrada no avião ou no ônibus. E daí sua ira ao viajar ao lado de gordos. Odiava os gordos. Odiava o suor mais abundante, talvez proveniente da força extra que precisavam empregar para carregar aquele peso extra. Odiava o “com licença” dos obesos que nunca conseguiam passar por outras pessoas sem tocá-las com a pança. E odiava, acima de tudo, a maneira amorfa como os gordos transbordavam em seus assentos. Era incrível como tinha azar! Parecia que sempre viajava ao lado de um gordo. E sempre um gordo, nunca uma gorda. Sempre um gordo, pouco asseado.
Desta vez não foi diferente. Teve uns 5 minutos de paz e tranqüilidade, quando um senhor já de idade, com os cabelos inconfundivelmente pintados, penteados para trás, vestindo um terno cinza e suando como se tivesse acabado de correr uma maratona pediu o famigerado “com licença”. Era humanamente impossível permitir que o senhor, certamente um devorador de toucinho, se sentasse, sem que o irritado viajante tivesse de se levantar. Isso era justo? Claro que não. Se sentia punido por ter acordado mais cedo, por ter se preparado melhor do que o gordo de cabelo pintado, por ter sempre se cuidado, ter estado atento à alimentação e por ter sempre procurado manter-se em forma com exercícios regulares. Isso não era justo. Levantou-se sem olhar na direção do gordo que continuava pedindo licença e agora acrescentava um perdão para cada centímetro que vencia com sua banha.
Finalmente voltou a se sentar. Percebeu logo que não poderia usar o apoio de braço do lado direito. Era impossível para o gordo de terno manter seu corpanzil dentro do espaço de seu assento. O gordo o cumprimentou e se apresentou. Ele apenas acenou com a cabeça. Puxou logo uma revista que havia no bolso da poltrona da frente, como quem diz: “Não estou para conversa. Em especial, com o senhor, que roubou a chance de que eu tivesse uma viagem tranqüila.” Mas o gordo não parecia ter entendido a mensagem. Pediu desculpas mais uma vez por tê-lo feito se levantar. Explicava que atrasara um pouquinho pois tinha feito uma paradinha na lotérica para fazer uma fezinha. O gordo ria de sua própria história, enquanto o viajante irritado continuava com a cara na revista, embora não conseguisse se concentrar o suficiente para ler uma linha sequer do artigo que tinha diante de seus olhos. Isso sempre acontecia: se alguém falasse algo que não o interessava, era inútil tentar se concentrar em algo mais. Ele até havia batizado o fenômeno: paradoxo da atenção. E o gordo continuava falando e sorrindo.
- Eu nem sei pra quê fiz essa aposta. Mas, sabe como é, no final do ano, todo mundo gosta de fazer uma fezinha, né? Acho que fica mais fácil de conversar com as pessoas quando procuramos cultivar certos hábitos comuns a muitas delas. E eu gosto muito de conversar. Você também fez uma aposta?
- Não.
- Pois é. Eu fiz. – enfiou a mão no bolso de dentro do paletó, não sem dificuldade, e sacou o bilhete. – E tenho certeza de que daqui sai alguma coisa. – brandia o bilhete orgulhoso, como se fosse um troféu.
O gordo continuou a falar e suar e o viajante irritado desistiu de fingir que lia. Devolveu a revista ao seu lugar de origem e se apoiou no braço da cadeira que havia sobrado. Testou a firmeza do assento e finalmente apoiou o queixo sobre a mão esquerda, enquanto olhava para o gordo à sua direita, sem a menor pretensão de parecer simpático ao que o homem rotundo falava.
O homem dizia que não tinha filhos ou sobrinhos. Era filho único. Os pais, obviamente, já haviam falecido havia muitos anos. Dedicara sua vida aos negócios e nunca havia se casado, embora afirmasse ter tido várias amantes. Dizia que os grandes prazeres de sua vida eram, nessa ordem, o trabalho, a comida e as mulheres. Gostava muito de cozinhar para suas amantes, embora soubesse que o que as atraíam mesmo era seu dinheiro.
Parou de falar de repente. Olhava para o bilhete com um ar melancólico.
- Mas o que vou fazer com esse dinheiro se eu ganhar? Não, Deus permita que alguém que precise mais do que eu ganhe.
O viajante irritado teve que se desculpar e se levantar. Ver aquele homem obeso pronunciar aquela frase fez com que ele tivesse vontade de vomitar. Foi ao banheiro.
No lavatório apertado, lavou o rosto. Quanto retornava a seu assento, as comissárias de bordo serviam o lanche. Isso fez com que ele tivesse que esperar até que o carrinho ultrapassasse a altura de sua poltrona para voltar a se sentar. Tentou ainda argumentar com uma das comissárias, ao que ela respondeu:
- O senhor quer que eu faça o quê?
Companhias aéreas populares. Qualquer um pode voar e ser tratado como lixo, pensou. Ficou lá de braços cruzados e cara feia para todos os outros passageiros que iam recebendo sua barrinha de cereal e seu copinho de guaraná com duas pedrinhas de gelo.
Quando finalmente chegou a seu assento, percebeu que o gordo dormia profundamente. A cabeça pendia para a frente e a ponta da língua escapulia pela boca entreaberta. O bilhete parecia querer cair da mão do homem a qualquer momento. Ele tentava se decidir se devia acordar o homem ou não. Se o bilhete caísse, seu imenso corpo jamais permitiria que ele o alcançasse no chão. E seria uma situação muito constrangedora para qualquer um ter que pedir para alguém alcançar um pertence seu a seus pés por que sua pança o impedia de fazê-lo. O bilhete finalmente, e caprichosamente, escorregou pelas pontas dos dedos do gordo inconsciente. Indo parar bem à frente do viajante irritado. Ele se inclinou para frente para alcançá-lo, quando ouviu a campainha que indicava que os avisos de apertar os cintos tinham se iluminado. Uma comissária que passava, pediu que ele se colocasse ereto na poltrona. Achou engraçado ouvir a moça dizendo a palavra ereto, mas apenas mostrou o bilhete que havia apanhado e obedeceu.
Decidiu que deveria acordar o gordo para devolver o bilhete resgatado. O avião iniciava o pouso. Cutucou uma, duas, três vezes. Chamou, empurrou e nada. O homem não se movia. O avião finalmente parou e ele desatou o cinto. Precisava devolver o bilhete ao homem antes de sair do avião. Enquanto tentava, sem sucesso, despertá-lo, percebia que uma fila ia se formando. Aquilo já era demais. Passou a falar cada vez mais alto enquanto empurrava o gordo contra o terceiro passageiro da fileira, até agora não mencionado na história, quando este sugeriu: talvez o gordo estivesse morto. Sentiu um frio correr toda sua espinha.
- Como podemos ter certeza?
- Tomamos o pulso.
Cada um pegou um dos braços do gordo.
- Nada.
- Aqui também nada.
- Será que estamos fazendo certo?
- Vamos chamar uma comissária.
Mas antes que o fizessem, outro passageiro, que se aproximava lentamente ao sabor do ritmo da fila, vindo do fundo do avião, ouvira a conversa e se apresentou:
- Com licença. Sou médico.
Tomou o pulso do gordo e o segurou por alguns segundos, que para o viajante irritado pareceram séculos. Ele não se conteve:
- E então?
- Não tem pulso. Preciso me aproximar. O senhor, por favor, se levante.
O médico agora mexia com todo o corpo do homem, primeiro chegou seu ouvido junto à boca do gordo, depois abria os olhos do homem e como uma pequena lanterna tentava os estimular. De um golpe, e com a ajuda do terceiro passageiro tirou o gordo do assento e milagrosamente encaixou o enorme corpo entre as duas fileiras de cadeiras. Parecia tentar ressuscitá-lo, massageando seu peito e soprando em sua boca.
O passageiro irritado olhava e não conseguia enxergar nada. Como, em alguns instantes, um homem que conversava e ria parecia se esvanecer para sempre diante de seus olhos?
O médico finalmente interrompeu sua manobra. Se levantou de cima do corpo do gordo. Suava muito e estava ofegante.
- O senhor é parente?
O viajante irritado demorou um pouco para responder. Parecia não conseguir absorver o que acontecia à sua volta.
- Hein? Não. Acabei de conhecê-lo.
- Então, pode ir.
Como assim, pode ir? Um homem acabava de morrer e era isso que aquele médico de açougue dizia: pode ir? Mas o viajante estava tão chocado, tão surpreso - não só com o fato que acabava de presenciar, mas também com o como aquilo o afetava em níveis que ele jamais imaginara -, que não teve outra reação a não ser se afastar lentamente do corpo. Ia saindo devagar, embora, o avião a essa altura já estivesse vazio, enquanto as comissárias, piloto e co-piloto agora bombardeavam o médico com perguntas. O terceiro passageiro também saía do avião. Mas não parecia afetado por nada daquilo. Simplesmente saiu, conferindo as horas no relógio de pulso e acelerando o passo rumo ao portão de desembarque.
O viajante irritado parou junto à primeira parede que encontrou e se encostou. Achou por um momento que fosse perder a força das pernas. Dois homens passaram por ele correndo, carregando uma maca, em direção ao avião. Foi quando se tocou de que ainda segurava o bilhete do gordo. Lembrou-se de tudo o que gordo dissera, sobre não ter família, não ter herdeiros. Tentava se convencer de que não havia nada de errado em ficar com o bilhete. Além disso, quem poderia saber se aquele bilhete seria mesmo premiado? Guardou-o no bolso da calça. Olhou pra trás mais uma vez. Viu ainda os dois homens tirando, com muito esforço, o corpo do gordo na maca de dentro do avião. Queria dizer alguma coisa, uma despedida talvez, agradecer por alguma coisa que não sabia o quê, encomendar a alma do pobre homem a Deus. Mas não era religioso e nunca fora bom com as palavras. Enquanto aquele cortejo formado pelo médico e pela tripulação passava por ele, fez, de maneira bem discreta, quase imperceptível, o sinal da cruz. E seguiu atrás do cortejo até o ponto em que viu a placa indicando o portão de desembarque. Deu uma última olhada para trás, respirou fundo e foi reclamar sua bagagem.


