7.2.11

Metrossexual

Metrossexualidade Imposta

Deitado, depois do almoço, pensava e tentava se decidir: vejo um filme, leio um livro... nada. Deixou aquela preguiça gostosa do período absortivo tomar conta da carcaça e foi perdendo a consciência devagarinho. Ela estava por ali, mexendo em alguma coisa, com os óculos que odiava e, por isso, só usava em momentos de grande intimidade, como aquele.
Ele sentiu, quase sem entender, no meio daquela obnubilação da siesta, que ela se aproximava. Sentiu que ela se deitava sobre seu corpo, bem lentamente, sem fazer barulho. Talvez ela quisesse se sentir próxima a ele, talvez quisesse sentir mais uma vez o calor do corpo dele, talvez simplesmente quisesse participar daquele cochilinho nos braços dele, talvez ela quisesse que o cochilinho se transformasse em outra coisa... Mas ele nem se deu ao trabalho de abrir os olhos, tamanha era a preguiça e embora sua mente já sorrisse. Ele podia sentir o cheiro do corpo dela, ouvir a respiração lenta e bem ritmada.
- Você já pensou em tirar esse fiozinhos entre as duas sobrancelhas?
Acordou de um susto!
- Hein? Nem vem. Sai pra lá.
Tentou esquivar, tentou se levantar, mas já era tarde demais. Ela estava deitada inteira sobre o corpo dele e já tinha nas mãos a maldita pinça. Ele lutava, sem muito jeito, jamais teria coragem de reagir fisicamente a qualquer coisa que ela fizesse.
- Você vai ficar mais lindo. Todo mundo faz isso hoje em dia, sabia?
E ele choramingava e se debatia enquanto ela continuava argumentando e puxando aqueles pelinhos que ele próprio jamais percebera a existência. Ele dizia que era homem e que homens não faziam a sobrancelha.
- Ai, que troglodita você! A sua masculinidade não está nesses pelinhos não, viu? Agora fica quietinho que eu tô quase terminando.
Ele continuou choramingando e ela argumentando, carinhosa, porém firme.
- Pronto! Ficou lindo! Quer que eu pegue o espelho pra você ver?
Ela correu até o banheiro. Ele permaneceu na cama, encolhido, com as pernas abraçadas por seus próprios braços, os olhos arregalados. Sabia que jamais sua vida voltaria a ser a mesma.

31.1.11

Noah Gordon

"A la mañana siguiente estuvo paseando de un lado a otro, mareado, y de vez en cuando sentía las rodillas débiles por el alivio.
Hombres y mujeres sonreían cuando los saludaba. Era un mundo nuevo, con un sol más radiante y un aire más benévolo que respirar.
Se ocupó de sus pacientes con la atención de siempre, pero entre una visita y otra, su mente era un torbellino. Finalmente, se sentó en un pórtico de madera de la calle Broad y examinó el pasado, el presente y su futuro.
Había escapado por segunda vez a un destino terrible. Creía haber recibido el aviso de que su existencia debía ser empleada con mayor cuidado y respeto.
...
Quería que su vida estuviera pintada con los colores más intensos que pudiera encontrar."
(Chamán - Noah Gordon)

16.1.11

Desiderata

Desiderata
by Max Ehrmann

Go placidly amid the noise and haste,
and remember what peace there may be in silence.

As far as possible without surrender
be on good terms with all persons.
Speak your truth quietly and clearly;
and listen to others,
even the dull and the ignorant;
they too have their story.
Avoid loud and aggressive persons,
they are vexatious to the spirit.

If you compare yourself with others,
you may become vain and bitter;
for always there will be greater and lesser persons than yourself.

Enjoy your achievements as well as your plans.
Keep interested in your own career, however humble;
it is a real possession in the changing fortunes of time.
Exercise caution in your business affairs;
for the world is full of trickery.
But let this not blind you to what virtue there is;
many persons strive for high ideals;
and everywhere life is full of heroism.

Be yourself.
Especially, do not feign affection.
Neither be cynical about love;
for in the face of all aridity and disenchantment
it is as perennial as the grass.

Take kindly the counsel of the years,
gracefully surrendering the things of youth.
Nurture strength of spirit to shield you in sudden misfortune.
But do not distress yourself with dark imaginings.
Many fears are born of fatigue and loneliness.