7.2.11

Metrossexual

Metrossexualidade Imposta

Deitado, depois do almoço, pensava e tentava se decidir: vejo um filme, leio um livro... nada. Deixou aquela preguiça gostosa do período absortivo tomar conta da carcaça e foi perdendo a consciência devagarinho. Ela estava por ali, mexendo em alguma coisa, com os óculos que odiava e, por isso, só usava em momentos de grande intimidade, como aquele.
Ele sentiu, quase sem entender, no meio daquela obnubilação da siesta, que ela se aproximava. Sentiu que ela se deitava sobre seu corpo, bem lentamente, sem fazer barulho. Talvez ela quisesse se sentir próxima a ele, talvez quisesse sentir mais uma vez o calor do corpo dele, talvez simplesmente quisesse participar daquele cochilinho nos braços dele, talvez ela quisesse que o cochilinho se transformasse em outra coisa... Mas ele nem se deu ao trabalho de abrir os olhos, tamanha era a preguiça e embora sua mente já sorrisse. Ele podia sentir o cheiro do corpo dela, ouvir a respiração lenta e bem ritmada.
- Você já pensou em tirar esse fiozinhos entre as duas sobrancelhas?
Acordou de um susto!
- Hein? Nem vem. Sai pra lá.
Tentou esquivar, tentou se levantar, mas já era tarde demais. Ela estava deitada inteira sobre o corpo dele e já tinha nas mãos a maldita pinça. Ele lutava, sem muito jeito, jamais teria coragem de reagir fisicamente a qualquer coisa que ela fizesse.
- Você vai ficar mais lindo. Todo mundo faz isso hoje em dia, sabia?
E ele choramingava e se debatia enquanto ela continuava argumentando e puxando aqueles pelinhos que ele próprio jamais percebera a existência. Ele dizia que era homem e que homens não faziam a sobrancelha.
- Ai, que troglodita você! A sua masculinidade não está nesses pelinhos não, viu? Agora fica quietinho que eu tô quase terminando.
Ele continuou choramingando e ela argumentando, carinhosa, porém firme.
- Pronto! Ficou lindo! Quer que eu pegue o espelho pra você ver?
Ela correu até o banheiro. Ele permaneceu na cama, encolhido, com as pernas abraçadas por seus próprios braços, os olhos arregalados. Sabia que jamais sua vida voltaria a ser a mesma.

31.1.11

Noah Gordon

"A la mañana siguiente estuvo paseando de un lado a otro, mareado, y de vez en cuando sentía las rodillas débiles por el alivio.
Hombres y mujeres sonreían cuando los saludaba. Era un mundo nuevo, con un sol más radiante y un aire más benévolo que respirar.
Se ocupó de sus pacientes con la atención de siempre, pero entre una visita y otra, su mente era un torbellino. Finalmente, se sentó en un pórtico de madera de la calle Broad y examinó el pasado, el presente y su futuro.
Había escapado por segunda vez a un destino terrible. Creía haber recibido el aviso de que su existencia debía ser empleada con mayor cuidado y respeto.
...
Quería que su vida estuviera pintada con los colores más intensos que pudiera encontrar."
(Chamán - Noah Gordon)

16.1.11

Desiderata

Desiderata
by Max Ehrmann

Go placidly amid the noise and haste,
and remember what peace there may be in silence.

As far as possible without surrender
be on good terms with all persons.
Speak your truth quietly and clearly;
and listen to others,
even the dull and the ignorant;
they too have their story.
Avoid loud and aggressive persons,
they are vexatious to the spirit.

If you compare yourself with others,
you may become vain and bitter;
for always there will be greater and lesser persons than yourself.

Enjoy your achievements as well as your plans.
Keep interested in your own career, however humble;
it is a real possession in the changing fortunes of time.
Exercise caution in your business affairs;
for the world is full of trickery.
But let this not blind you to what virtue there is;
many persons strive for high ideals;
and everywhere life is full of heroism.

Be yourself.
Especially, do not feign affection.
Neither be cynical about love;
for in the face of all aridity and disenchantment
it is as perennial as the grass.

Take kindly the counsel of the years,
gracefully surrendering the things of youth.
Nurture strength of spirit to shield you in sudden misfortune.
But do not distress yourself with dark imaginings.
Many fears are born of fatigue and loneliness.

Beyond a wholesome discipline,
be gentle with yourself.
You are a child of the universe,
no less than the trees and the stars;
you have a right to be here.
And whether or not it is clear to you,
no doubt the universe is unfolding as it should.

Therefore be at peace with God,
whatever you conceive Him to be,
and whatever your labors and aspirations,
in the noisy confusion of life keep peace with your soul.

With all its sham, drudgery, and broken dreams,
it is still a beautiful world.
Be cheerful.
Strive to be happy.

Endocrinologia 2

Você É O Que Você Come: Insight?

Ultimamente tenho achado que tem um monte de gente que você pode ficar até um ano sem ver, sem encontrar, e mesmo assim você saberá exatamente o que a pessoa anda fazendo, anda vivendo. Isso é especialmente verdadeiro quando nos referimos à vida amorosa. Tenho tido a impressão de que os solteiros vão morrer solteiros e os casados vão morrer casados. Muito positivista da minha parte, eu sei, mas é o que tenho observado. Tem gente que abre mão de qualquer princípio pra estar em um relacionamento. Por outro lado, tem gente que cria tanto princípio que destrói a menor possibilidade de um dia se relacionar com alguém. Sabe o que todo mundo precisa? Dar uma passadinha no Oriente e aprender o caminho do meio: a little bit of this and a little bit of that.
Uma coisa é certa: ninguém emagrece (ou engorda) mantendo dieta.