Beyond a wholesome discipline,
be gentle with yourself.
You are a child of the universe,
no less than the trees and the stars;
you have a right to be here.
And whether or not it is clear to you,
no doubt the universe is unfolding as it should.

Therefore be at peace with God,
whatever you conceive Him to be,
and whatever your labors and aspirations,
in the noisy confusion of life keep peace with your soul.

With all its sham, drudgery, and broken dreams,
it is still a beautiful world.
Be cheerful.
Strive to be happy.

Endocrinologia 2

Você É O Que Você Come: Insight?

Ultimamente tenho achado que tem um monte de gente que você pode ficar até um ano sem ver, sem encontrar, e mesmo assim você saberá exatamente o que a pessoa anda fazendo, anda vivendo. Isso é especialmente verdadeiro quando nos referimos à vida amorosa. Tenho tido a impressão de que os solteiros vão morrer solteiros e os casados vão morrer casados. Muito positivista da minha parte, eu sei, mas é o que tenho observado. Tem gente que abre mão de qualquer princípio pra estar em um relacionamento. Por outro lado, tem gente que cria tanto princípio que destrói a menor possibilidade de um dia se relacionar com alguém. Sabe o que todo mundo precisa? Dar uma passadinha no Oriente e aprender o caminho do meio: a little bit of this and a little bit of that.
Uma coisa é certa: ninguém emagrece (ou engorda) mantendo dieta.

12.1.11

Água

Dentro da Água

As águas pesadas acertam minhas costas. Só ouço esse som e as batidas lentas do meu coração ao fundo. Finalmente preciso respirar e dou um passo a frente. Abro os olhos e a luz do sol me cega. Me acostumo à claridade e te reconheço. Só seus olhos me olham na flor da água: uma menina feita crocodilo que se prepara para dar o bote. Mas sei que, submersa, sua boca sorri pra mim. Me aproximo lentamente e deixo minhas mãos descobrirem as curvas do seu corpo nu. Agora as suas mãos também me procuram. E com minha cooperação me coloca em pé de igualdade com você: nada mais separa nossos corpos, a não ser a água que nos rodeia. Não nos tocamos mais, mas estamos próximos o bastante. Posso respirar seu hálito. Nossos lábios se resvalam. Sinto o toque leve de sua pele na minha. Já sei o gosto da sua língua antes mesmo de te beijar. E isso me faz sentir mais vontade.
Mesmo que ainda conseguisse raciocinar, as palavras ainda não foram criadas para descrever o que sinto em seguida.

10.1.11

Resoluções de Ano Novo



Mais um ano se inicia e mais cliché do que essa frase só as resoluções de ano novo mesmo. "Esse ano vou emagrecer", "esse ano vou parar de fumar", "vou ligar mais pra minha mãe", "vou brigar menos com meu pai" etc.
Uma rápida digressão: o uso da pontuação acima com a palavra et cetera me foi ensinado recentemente. Quem quiser debatê-lo, sinta-se à vontade.
Enfim, pra muita gente, esse lance de resoluções de ano novo é balela. O dia primeiro de janeiro, dia mundial da paz, pra quem não sabia, é só uma segunda-feira hipertrofiada. Sabe aquela coisa de segunda-feira? "Segunda-feira vou parar de comer fritura." Ou mesmo "segunda-feira só marca o início de mais uma semana de trabalho."
Bom, mas eu percebo que pra quem (pelo menos) tenta fazer resoluções de ano novo, a virada do ano, o tal do reveillon, é fundamental, essencial. O fato de contarmos os anos nos permite a transformação de uma maneira sistematizada. Quando um ano termina, em especial um ano que tenha sido especialmente difícil, dá sempre um certo alívio. E o início do novo ano nos traz uma certa esperança de que nós podemos fazer diferente a partir de então. Funciona mais ou menos como um "reset", um começar de novo. O sujeito pensa: "é, esse ano eu fumei pra caralho, mas no ano que vem, vou diminuir". Ou então: "é, esse ano comi pra caralho, mas ano que vem vou maneirar" Você pode pensar nas tomadas de decisões que já tomou ou ouviu alguém tomar em virada de ano e completar essa lista. Se não tivéssemos o hábito de contar os anos, essas coisas seriam bem mais difíceis. É, por que imagina se um amigo seu chega pra você e diz: "A partir de quarta-feira eu páro de fumar." A primeira coisa que cê vai perguntar é: "por que quarta?" Ou, se o cara não for tão próximo de você, nem a pergunta vai rolar. Você logo de cara vai pensar que o cara em questão deve ser meio doido. Onde já se viu parar de fumar na quarta-feira?! Imagina se um colega de trabalho chega pra você e diz: "A partir de maio, começo a malhar." Por que maio, porra? Não faz o menor sentido mesmo. E se não contássemos os dias, os meses, os anos, não teríamos essa marcação. Você começou gordinho, vai terminar gordinho. Seria bem mais fácil desistir, largar pra lá, como dizem na minha terra. Mas como temos essas marcações, podemos dizer o que os personagens fictícios citados anteriormente disseram.
Para aqueles que continuam achando que resoluções de ano novo são uma bobagem, eu os desafio. Entra na brincadeira. Faça uma resolução. Busque algo que você não achou tão bacana assim em 2010 e que só depende de você pra mudar. E se proponha mudar. Comece o ano novo respirando diferente, respirando ar puro.
Eu já fiz as minhas.

19.12.10

Amarelar ou Ressaquear


Sua cabeça latejava. Abriu os olhos e percebeu, com muita gratidão aos céus, que estava em casa, aparentemente sozinho. Levantou com alguma dificuldade e foi olhando em volta. Tudo parecia no lugar. As roupas na mesma bagunça de sempre, espalhadas pelo chão do quarto; no corredor a bicicleta impedia a passagem; na cozinha, tudo certo, muitas latas de cervejas vazias transbordavam da lata de lixo e havia uma caixa de pizza vazia sobre a pia. Voltou ao quarto e percebeu que a TV estava ligada.



Era o último dia de prova. Os três foram os primeiros a sair da sala. E pouco menos de 30 segundos abriam a primeira lata de cerveja. Tá certo, meio radical abrir uma cerveja no estacionamento da universidade às 10 horas da manhã. Mas era férias! E foi aí que tudo começou...

Provavelmente as duas coisas já aconteceram com você: você amarelou ou ressaqueou. Mas o que é pior?
A galera tá toda reunida, numa noite como outra qualquer. Não há grandes promessas, não tem nenhuma festa programada, nenhum show na cidade, na verdade, nem cerveja na geladeira. Aí, você decide ir embora pra terminar de assistir a última temporada de Lost. Grande erro. No dia seguinte você tem que aguentar todo mundo te contando as reviravoltas do destino que transformaram aquele dia comum no dia mais louco da sua vida... só que você não estava lá.

14.12.10

Linha Cruzada

Linha Cruzada

Linha 1
Os dois iriam estudar. Era esse o plano mesmo. Não era nenhum tipo de pretexto. Sentaram-se no chão da sala com livros e cadernos espalhados ao redor. O ventilador ronronando no fundo.Os pais dela terminavam os últimos preparativos para partir. Passariam o fim de semana fora. Finalmente terminaram de colocar as malas no carro e vieram se despedir da filha querida: tranque as portas, alimente-se direito, mantenha seu celular carregado, beijo, fica com Deus. O pai dela ainda hesitou à porta. Mas a mãe o tranquilizou. Sua filha e o colega eram apenas amigos e gostavam de estudar juntos. E se foram.
A menina e o menino se entreolharam. Estavam completamente sós. Ela pediu a ele que buscasse o colchão da cama dela. Seu bumbum começava a ficar dolorido. Ele obedeceu com um sorriso mal disfarçado no canto da boca. Sentavam-se agora no colchão. Ele perguntou se ela conseguia estudar com música e ela disse sim. De repente a voz rouca do vocalista do Maná surgia dos alto-falantes do laptop. Ele sentou-se mais perto dela e ela colocou a mão sobre a perna dele. A proximidade permitia aos dois perceberem os cheiros. Os risos começaram a ficar mais frequentes e em pouco tempo estavam se beijando. Os cadernos já estavam longe do colchão e a música os embalava.
Estavam completamente sós. O mundo fora do apartamento, fora daquela sala, não tinha a menor relevância. Eram livres.
A música continuava mansinho e eles agora simplesmente se abraçavam. Curtiam a preguiça nos braços um do outro. De repente, batidas na porta. Eram batidas leves, mas alguém tinha batido. Os dois se levantaram depressa. Quem poderia ser? O som estava baixo demais para ser um vizinho reclamão. Enquanto se decidiam entre olhar ou não olhar, mais batidas na porta. Ele desligou a música e chegou perto da porta. Via sombras que o permitiam entender que havia alguém em pé do lado de fora do apartamento. Com o dedo sobre a boca pediu silêncio a ela. Viu os pés de sombra se afastarem.
Agora os dois conversavam entre sussurros agitados. Quem poderia ser? Será que era o pai dela? Seria mesmo um vizinho?