12.1.11

Água

Dentro da Água

As águas pesadas acertam minhas costas. Só ouço esse som e as batidas lentas do meu coração ao fundo. Finalmente preciso respirar e dou um passo a frente. Abro os olhos e a luz do sol me cega. Me acostumo à claridade e te reconheço. Só seus olhos me olham na flor da água: uma menina feita crocodilo que se prepara para dar o bote. Mas sei que, submersa, sua boca sorri pra mim. Me aproximo lentamente e deixo minhas mãos descobrirem as curvas do seu corpo nu. Agora as suas mãos também me procuram. E com minha cooperação me coloca em pé de igualdade com você: nada mais separa nossos corpos, a não ser a água que nos rodeia. Não nos tocamos mais, mas estamos próximos o bastante. Posso respirar seu hálito. Nossos lábios se resvalam. Sinto o toque leve de sua pele na minha. Já sei o gosto da sua língua antes mesmo de te beijar. E isso me faz sentir mais vontade.
Mesmo que ainda conseguisse raciocinar, as palavras ainda não foram criadas para descrever o que sinto em seguida.

10.1.11

Resoluções de Ano Novo



Mais um ano se inicia e mais cliché do que essa frase só as resoluções de ano novo mesmo. "Esse ano vou emagrecer", "esse ano vou parar de fumar", "vou ligar mais pra minha mãe", "vou brigar menos com meu pai" etc.
Uma rápida digressão: o uso da pontuação acima com a palavra et cetera me foi ensinado recentemente. Quem quiser debatê-lo, sinta-se à vontade.
Enfim, pra muita gente, esse lance de resoluções de ano novo é balela. O dia primeiro de janeiro, dia mundial da paz, pra quem não sabia, é só uma segunda-feira hipertrofiada. Sabe aquela coisa de segunda-feira? "Segunda-feira vou parar de comer fritura." Ou mesmo "segunda-feira só marca o início de mais uma semana de trabalho."
Bom, mas eu percebo que pra quem (pelo menos) tenta fazer resoluções de ano novo, a virada do ano, o tal do reveillon, é fundamental, essencial. O fato de contarmos os anos nos permite a transformação de uma maneira sistematizada. Quando um ano termina, em especial um ano que tenha sido especialmente difícil, dá sempre um certo alívio. E o início do novo ano nos traz uma certa esperança de que nós podemos fazer diferente a partir de então. Funciona mais ou menos como um "reset", um começar de novo. O sujeito pensa: "é, esse ano eu fumei pra caralho, mas no ano que vem, vou diminuir". Ou então: "é, esse ano comi pra caralho, mas ano que vem vou maneirar" Você pode pensar nas tomadas de decisões que já tomou ou ouviu alguém tomar em virada de ano e completar essa lista. Se não tivéssemos o hábito de contar os anos, essas coisas seriam bem mais difíceis. É, por que imagina se um amigo seu chega pra você e diz: "A partir de quarta-feira eu páro de fumar." A primeira coisa que cê vai perguntar é: "por que quarta?" Ou, se o cara não for tão próximo de você, nem a pergunta vai rolar. Você logo de cara vai pensar que o cara em questão deve ser meio doido. Onde já se viu parar de fumar na quarta-feira?! Imagina se um colega de trabalho chega pra você e diz: "A partir de maio, começo a malhar." Por que maio, porra? Não faz o menor sentido mesmo. E se não contássemos os dias, os meses, os anos, não teríamos essa marcação. Você começou gordinho, vai terminar gordinho. Seria bem mais fácil desistir, largar pra lá, como dizem na minha terra. Mas como temos essas marcações, podemos dizer o que os personagens fictícios citados anteriormente disseram.
Para aqueles que continuam achando que resoluções de ano novo são uma bobagem, eu os desafio. Entra na brincadeira. Faça uma resolução. Busque algo que você não achou tão bacana assim em 2010 e que só depende de você pra mudar. E se proponha mudar. Comece o ano novo respirando diferente, respirando ar puro.
Eu já fiz as minhas.

19.12.10

Amarelar ou Ressaquear


Sua cabeça latejava. Abriu os olhos e percebeu, com muita gratidão aos céus, que estava em casa, aparentemente sozinho. Levantou com alguma dificuldade e foi olhando em volta. Tudo parecia no lugar. As roupas na mesma bagunça de sempre, espalhadas pelo chão do quarto; no corredor a bicicleta impedia a passagem; na cozinha, tudo certo, muitas latas de cervejas vazias transbordavam da lata de lixo e havia uma caixa de pizza vazia sobre a pia. Voltou ao quarto e percebeu que a TV estava ligada.



Era o último dia de prova. Os três foram os primeiros a sair da sala. E pouco menos de 30 segundos abriam a primeira lata de cerveja. Tá certo, meio radical abrir uma cerveja no estacionamento da universidade às 10 horas da manhã. Mas era férias! E foi aí que tudo começou...

Provavelmente as duas coisas já aconteceram com você: você amarelou ou ressaqueou. Mas o que é pior?
A galera tá toda reunida, numa noite como outra qualquer. Não há grandes promessas, não tem nenhuma festa programada, nenhum show na cidade, na verdade, nem cerveja na geladeira. Aí, você decide ir embora pra terminar de assistir a última temporada de Lost. Grande erro. No dia seguinte você tem que aguentar todo mundo te contando as reviravoltas do destino que transformaram aquele dia comum no dia mais louco da sua vida... só que você não estava lá.

14.12.10

Linha Cruzada

Linha Cruzada

Linha 1
Os dois iriam estudar. Era esse o plano mesmo. Não era nenhum tipo de pretexto. Sentaram-se no chão da sala com livros e cadernos espalhados ao redor. O ventilador ronronando no fundo.Os pais dela terminavam os últimos preparativos para partir. Passariam o fim de semana fora. Finalmente terminaram de colocar as malas no carro e vieram se despedir da filha querida: tranque as portas, alimente-se direito, mantenha seu celular carregado, beijo, fica com Deus. O pai dela ainda hesitou à porta. Mas a mãe o tranquilizou. Sua filha e o colega eram apenas amigos e gostavam de estudar juntos. E se foram.
A menina e o menino se entreolharam. Estavam completamente sós. Ela pediu a ele que buscasse o colchão da cama dela. Seu bumbum começava a ficar dolorido. Ele obedeceu com um sorriso mal disfarçado no canto da boca. Sentavam-se agora no colchão. Ele perguntou se ela conseguia estudar com música e ela disse sim. De repente a voz rouca do vocalista do Maná surgia dos alto-falantes do laptop. Ele sentou-se mais perto dela e ela colocou a mão sobre a perna dele. A proximidade permitia aos dois perceberem os cheiros. Os risos começaram a ficar mais frequentes e em pouco tempo estavam se beijando. Os cadernos já estavam longe do colchão e a música os embalava.
Estavam completamente sós. O mundo fora do apartamento, fora daquela sala, não tinha a menor relevância. Eram livres.
A música continuava mansinho e eles agora simplesmente se abraçavam. Curtiam a preguiça nos braços um do outro. De repente, batidas na porta. Eram batidas leves, mas alguém tinha batido. Os dois se levantaram depressa. Quem poderia ser? O som estava baixo demais para ser um vizinho reclamão. Enquanto se decidiam entre olhar ou não olhar, mais batidas na porta. Ele desligou a música e chegou perto da porta. Via sombras que o permitiam entender que havia alguém em pé do lado de fora do apartamento. Com o dedo sobre a boca pediu silêncio a ela. Viu os pés de sombra se afastarem.
Agora os dois conversavam entre sussurros agitados. Quem poderia ser? Será que era o pai dela? Seria mesmo um vizinho?

Linha 2
Aquela noite seria perfeita. Ele conferia se tinha tudo: cerveja gelada no isopor, camisinhas. Estava tudo certo. Chegou rápido ao prédio. Ela tinha deixado a chave da portaria com ele. O combinado seria ele subir e bater de leve na porta. E tudo corria bem até que ele percebeu que não lembrava o andar. Era o terceiro ou o quarto? Subiu hesitante. Ia olhando as portas dos apartamentos pelos quais passava: eram inexplicavelmente idênticas. Chegou ao terceiro andar e hesitou. Seria o quarto andar? Lembrava-se que havia ficado bastante cansado da última vez. Deveria ser o quarto. Subiu o último lance de escadas e chegou-se junto à porta da direita. Isso ele lembrava, era a porta da direita. E se for o terceiro? E se eu bater na porta errada a essa hora da noite? Já passavam das 11! Chegou-se mais perto da porta e ficou mais tranquilo. Podia ouvir baixinho uma música do Maná. Era ela. Só podia ser ela! Bateu bem de leve na porta e esperou. Nada. Talvez ela não tenha ouvido. Bateu mais uma vez. O som foi desligado. Não havia mais música. Retirou-se na ponta dos pés. Só podia ser o apartamento errado. Nesse momento, ela surgia subindo as escadas cautelosa. Gesticulava em silêncio para que ele a seguisse. Os dois desceram as escadas, segurando o riso, até o terceiro andar.