Linha 2
Aquela noite seria perfeita. Ele conferia se tinha tudo: cerveja gelada no isopor, camisinhas. Estava tudo certo. Chegou rápido ao prédio. Ela tinha deixado a chave da portaria com ele. O combinado seria ele subir e bater de leve na porta. E tudo corria bem até que ele percebeu que não lembrava o andar. Era o terceiro ou o quarto? Subiu hesitante. Ia olhando as portas dos apartamentos pelos quais passava: eram inexplicavelmente idênticas. Chegou ao terceiro andar e hesitou. Seria o quarto andar? Lembrava-se que havia ficado bastante cansado da última vez. Deveria ser o quarto. Subiu o último lance de escadas e chegou-se junto à porta da direita. Isso ele lembrava, era a porta da direita. E se for o terceiro? E se eu bater na porta errada a essa hora da noite? Já passavam das 11! Chegou-se mais perto da porta e ficou mais tranquilo. Podia ouvir baixinho uma música do Maná. Era ela. Só podia ser ela! Bateu bem de leve na porta e esperou. Nada. Talvez ela não tenha ouvido. Bateu mais uma vez. O som foi desligado. Não havia mais música. Retirou-se na ponta dos pés. Só podia ser o apartamento errado. Nesse momento, ela surgia subindo as escadas cautelosa. Gesticulava em silêncio para que ele a seguisse. Os dois desceram as escadas, segurando o riso, até o terceiro andar.

5.12.10

Endocrinologia

Maldito seja o hipotálamo e seus neurônios parvocelulares curtos!
Maldito seja o sistema límbico e seus receptores de ocitocina!

4.12.10

Fim do Dia



Acordou cedo e se olhou no espelho. Era cedo. Mas não tanto quanto ele planejara. Ainda de pijama, foi até a cozinha e colocou água para ferver. Era muito mais água do que ele precisaria. Sempre fazia isso. Assim, teria mais tempo para trocar de roupa. De volta ao quarto, as portas do guarda-roupa já o esperavam abertas. Olhava de um lado para o outro, o monte de roupa da última passada ainda sob o velho baú no pé da cama. Era mais sensato não pegar nenhuma daquelas peças, ou elas seriam usadas mais vezes do que as que ainda estavam no guarda-roupa. Pegou qualquer coisa dentre as poucas peças que acabava sempre repetindo e retornou a cozinha para terminar de coar o café. Tomou uma xícara, acompanhada de um pão com manteiga, em pé, apoiado à pia. Estou atrasado, pensou, escovo os dentes quando chegar no escritório.

"Ele chegou não faz 5 minutos e já foi ao banheiro. Não entendo por que sempre faz isso. E sempre leva a mochila com ele. Já pensei que talvez ele escove os dentes. Mas não faz sentido. Ele entra e não come nada. Eu já vi também que ele não come por aqui por perto. Provavelmente come em casa ou não come nada. Então, não faz sentido chegar e ir para o banheiro. Todos os dias! E por que leva a mochila? O que carrega nela além do computador? Como eu queria saber!
Ah, lá vem ele de volta. A mesma cara sem expressão. Diz bom dia, mas é como se não dissesse nada."