5.12.10

Endocrinologia

Maldito seja o hipotálamo e seus neurônios parvocelulares curtos!
Maldito seja o sistema límbico e seus receptores de ocitocina!

4.12.10

Fim do Dia



Acordou cedo e se olhou no espelho. Era cedo. Mas não tanto quanto ele planejara. Ainda de pijama, foi até a cozinha e colocou água para ferver. Era muito mais água do que ele precisaria. Sempre fazia isso. Assim, teria mais tempo para trocar de roupa. De volta ao quarto, as portas do guarda-roupa já o esperavam abertas. Olhava de um lado para o outro, o monte de roupa da última passada ainda sob o velho baú no pé da cama. Era mais sensato não pegar nenhuma daquelas peças, ou elas seriam usadas mais vezes do que as que ainda estavam no guarda-roupa. Pegou qualquer coisa dentre as poucas peças que acabava sempre repetindo e retornou a cozinha para terminar de coar o café. Tomou uma xícara, acompanhada de um pão com manteiga, em pé, apoiado à pia. Estou atrasado, pensou, escovo os dentes quando chegar no escritório.

"Ele chegou não faz 5 minutos e já foi ao banheiro. Não entendo por que sempre faz isso. E sempre leva a mochila com ele. Já pensei que talvez ele escove os dentes. Mas não faz sentido. Ele entra e não come nada. Eu já vi também que ele não come por aqui por perto. Provavelmente come em casa ou não come nada. Então, não faz sentido chegar e ir para o banheiro. Todos os dias! E por que leva a mochila? O que carrega nela além do computador? Como eu queria saber!
Ah, lá vem ele de volta. A mesma cara sem expressão. Diz bom dia, mas é como se não dissesse nada."

"Ele passa a manhã em sua sala. Às vezes sai de lá e vai ao banheiro (mas sem a mochila) ou toma um café. Às vezes conversa com alguém. Já reparei que conversa muito mais com homens do que com mulheres. É isso mesmo! Acho que ele praticamente só cumprimenta as mulheres. Conversar mesmo, só com homens. Teve uma época que eu pensava que ele era gay. Mas o fato de conversar só com homens é pouco perto das secadas que eu já vi ele dando nas meninas do escritório. Parece que tem hora que ele esquece que está em público e se perde. Tem um olhar de tarado estranho. Dá a impressão que ele tá com raiva. Uma mistura de raiva e tesão. Uma coisa meio bicho, meio homem das cavernas. Confesso que isso até me excita um pouquinho. Mas é só no mundo das idéias. O conjunto da obra me espanta, me afugenta! Percebo também que ele, nas conversas com os outros caras, nunca parece relaxado, nunca parece feliz. Olha para os outros caras enquanto eles falam com a mesma cara sem expressão com que me dá bom dia. De vez em quando solta um 'an-ram'. Muito raramente diz um frase. E são frases pontuais, como que pra colocar fim na conversa. Escutei poucas vezes, mas pelo gestual, parece sempre ocorrer a mesma coisa. Ele tá saindo pra almoçar. Hoje ele vai comer hamburger. Sei disso por que é sexta-feira.
Já o segui algumas vezes. Sou muito curiosa. Admito. Às sextas ele vai sempre numa lanchonete aqui perto e pede um X-tudo. (Eu gosto de tomar um suco de laranja que vendem na padaria em frente.) Deve ser a maneira que ele encontrou de celebrar a sexta-feira. Ele também sempre pede uma cerveja. Senta lá no fundo, de costas para a porta de entrada, olhando para a parede. Come devagar e saboreia a cerveja. Também fuma um cigarro, enquanto caminha de volta para o escritório. Mas só às sextas. Ele nem tem cheiro de cigarro. As meninas do escritório até hoje não acreditam em mim. Pensam que eu confundi ele com outra pessoa. Onde já se viu alguém fumar só em um dia da semana?"

Conseguia até sentir certo prazer no cigarro. Mas sabia dos danos que poderia causar. E ele precisava viver muitos anos para recompensar a família por tê-lo sustentado durante os primeiros 25 anos de sua vida. Então, fumava só um cigarro por semana. Nunca ouvira falar, nunca lera nada a respeito de alguém que tivesse morrido de câncer fumando um único cigarro por semana. Na verdade, ele nunca ouvira falar de ninguém além de si próprio que fumasse um único cigarro por semana.
Ele percebeu que a recepcionista estava por perto. A menina tomava um suco do outro lado da rua. Ele podia reconhecê-la facilmente de onde estava, embaixo daquela árvore, apoiado em seu tronco. Ela não era linda, mas também estava longe de ser feia. E tinha um certo charme no andar que atraía sua atenção. Queria esperar a moça terminar para seguí-la até o escritório. Mas a puta não terminava a merda do suco! Queria seguí-la para acompanhar a distância o rebolado que ela tinha quando caminhava. Quem sabe um dia ele a chamasse para sair. Seria bom se tivesse mais amigos. Uma festa seria uma oportunidade ideal para um convite desses. Mas seus únicos amigos eram seu irmão, que morava no Canadá e com quem se comunicava exclusivamente via email, e um colega de faculdade que mudara para o Rio. No mais, era só. Então, não havia uma oportunidade interessante de convite. Assim era melhor, por que ele sabia como tudo acabava.
Fim de dia, fim de namoro, fim de fim de semana. Aquela coisa que aperta o peito. Foi bom enquanto durou, ou não, mas tudo voltava à estaca zero no final. A segunda sempre vinha, o dia seguinte, a ressaca...
Desistiu de esperar. Apagou o cigarro na sola do pé e voltou para o escritório. Tinha mais o que fazer.

29.11.10

Duas

Quero abraçar todo mundo
Quero abraçar o mundo
Depois os meus próprios braços
Me volto pra dentro de mim

Sou só sorriso às onze e meia
Ao meio dia, eu já engasgo
Entre lágrimas
Seguro meus soluços

Quero ser santa, ser pura.
Desisti!
Não preciso me embriagar
Mas hoje eu só quero dançar

Vem!
Te quero agora!
Me devora!
Depois?
Sai de perto de mim!

29.10.10

Longe

Estou do outro lado dessa lonjura. Sua voz (tão límpida na minha cabeça) não é tão bonita no telefone. Prefiro você mais perto do meu ouvido.
Agora descobri, preciso de mais fotos. Muito mais fotos! Preciso de vídeos. Preciso te filmar discutindo consigo mesma, com vergonha de si mesma quando deixa a caneta cair no chão, rindo e fazendo aquele barulhinho gostoso com a língua... parece um passarinho.
Cheiro de café, de mexerica no pé? Não. Sua nuca e seus cabelos. Isso é o que me desfaz.
Seu corpo dentro dos meus dedos, que escorregam por aí, explorando, sempre a primeira vez.
Seus olhos... Que às vezes eu duvido se existem!
Me belisco. Te belisco.
Mas agora não posso. E vou pra cama rezando pra te encontrar em meus sonhos.

Já fazem 2 dias.

18.10.10

Manha de Manhã

Os olhos pedindo mais sono
Os cabelos lindamente desgrenhados
A boca só de lábios protesta contra o sol que já nasceu

Um gemido preguiçoso
Os braços se jogam em todas as direções
As pernas, kilômetros de curva na estrada mais deliciosa

Te beijo!
Faz de conta
Por mais meia hora
Que o tempo é só pra nós dois

2.10.10

eu nunca beijei ninguém como eu te beijo

a curva da sua boca em sorriso
seu olhar que me acalma e excita
o cheiro dos seus cabelos e pele
o toque dos seus dedos
correndo leve a minha nuca
seu hálito próximo demais
sem no entanto me tocar

brinco de fugir pra gente rir
e cada vez é a primeira vez

finalmente não vejo mais nada
sou só audição e tato

os estalidos dos seus lábios
quando prendem e soltam os meus
minha língua dança com a sua
nossas mãos esculpem nossos corpos
eu nunca beijei ninguém como eu te beijo

21.9.10

On The Top of My Lap



Yeah, old friend
It's you and me again
Me and you
And all these keys
Which my fingers strike
Sometimes lazily
Sometimes in anger

You and me
The cigarette
The booze

You with your screen
Which never shows what I wanna see
The ink fading on your tatoos
(I did those to you)
But they fade away
To show me
Every moment is neverlasting
That's why they're so precious

Now I shut the lid
And give you and me
The rest we both deserve

Life As It Is



And then you're born
and you cry
but soon enough you remember you're loved
and you love for the first time
and you start seeing things
and you hear, and you smell
and touch, and you taste
and you taste everything around you
Then you walk
then you run
and you eat, and you drink
you get dirty, you get showered
you pee, you poop
And then you go to school
and you learn even more
you meet peers
you find out you're not unique
you just don't know if that's good or bad
you make a real friend, or several
you find out you have brothers in other families
You understand God
And then you get a pet
a cat, a golden fish
if you're lucky, a dog
you ride a bike
you fall off the bike
you get back on it
and you fall again
and keep riding it
your big sister kicks you ass
your big sister kicks somebody's ass to protect you
you get to know a different place
one you never dreamed of before
you swim in a pool
a lake, and, finally, the sea
you get sunburns
but you're too happy to care
And you meet a girl
who makes you think differently
and you kiss this girl
And you remember God
And then you learn to drive
you travel further
without your parents
you get a medal
sometimes an "A"
you feel good about it
you screw up
it hurts a little
but you learn
And you get a job
you get paid
you buy stuff your dad wouldn't
you have some laughs
And then you're out of your parents'
and you get not to make your bed
and you're really happy about it
you have friends over
you have girls over
And there's this one girl
who makes you change a couple of plans
Things change
You change

Things aren't as easy as you thought they would be
but you still love every minute of it

Life As It Is

And then you're born
and you cry
but soon enough you remember you're loved
and you love for the first time
and you start seeing things
and you hear, and you smell
and touch, and you taste
and you taste everything around you
Then you walk
then you run
and you eat, and you drink
you get dirty, you get showered
you pee, you poop
And then you go to school
and you learn even more
you meet peers
you find out you're not unique
you just don't know if that's good or bad
you make a real friend, or several
you find out you have brothers in other families
You understand God
And then you get a pet
a cat, a golden fish
if you're lucky, a dog
you ride a bike
you fall off the bike
you get back on it
and you fall again
and keep riding it
your big sister kicks you ass
your big sister kicks somebody's ass to protect you
you get to know a different place
one you never dreamed of before
you swim in a pool
a lake, and, finally, the sea
you get sunburns
but you're too happy to care
And you meet a girl
who makes you think differently
and you kiss this girl
And you remember God
And then you learn to drive
you travel further
without your parents
you get a medal
sometimes an "A"
you feel good about it
you screw up
it hurts a little
but you learn
And you get a job
you get paid
you buy stuff your dad wouldn't
you have some laughs
And then you're out of your parents'
and you get not to make your bed
and you're really happy about it
you have friends over
you have girls over
And there's this one girl
who makes you change a couple of plans
Things change
You change

Things aren't as easy as you thought they would be
but you still love every minute of it

20.9.10

É Tu Ou Nada

Pelo que é efêmero,
Tão rápido que nem eu mesmo sei:
Foi sonho ou aconteceu?

Sei que aquilo,
Que nem mesmo sei se imaginei,
Era o que eu queria pra mim.
Não só naquele dia inconsciente
(Inconsequente)
Mas sempre!

Queria que existisse um lugar,
Ou um quando. Um dia? Não.
Talvez um mês, um ano. Mais!

Lá (ou então),
Em outra dimensão,
Só nós dois de relevante.
Todo o resto: fim, acabado.

Esses seus olhos,
Que nem sei de que cor que são,
Me olhando e dizendo
Tudo que você jurava esconder.

Naquela madrugada curta
Você foi muito mais minha do que sua,
Mesmo sem tanto do que eu queria.
(Eu sempre quero mais)

Continuo querendo.

28.7.10

A Hoax

She was a Hoax

At first I didn't know her
I saw her and her pretty eyes
There was no identity
There was no connection

Suddenly she became attractive
And I moved a little closer
I liked her smell
And the way she laughed

I got yet a little closer
I heard her talking
Her ideas seemed right
Suddenly she became beautiful

She seemed...

She seemed, but she wasn't.