"Ele passa a manhã em sua sala. Às vezes sai de lá e vai ao banheiro (mas sem a mochila) ou toma um café. Às vezes conversa com alguém. Já reparei que conversa muito mais com homens do que com mulheres. É isso mesmo! Acho que ele praticamente só cumprimenta as mulheres. Conversar mesmo, só com homens. Teve uma época que eu pensava que ele era gay. Mas o fato de conversar só com homens é pouco perto das secadas que eu já vi ele dando nas meninas do escritório. Parece que tem hora que ele esquece que está em público e se perde. Tem um olhar de tarado estranho. Dá a impressão que ele tá com raiva. Uma mistura de raiva e tesão. Uma coisa meio bicho, meio homem das cavernas. Confesso que isso até me excita um pouquinho. Mas é só no mundo das idéias. O conjunto da obra me espanta, me afugenta! Percebo também que ele, nas conversas com os outros caras, nunca parece relaxado, nunca parece feliz. Olha para os outros caras enquanto eles falam com a mesma cara sem expressão com que me dá bom dia. De vez em quando solta um 'an-ram'. Muito raramente diz um frase. E são frases pontuais, como que pra colocar fim na conversa. Escutei poucas vezes, mas pelo gestual, parece sempre ocorrer a mesma coisa. Ele tá saindo pra almoçar. Hoje ele vai comer hamburger. Sei disso por que é sexta-feira.
Já o segui algumas vezes. Sou muito curiosa. Admito. Às sextas ele vai sempre numa lanchonete aqui perto e pede um X-tudo. (Eu gosto de tomar um suco de laranja que vendem na padaria em frente.) Deve ser a maneira que ele encontrou de celebrar a sexta-feira. Ele também sempre pede uma cerveja. Senta lá no fundo, de costas para a porta de entrada, olhando para a parede. Come devagar e saboreia a cerveja. Também fuma um cigarro, enquanto caminha de volta para o escritório. Mas só às sextas. Ele nem tem cheiro de cigarro. As meninas do escritório até hoje não acreditam em mim. Pensam que eu confundi ele com outra pessoa. Onde já se viu alguém fumar só em um dia da semana?"

Conseguia até sentir certo prazer no cigarro. Mas sabia dos danos que poderia causar. E ele precisava viver muitos anos para recompensar a família por tê-lo sustentado durante os primeiros 25 anos de sua vida. Então, fumava só um cigarro por semana. Nunca ouvira falar, nunca lera nada a respeito de alguém que tivesse morrido de câncer fumando um único cigarro por semana. Na verdade, ele nunca ouvira falar de ninguém além de si próprio que fumasse um único cigarro por semana.
Ele percebeu que a recepcionista estava por perto. A menina tomava um suco do outro lado da rua. Ele podia reconhecê-la facilmente de onde estava, embaixo daquela árvore, apoiado em seu tronco. Ela não era linda, mas também estava longe de ser feia. E tinha um certo charme no andar que atraía sua atenção. Queria esperar a moça terminar para seguí-la até o escritório. Mas a puta não terminava a merda do suco! Queria seguí-la para acompanhar a distância o rebolado que ela tinha quando caminhava. Quem sabe um dia ele a chamasse para sair. Seria bom se tivesse mais amigos. Uma festa seria uma oportunidade ideal para um convite desses. Mas seus únicos amigos eram seu irmão, que morava no Canadá e com quem se comunicava exclusivamente via email, e um colega de faculdade que mudara para o Rio. No mais, era só. Então, não havia uma oportunidade interessante de convite. Assim era melhor, por que ele sabia como tudo acabava.
Fim de dia, fim de namoro, fim de fim de semana. Aquela coisa que aperta o peito. Foi bom enquanto durou, ou não, mas tudo voltava à estaca zero no final. A segunda sempre vinha, o dia seguinte, a ressaca...
Desistiu de esperar. Apagou o cigarro na sola do pé e voltou para o escritório. Tinha mais o que fazer.

29.11.10

Duas

Quero abraçar todo mundo
Quero abraçar o mundo
Depois os meus próprios braços
Me volto pra dentro de mim

Sou só sorriso às onze e meia
Ao meio dia, eu já engasgo
Entre lágrimas
Seguro meus soluços

Quero ser santa, ser pura.
Desisti!
Não preciso me embriagar
Mas hoje eu só quero dançar

Vem!
Te quero agora!
Me devora!
Depois?
Sai de perto de mim!

29.10.10

Longe

Estou do outro lado dessa lonjura. Sua voz (tão límpida na minha cabeça) não é tão bonita no telefone. Prefiro você mais perto do meu ouvido.
Agora descobri, preciso de mais fotos. Muito mais fotos! Preciso de vídeos. Preciso te filmar discutindo consigo mesma, com vergonha de si mesma quando deixa a caneta cair no chão, rindo e fazendo aquele barulhinho gostoso com a língua... parece um passarinho.
Cheiro de café, de mexerica no pé? Não. Sua nuca e seus cabelos. Isso é o que me desfaz.
Seu corpo dentro dos meus dedos, que escorregam por aí, explorando, sempre a primeira vez.
Seus olhos... Que às vezes eu duvido se existem!
Me belisco. Te belisco.
Mas agora não posso. E vou pra cama rezando pra te encontrar em meus sonhos.