24.7.10

Casamento Heterossexual

O Casamento Heterossexual

Venho aqui escrever e rogar a todos os meus quase 3 leitores que se casem. Em especial, os heterossexuais. E aí, para não soar preconceituoso aos que não me conhecem, terei que dedicar um páragrafo ou dois para explicar o porquê de me referir, em particular, aos heterossexuais.
Hum, sinto uma crônica nascer...
Bem, eu não tenho conhecimento de causa para falar sobre relacionamentos homossexuais. Tudo aquilo que sei vem do que ouvi e li a respeito do assunto. Ouvi de meus queridos amigos, li em revistas e na internet. Mas não vivi. Não sei como é. No que tange os relacionamentos homossexuais, posso apenas especular. E especulo muito. Por exemplo, penso que em um relacionamento entre dois homens pode haver muita violência. Sim, por que eu jamais teria coragem de pensar em ferir fisicamente uma mulher (Com exceção da minha amada irmã. A gente rolava no chão mesmo. Minha mãe ficava puta.). Mas se um cara se relaciona com outro cara e esse outro cara faz uma merda, o que impede o primeiro cara de dar uma porrada na cara do outro cara? Nada. São dois homens. Sou radicalmente contra qualquer tipo de violência. Mas existem situações que são foda! Imagina um casal de homens. Um deles compra uma cerveja cara que queria experimentar na sexta à noite quando chegasse do trabalho. Vamos dizer por exemplo que o cara comprou uma Bohemia Oaken e que essa seja uma de suas favoritas (aí ele não teria comprado para experimentar, né, anta?). Pois bem, naquela sexta-feira o outro cara saiu mais cedo do serviço por algum motivo qualquer. Por exemplo, um funcionário da empresa para a qual ele trabalha, revoltado com as condições desumanas com as quais é tratado, resolve fazer uma ameaça de bomba falsa. Só pra ver o circo pegar fogo. É, tem gente que tem cada uma. E aí, a empresa é evacuada às pressas, às 3 horas da tarde. O marido em questão, anteriormente referido como o outro cara, chega em casa às 3 e meia e pensa: "Puta, que sorte! Escapei do atentado terrorista e ganhei preciosas horas para curtir a vida em plena sexta-feira!" Ele chega em casa e pensa: "Por que não tomar uma cervejinha?" Por que não? Eu faria o mesmo. O cara abre a geladeira e tcharam, uma Bohemia Oaken, estalando de gelada. O cara bebe aquela delícia. E depois, bebe o que mais achar na geladeira com algum teor alcoólico. Aí, o primeiro cara, seu marido, chega em casa às vinte e duas e trinta. É, por que calhou de justo naquela sexta em que seu marido, no caso, o outro cara, saiu mais cedo, ele teve que ficar até mais tarde no trampo. A gente pode pensar, para que a história tenha mais verossimilhança, que, aqui entre nós, é uma coisa que eu prezo acima de tudo em qualquer história, que o cara trabalhe em um banco e era época de fechamento. Pois bem, o cara chega em casa às 22:30, e quem já trabalhou em banco em época de fechamento sabe que estou sendo até bacana com nosso personagem, e pensa: "Bom, pelo menos tenho aquela Bohemia Oaken pra tomar, pra compensar toda a encheção de saco do trabalho." Ele abre a porta do apartamento (Sim, apartamento, por que a probabilidade de um casal homossexual morar em um apartamento é muito maior do que de ser em uma casa. Um casal homossexual teria uma vida muito mais tranquila em uma grande cidade. É de conhecimento de todos que, infelizmente, ainda existe o preconceito para com os homossexuais. A Argentina já autorizou a união estável entre eles, seguindo o exemplo de alguns outros países da Europa, mas não sem polêmica. Porém, a verdade é que o preconceito ainda existe e costuma ser maior em cidades menores. Imagino que isso ocorra por que em uma cidade grande, existem mais pessoas. Onde há mais pessoas, há mais histórias. E onde há mais histórias, uma coisa que parece de outro mundo em um lugar onde há poucas histórias pode parecer trivial em um lugar onde há várias histórias. Acho que é por isso que há mais preconceito em cidades menores. Acontecem menos coisas em uma cidade menor e as pessoas acabam, em alguns casos, criando caso com coisas que na verdade não deveriam render tanto assunto, como os relacionamentos homossexuais. E em uma grande cidade, o custo para se viver em uma casa é altíssimo. Isso sem falar no medo que a maioria dos habitantes das grandes cidades têm de viver em uma casa. Num apartamento bacana você tem porteiro 24 horas, cerca elétrica, playground, e se for bem-sucedido, até piscina.)...
Voltando.
O cara abre a porta do apartamento e vê seu marido bêbado de cueca no sofá assistindo ao início do Globo Repórter. Desolador. Mas ainda tem a Bohemia Oaken. Tudo vai ficar bem. Ele desaperta o nó da gravata, pendura o terno em uma das seis cadeiras da sala de jantar e vai direto pra geladeira de aço escovado (super tendência!). Ao abrir a geladeira, surpresa! Cadê a Bohemia Oaken? Não está mais lá. Como também não estão os doze latões de Skol que eles haviam comprado por que estava barato (Depois da primeira desce até Nova Schin, mas Skol é bem melhor. Aqui emito uma opinião, e não um fato.) . Então a cena é essa: o cara de saco cheio descobre que a cerveja preferida não existe e nem paliativo sobrou por que o marido dele encheu a cara das 3 e meia até agora com tudo que tinha na geladeira. Se fosse uma mulher o bebum, ... deixa eu redigir isso para prevalecer o entendimento sobre a poesia... Se o bebum fosse uma mulher, o cara ficaria puto, tomaria um banho e amanhã esqueceria o acontecido. Mas o bebum é outro cara. É um cara que está de cueca no sofá do primeiro cara, com toda a cerveja da casa na barriga. Ah, bróder, isso dá porrada.
Imagino que num casamento entre duas mulheres também haveriam certas particularidades. Mas não quero entrar nesses detalhes pois não sei o que se passa dentro da cabeça de uma mulher. Nem o Chico sabe! O que me leva, como diria meu pai, à vaca fria.
Existe uma expressão assim: voltar à vaca fria. Que quer dizer voltar ao assunto inicialmente iniciado. Ficou feio, mas cê entendeu.
Então, voltemos à vaca fria. Não escrevo sobre como imagino que seria o casamento entre duas mulheres pois acho que estaria falando de coisas sobre as quais não entendo muito bem. No entanto, posso dizer que me parece que duas TPMs para um casamento é um pouco demais. Imagina como vivem aqueles sultões do Oriente Médio que se casam com várias mulheres? Haja TPM pra administrar!
À vaca fria!
O casamento heterossexual tem uma utilidade enorme para o homem (e imagino que para a mulher em igual proporção). O homem vai aprender um pouco mais sobre o universo feminino (sem jamais, no entanto, compreendê-lo por completo). Sim, caro leitor, por que não adianta ser criado pela avó, morar só com a mãe solteira ou divorciada, ou mesmo dividir um apê com a irmã e as primas. Não, nenhum relacionamento entre homem e mulher tem as nuances e cores do casamento. Como por exemplo a tentativa de esconder certas coisas, como peidos, arrotos, depilação, menstruação, etc, mas no casamento, uma hora tudo vem à tona: manias, nóias, as idiossincrasias (ah, vá consultar um dicionário!) de cada indíviduo. E se essas coisas já são estranhas naturalmente entre indivíduos do mesmo sexo, o que dizer quando você conhece o que acontece com o outro sexo?
Não, nós não somos iguais (Louvado seja o Senhor!). Somos diferentes pra caralho! Bioquimicamente falando mesmo. Admitamos (aceitemos) que todo ser vivo, inclusive os seres humanos, não passam de um saquinho de água cheio de solutos dos mais variados tipos. De indíviduo para indivíduo, até mesmo gêmeos univitelinos, há uma diferença enorme de como essas substâncias interagem e em que proporção elas estão presentes. O que dizer da diferença que existe entre o homem e a mulher?! E são algumas dessas substâncias que ajudam, até certo grau, a moldar a personalidade de cada pessoa. Se você ainda insiste em dizer que somos todos iguais, eu vou tentar clarear um pouco mais as coisas. Somos sim, ainda que só no papel, (quase) iguais perante a lei, em direitos e deveres. Mas qualquer mentecapto, só de observar os corpos, percebe a diferença que existe entre um homem e uma mulher. Ao se conviver então, as diferenças saltam aos olhos (aos ouvidos, ao nariz...). E essas diferenças têm muito a ver com aquelas substâncias que estão dissolvidas no saquinho de água que é cada pessoa. O lance é que as substâncias ingeridas até podem ser as mesmas, mas como elas serão processadas, depende de outras substâncias que já estavam presentes ali. E as substâncias que estão presentes ali foram formadas a partir de uma "receita de bolo" presente nas duas primeiras células (uma da mamãe e outra do papai) que deu origem a todo aquele ser humano resultante. Muita coisa interfere no resultado final: como se deu a concepção, como se deu o desenvolvimento do embrião, como se deu o nascimento do rebento, como se deu a criação do filhote até que ele ou ela atingisse a maturidade sexual e pudesse enfim, como manda o dogma da Igreja Católica, até o presente momento a religião predominante no país, também ele ou ela casar para então procriar. Mas nada, absolutamente nada, interfere tanto quanto qual cromossomo sexual o espermatozóide do papai que fecundou o óvulo da mamãe carregava: X ou Y?

Livremente inspirado no seriado Separação.

24.6.10

23.5.10

Not Simple Past

People say I'm already lucky

Just because I tried it?
(Actually, there's more.)
All that because...
Once I knew what it was

Her hair, her voice, her touch, her scent, her taste

That's all I can put into words

If only I could wipe it out
I wish I didn't remember
But I can't fight it!

An arm, a leg, my reason
Just like her
A part of me

6.5.10

Jardim de K


O Jardim de Amor de K

Ela quer ser cinza
Então
se recusa a ver as cores do mundo
que dançam e cantam e gritam à sua volta
E ela se abraça às próprias pernas
E se enterra entre os próprios braços
E fecha os olhos
Pra que tudo fique negro
Nem uma nesga de cor!
No mundo que ela decidiu,
"É cinza!"

Me inspirei nesse quadro do Kandinski.

24.4.10

Just a Gardner

"Hello, little flower. Looking beautiful as always."
"Oh, my favorite gardner! What took you so long?"
"You know, places to go, people to see. I brought you some water."
"I love you, Mr. Gardner."

Some drops of water pour down on the little plant.
They smile at each other.

"I'm always happy when you come."
"No, little plant. I'm always happy when I come.
You're only happy in the sun.
And, right now, all I can give you is shade."
"Mr. Gardner, are you leaving again?"
"You know me better than that.
I'm only little drops of water
Dripping over your stem and beautiful petals...
God, you're so beautiful!
Sometimes, even I wish I could stay.
Farewell, now."
"Bye, Mr. Gardner. I hope you come here again soon."

23.4.10

Insônia

Deito na cama, no escuro. Que paz! Por que não dura?
Rapidamente meus olhos se acostumam e a escuridão agora é claridade que fere meus olhos. Meu corpo, esse sim, não se acostuma. A cama me irrita a pele, a colcha me esfola vivo. Eu me coço, me esfrego contra o lençol. Giro para um lado e vejo a parede me encarando, branca, vazia, sem nada pra dizer. Do outro lado, a porta, que mantenho fechada. Não quero que ninguém me veja assim, sem controle, sem máscara, sem armadura.
Penso em olhar as horas. Sei que não adianta nada. Muito pelo contrário. Saber que horas são provavelmente só vai me deixar mais estressado. Começo a calcular quantas horas dormi na noite passada, na noite retrasada, na última semana... Pra eu olhar as horas, vou ter que abrir o flip do celular e inundar o quarto com aquela luz laranja: mais uma agressão. Meu coração vai disparar e aí então é que eu vou demorar a dormir mesmo.
O ventilador faz aquele ruído incessante. Vou desligar essa merda! Mas pra isso, preciso me levantar. E eu sei que se sair da cama, vou ter taquicardia, meu corpo vai se inundar em adrenalina... já sei como isso acaba: não acaba.
Me levanto e desligo o maldito ventilador. O silêncio agora é quem me incomoda. Meus ouvidos começam a ser comprimidos, estou a 30 metros de profundidade... preciso respirar.
Amanhã tenho que levantar cedo. Muito cedo. Eu devia contar carneirinhos... as horas? Que horas serão agora?
00:34
Que merda! Olhei as horas. Meu olho tá ardendo por causa da luz. Meu coração parece que vai sair pela boca. A coceira volta pelo corpo inteiro. Já arremecei cobertor e lençol para longe. Agora vão os travesseiros e, na sequência, minha bermuda e minha cueca. É insuportável.
Já tem mais de uma hora que eu deitei, com a luz apagada. Estou mergulhado no mais absoluto silêncio. A cama é praticamente um palácio. Quase dois metros de largura só pra eu me esparramar. E eu me sinto completamente desconfortável.
Amanhã tenho que levantar muito cedo. Fecho os olhos, mas não há cola nas minhas pálpebras. Tento ficar bem quieto, bem imóvel. Mantenho os olhos fechados por um longo tempo, mas logo tenho que me mover. Agora são os meus joelhos... tenho a sensação de que vão estalar e os movo. Mas não acontece nada. Tenho a impressão de que a parte de baixo de minhas pernas, a batata, os pés, os tornozelos, não servem pra nada. Simplesmente estão lá para forçar mais os joelhos.
Meus olhos estão secos, como se eu estivesse na frente do computador há horas.
Que horas serão agora?
02:32
Estou cansado. Já não resisto mais. Faça comigo o que quiser. Vou aceitar. Só me deixe dormir. Só por uns minutos...

17.3.10

Proposta

Eles se conheciam a menos de uma semana. Tá certo que se falaram todos os dias desde então, mas agora ele a convidava para passar a noite juntos em um hotel?
A cabeça dela girava. Ela queria ir, queria muito. Mas tinha medo, receio, sei lá. Aquilo era certo? Como ela poderia ter certeza de que ele não era um psicopata, um louco? Ou pior, e se ele fosse chato? E se eles se beijassem, lá pelas tantas, e não rolasse química?
O problema é que ele propunha aquilo com uma naturalidade desconcertante. Como se dissesse assim: escuta, vamos dar um pulinho ali na padaria comigo pra eu te comprar um Sonho de Valsa? Ele argumentava que só queria ter privacidade com ela, poder conversar sem ter hora pra parar.
E ela queria dizer sim. Queria demais dizer sim! Só o despeito, a coragem, ou a cara-de-pau que ele teve em propor aquilo já a deixava curiosa demais.
Mas ela resistiu. Por algumas horas. E só topou por que ele aceitou suas condições.
"Quando eu falar que quero ir embora não é nem pra você tentar me convencer a ficar, ouviu bem?"
"Se! Se você falar. Você não pode ter certeza que vai querer ir embora sem nem ter ido ainda."
Ela enfim topou.
Ele saiu do trabalho e passou na casa dela. Ele estava muito limpinho e cheiroso, considerando que tivera um dia cheio.
Ela estava linda. Não. Ela simplesmente ERA linda. Não precisava de exageros: calça jeans, top preto e All Star. Só pra garantir, tinha decidido estrear um conjunto de lingerie novo.
Quando ela entrou no carro e ele a abraçou, sentiu como se já o conhecesse há muito tempo. Mesmo assim foi firme consigo mesma: não dou pra ele hoje de jeito nenhum!
No trajeto até o hotel conversaram sobre o dia. Pareciam mesmo um casal de namorados. Aquela uma semana de convivência virtual dera a eles uma intimidade não comum pro pouco tempo que se conheciam.
Já se riam um das questões do outro, por que as questões de um e de outro já eram como se fossem dos dois.
O hotel era simples. Nada demais. Mas também não era feio ou sujo. Era até bem bonito. Tinha até piscina, que eles só viram da janela do quarto.
No quarto, ele perguntou se ela estava com fome.
"Eu já jantei."
Ele abriu um salgadinho que estava em cima do frigobar. Enquanto mastigava estralado a batatinha, tirava o laptop da mochila.
"Vou por uma música pra gente. Eu trouxe um jogo de tabuleiro aqui. Quer jogar?"
Era um jogo de palavras cruzadas. Ela ficou meio sem entender o que ele pretendia com aquilo. E que coisa mais entediante! Por que ele não trouxe Banco Imobiliário ou War? Mas achou que seria indelicado não topar o joguinho.
Ele explicou as regras e a música começou a vir, baixinha, suave, do laptop. Era Seu Jorge cantando e tocando sozinho. Ela não conhecia aquele cd.
"Que cd é esse?"
"É da trilha de um filme. Mas não é um filme muito famoso. São músicas do David Bowie traduzidas pro português."
"Bacana."
O jogo até que não era assim tão mau. E proporcionava boas risadas quando eles tentavam inventar palavras. Iam conversando e se conhecendo mais. Ele falava de seu trabalho, das coisas que já tinha vivido. Ela contava das aventuras de final de semana, da saudade que tinha do irmão que morava longe.
Lá pelas tantas, ela percebeu que, embora ainda faltasse bastante para o fim do jogo, seria impossível vencê-lo. Começou a ameaçar rasgar o tabuleiro caso perdesse. Ela falava sério. Odiava perder. Mas ele ria e achava graça. E ria tão gostoso que ela também começou a achar graça de si mesma.
Ela então começou a se perguntar se ele nunca tentaria beijá-la. Ele parecia tão impassível, montando palavra atrás de palavra sobre o tabuleiro, olhando pra ela e sorrindo.
O jogo se estendeu por mais um bom tempo até que as peças se acabaram. Ela ficou bem irritada com a derrota. Ele continuava sorrindo e perguntava se ela queria ouvir outra coisa.
"Quem tá cantando agora?"
"Ben Harper. Cê gosta?"
"Não conheço muita coisa dele, mas tô gostando. Posso ver o que mais você tem?"
Ele pegou o laptop e o colocou gentilmente no colo dela. Ela estava sentada recostada à cabeceira da cama. Ele se colocou a seu lado. Enquanto ela olhava para a lista de músicas, ele a namorava com os olhos. Em algum momento, os olhos dela perceberam os olhos dele e o homem e a mulher, o menino e a menina, se encontraram num beijo.
Ela ficou muito feliz em descobrir que seus receios eram todos sem fundamento, especialmente sobre não haver química entre os dois.
Mesmo assim, ela foi forte. Não deu pra ele naquela noite.
No outro dia bem cedo, ela acordou. Tirou toda sua roupa e se deitou sobre o corpo quente dele.

3.3.10

"Nosso medo mais profundo não é o de sermos inadequados, nosso medo é de que sejamos poderosos além da medida. É a nossa luz, não as nossas trevas, o que mais nos assusta.

Perguntamos a nós mesmos: Quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentoso?

Na verdade, quem você não poderia ser? Você é filho de Deus. Sua atuação contida não ajuda o mundo. Não há nada que justifique o ato de se encolher para que as pessoas à sua volta não se sintam inseguras. Você foi criado para manifestar a glória de Deus que está dentro de você.

Não apenas dentro de alguns de nós; ela está em todos; e, quando deixamos nossa luz própria brilhar, inconscientemente permitimos a outras pessoas que façam a mesma coisa.

Como estamos livres do nosso medo, nossa presença libera automaticamente os outros."

(Nelson Mandela)

23.2.10

E agora, José?
Seu time perdeu
A cerveja acabou
A internet pifou

10.2.10

Losing It

I look around
I try to find it
Where did I leave it?