Já fazem 2 dias.

18.10.10

Manha de Manhã

Os olhos pedindo mais sono
Os cabelos lindamente desgrenhados
A boca só de lábios protesta contra o sol que já nasceu

Um gemido preguiçoso
Os braços se jogam em todas as direções
As pernas, kilômetros de curva na estrada mais deliciosa

Te beijo!
Faz de conta
Por mais meia hora
Que o tempo é só pra nós dois

2.10.10

eu nunca beijei ninguém como eu te beijo

a curva da sua boca em sorriso
seu olhar que me acalma e excita
o cheiro dos seus cabelos e pele
o toque dos seus dedos
correndo leve a minha nuca
seu hálito próximo demais
sem no entanto me tocar

brinco de fugir pra gente rir
e cada vez é a primeira vez

finalmente não vejo mais nada
sou só audição e tato

os estalidos dos seus lábios
quando prendem e soltam os meus
minha língua dança com a sua
nossas mãos esculpem nossos corpos
eu nunca beijei ninguém como eu te beijo

21.9.10

On The Top of My Lap



Yeah, old friend
It's you and me again
Me and you
And all these keys
Which my fingers strike
Sometimes lazily
Sometimes in anger

You and me
The cigarette
The booze

You with your screen
Which never shows what I wanna see
The ink fading on your tatoos
(I did those to you)
But they fade away
To show me
Every moment is neverlasting
That's why they're so precious

Now I shut the lid
And give you and me
The rest we both deserve

Life As It Is



And then you're born
and you cry
but soon enough you remember you're loved
and you love for the first time
and you start seeing things
and you hear, and you smell
and touch, and you taste
and you taste everything around you
Then you walk
then you run
and you eat, and you drink
you get dirty, you get showered
you pee, you poop
And then you go to school
and you learn even more
you meet peers
you find out you're not unique
you just don't know if that's good or bad
you make a real friend, or several
you find out you have brothers in other families
You understand God
And then you get a pet
a cat, a golden fish
if you're lucky, a dog
you ride a bike
you fall off the bike
you get back on it
and you fall again
and keep riding it
your big sister kicks you ass
your big sister kicks somebody's ass to protect you
you get to know a different place
one you never dreamed of before
you swim in a pool
a lake, and, finally, the sea
you get sunburns
but you're too happy to care
And you meet a girl
who makes you think differently
and you kiss this girl
And you remember God
And then you learn to drive
you travel further
without your parents
you get a medal
sometimes an "A"
you feel good about it
you screw up
it hurts a little
but you learn
And you get a job
you get paid
you buy stuff your dad wouldn't
you have some laughs
And then you're out of your parents'
and you get not to make your bed
and you're really happy about it
you have friends over
you have girls over
And there's this one girl
who makes you change a couple of plans
Things change
You change

Things aren't as easy as you thought they would be
but you still love every minute of it

Life As It Is

And then you're born
and you cry
but soon enough you remember you're loved
and you love for the first time
and you start seeing things
and you hear, and you smell
and touch, and you taste
and you taste everything around you
Then you walk
then you run
and you eat, and you drink
you get dirty, you get showered
you pee, you poop
And then you go to school
and you learn even more
you meet peers
you find out you're not unique
you just don't know if that's good or bad
you make a real friend, or several
you find out you have brothers in other families
You understand God
And then you get a pet
a cat, a golden fish
if you're lucky, a dog
you ride a bike
you fall off the bike
you get back on it
and you fall again
and keep riding it
your big sister kicks you ass
your big sister kicks somebody's ass to protect you
you get to know a different place
one you never dreamed of before
you swim in a pool
a lake, and, finally, the sea
you get sunburns
but you're too happy to care
And you meet a girl
who makes you think differently
and you kiss this girl
And you remember God
And then you learn to drive
you travel further
without your parents
you get a medal
sometimes an "A"
you feel good about it
you screw up
it hurts a little
but you learn
And you get a job
you get paid
you buy stuff your dad wouldn't
you have some laughs
And then you're out of your parents'
and you get not to make your bed
and you're really happy about it
you have friends over
you have girls over
And there's this one girl
who makes you change a couple of plans
Things change
You change

Things aren't as easy as you thought they would be
but you still love every minute of it

20.9.10

É Tu Ou Nada

Pelo que é efêmero,
Tão rápido que nem eu mesmo sei:
Foi sonho ou aconteceu?