It's not under my pillow
Not on the bedside table
Maybe in its drawer!
Nope.

I've looked in all my jeans' pockets
I only have a jacket worth wearing
Not there either

Suddenly, it comes to me:
If I've never had it,
How can I be losing it?

1.2.10

God's Playground

A manual on living on this planet

As far as my interpretation goes, I believe Adam and Eve were not really kicked out of paradise. Eden is here. God, for reasons we might never know, created this planet for His children to play in. And He loved His children so much He put very simple rules for them to use the play ground. Those are the following:
1. Love one another.
2. Take good care of the playground I created for you.
Yes, that's it. No ten commandments. No 7 Deadly Sins. That's all that is.
The thing about Adam and Eve being kicked out was just a metaphor. Nobody is actually gonna be kicked out. The only thing is, if you do not abide by those two simple rules you might end up losing your playmates and/or the playground.

31.1.10

Onde?


Aqui. ...........................Aqui. Aqui.
Aqui. .....................................Aqui.
Aqui. Aqui. ...........................Aqui.
.....................Aqui. .........................
Aqui. .....................Aqui.
.........................................................
Aqui.

26.1.10

Algo sobre o que é válido escrever: as reticências

Eu me incomodei muito tempo sobre essa minha mania de escrever e terminar toda frase com reticências. É. Às vezes eu substituo até interrogação por reticências. Meu proof-reading normalmente me salva. Será que salva mesmo?
Mas a verdade é que quando releio um trem que escrevi antes de apertar o send eu fico sempre achando que tem reticências demais.

teve uma época que me incomada essa mania de escrever sem letra maiúscula. já superei. mas não aqui, né?

Eu fico pensando. A pessoa que lê vai achar que eu não terminei o que ia dizer... vai achar que eu não tinha certeza sobre o que estava escrevendo (o que é quase sempre verdade) vai achar que eu não terminei ainda e por isso vai ficar esperando (e eu de cá esperando uma resposta brotar de lá)

Foda-se. Ou como dizem por aqui: FODAS! (eu devia ter terminado com reticências)

...

p.s.: acabou? ...
Ócio

Bato nas teclas
Mas nem me sai um haikai.
Malditas férias!

2.12.09

A Highschool Girl Giving a Total Stranger a Little Hand

I have no idea why mother did that. I think she was really measuring me by herself. I knew she was crazy for sex. At a very early age -- not that early so I wouldn't understand what was going on, but still -- I walked in on her and my dad doing it several times. To be completely honest, it happened so many times that at a certain point I would turn around and they would carry on, as if the phone had rung and it had been a wrong number.
"Who was it?"
"Wrong number."
"Brilliant. Come here and let's try that again."
Sometimes if I had been actually looking for them because I needed to ask something, they would stop it, half covering their bodies, answer my question and then resume what they were doing.
I remember very clearly the day they told me about the divorce. Dad got home and we had dinner in silence. After dinner, they went into the den with a bottle of wine. I couldn't hear a thing from the TV room, even though the door was open. So they couldn't be having sex. I was about to go upstairs to brush my teeth and head to bed -- being such a nice girl -- when they called me into the den. Mom did the talking. She told me that she and dad were getting a divorce not because their love was over, but because their love had changed and they figured they'd be able to make me happier if they moved on being just friends. Dad smiled and took me to bed. He tuck me in and kissed me goodnight. After a few minutes I could hear mom screaming like a whore. Some people say make-up sex is great -- and I'll vouch for that -- but from the noise those two made that night, nothing beats break-up sex. I was about 8.
When I found out what that was all about, I figured, "sex must be awesome!" And I started reading everything remotely related to sex I could get my hands on. One day I came back from school and put my backpack on a chair at the kitchen table. Mom was on the phone and I decided to have a shower before dinner.
When I came back downstairs she was sitting on the couch reading the book I had brought from the school library. That day was important for me for two different reasons. First, I learned my mom's view on sex when it came to her little daughter thinking about it, since when it came to her doing it... well, let's say I was very familiar with her views on that. Second, I learned my mom was in the habit of going through my stuff, probably to make sure I was not smoking pot. There had been this time when I decided to support marijuana discriminalization during our usual dinner talk. I was just trying to show how grown I was and defend my point of view. For her, I was trying to defend myself in anticipation in case one day I got caught. I was about 12 then.
The book I had brought was one of those cheap chick bestsellers. It was about this girl who's very honest and noble and meets a guy who has all those nice things a girl learns from her family she should look for in a guy -- namely, money, likes children, plays an instrument, loves his mother, and so on -- but, due to the fact that he's engaged -- the girl is never engaged and is usually a virgin -- they can't be together. So, they meet occasionally here and there, kiss once, being a little drunk, until the day the guy's fianceé passes away. The book ends with a beautiful sex scene described from the viewpoint of a virgin -- which means she uses words like 'male organ'.
Anyway, there she was holding my book. She started offering to answer my questions, should I have any, but we ended up having this huge fight during which I stated she was disrespecting my individuality, whereas she argued that children don't have rights until they own a home, and, according to her, even then there are limits to their level of freedom. It was a good fight.
On the following day, she didn't wait for me to come to her with questions. She prepared a very professional presentation on the subject of sex and STDs -- she actually made a PowerPoint presentation. If her idea was to scare me out of the idea of ever having sex, she succeeded. For a while.
The truth is, I kept reading more and more virgin-falls-in-love-and-has-sex books. Then I moved on to really erotic literature. When I was about 15 I was in the habit of reading erotic poetry.
That and masturbation.
I found out at that time that I would have a much more intense orgasm, and it would be much faster to have it, if I had been reading about sex before (or while) I did it. And at that time, boys had become so interesting for me.
The thing is, I was going to one of those Catholic schools for girls only. My consolation was my cousins, my neighbor's son and Hollywood. I would fantasize about Hollywood actors all the time.
There was this once when I ran into my neighbor's son coming back from the subway station. He was a couple of years younger than me, very shy and, probably because of that, very charming. I invited him to have dinner with me and my mom -- only she was away on business. I "accidentally" found a bottle of wine and made him drink so that he would have the guts to actually do something to me. It was a very wise decision of mine to choose another virgin, especially someone younger than me, to do that, because that put me in total control of the situation.
While we ate and drank he was pretty quiet. After we had finished the first glass, he was telling me everything about his life, school, family. I suddenly asked him if he masturbated. He blushed a little and said, "only all the time." I then asked him if he did it thinking of me. "Only all the time!" I blushed a bit, too, and changed the subject. We drank about one and a half bottles and we were suddenly making out on the couch. He was a really good kisser but also really slow -- which was nice at first but things got really hot really fast. I could feel his dick pressing against my body and I could tell it was fairly big. I told him to stop kissing me and told him to masturbate for me to watch. I had seen thousands of dicks in movies and magazines, but nothing compared to seeing one live. He started doing it very slowly, smiling at me. He didn't look like a boy anymore. He was man. And he was all mine. I took the liberty of continuing his job.
I had never felt so powerful! And to be perfectly honest, I still think there are very few things which make a woman feel more powerful than when she's holding a man's dick. They become little puppets in our hands.
We went steady for quite a while but I was too curious to get attached so soon. I wanted something different. He was really pissed at me when I broke up with him. We never had sex, technically speaking.
There was this guy who always rode the subway with me on Friday nights after practice. I was always wearing my volleyball outfit and I noticed him eyeballing my legs a couple of times. I felt really good about it. He was older than me, he had an incredibly sexy five o'clock shadow, and he noticed my legs.
One fine day, the car was pretty empty, and I spotted him glancing out the window absent-mindedly. I simply sat next to him and said, "let me give you a handjob."
I still find it hard to understand where I got the guts to do it like that. The guy could have been a pervert. Or worse, he could have been gay. Turns out he was none of that. And I felt I could do anything I wanted after giving him that handjob. And to think I was still a virgin.
I never saw him again. That day had been the last time I was ever going to ride that subway. Mom and I moved downtown that weekend. Sometimes I wonder what would have happened if I had given him my number, if we had met after that. But I think the fact that it happened like that and only once makes that day all the more special.
Maybe my mom was right after all to measure me by herself.