Sei que aquilo,
Que nem mesmo sei se imaginei,
Era o que eu queria pra mim.
Não só naquele dia inconsciente
(Inconsequente)
Mas sempre!

Queria que existisse um lugar,
Ou um quando. Um dia? Não.
Talvez um mês, um ano. Mais!

Lá (ou então),
Em outra dimensão,
Só nós dois de relevante.
Todo o resto: fim, acabado.

Esses seus olhos,
Que nem sei de que cor que são,
Me olhando e dizendo
Tudo que você jurava esconder.

Naquela madrugada curta
Você foi muito mais minha do que sua,
Mesmo sem tanto do que eu queria.
(Eu sempre quero mais)

Continuo querendo.

28.7.10

A Hoax

She was a Hoax

At first I didn't know her
I saw her and her pretty eyes
There was no identity
There was no connection

Suddenly she became attractive
And I moved a little closer
I liked her smell
And the way she laughed

I got yet a little closer
I heard her talking
Her ideas seemed right
Suddenly she became beautiful

She seemed...

She seemed, but she wasn't.

24.7.10

Casamento Heterossexual

O Casamento Heterossexual

Venho aqui escrever e rogar a todos os meus quase 3 leitores que se casem. Em especial, os heterossexuais. E aí, para não soar preconceituoso aos que não me conhecem, terei que dedicar um páragrafo ou dois para explicar o porquê de me referir, em particular, aos heterossexuais.
Hum, sinto uma crônica nascer...
Bem, eu não tenho conhecimento de causa para falar sobre relacionamentos homossexuais. Tudo aquilo que sei vem do que ouvi e li a respeito do assunto. Ouvi de meus queridos amigos, li em revistas e na internet. Mas não vivi. Não sei como é. No que tange os relacionamentos homossexuais, posso apenas especular. E especulo muito. Por exemplo, penso que em um relacionamento entre dois homens pode haver muita violência. Sim, por que eu jamais teria coragem de pensar em ferir fisicamente uma mulher (Com exceção da minha amada irmã. A gente rolava no chão mesmo. Minha mãe ficava puta.). Mas se um cara se relaciona com outro cara e esse outro cara faz uma merda, o que impede o primeiro cara de dar uma porrada na cara do outro cara? Nada. São dois homens. Sou radicalmente contra qualquer tipo de violência. Mas existem situações que são foda! Imagina um casal de homens. Um deles compra uma cerveja cara que queria experimentar na sexta à noite quando chegasse do trabalho. Vamos dizer por exemplo que o cara comprou uma Bohemia Oaken e que essa seja uma de suas favoritas (aí ele não teria comprado para experimentar, né, anta?). Pois bem, naquela sexta-feira o outro cara saiu mais cedo do serviço por algum motivo qualquer. Por exemplo, um funcionário da empresa para a qual ele trabalha, revoltado com as condições desumanas com as quais é tratado, resolve fazer uma ameaça de bomba falsa. Só pra ver o circo pegar fogo. É, tem gente que tem cada uma. E aí, a empresa é evacuada às pressas, às 3 horas da tarde. O marido em questão, anteriormente referido como o outro cara, chega em casa às 3 e meia e pensa: "Puta, que sorte! Escapei do atentado terrorista e ganhei preciosas horas para curtir a vida em plena sexta-feira!" Ele chega em casa e pensa: "Por que não tomar uma cervejinha?" Por que não? Eu faria o mesmo. O cara abre a geladeira e tcharam, uma Bohemia Oaken, estalando de gelada. O cara bebe aquela delícia. E depois, bebe o que mais achar na geladeira com algum teor alcoólico. Aí, o primeiro cara, seu marido, chega em casa às vinte e duas e trinta. É, por que calhou de justo naquela sexta em que seu marido, no caso, o outro cara, saiu mais cedo, ele teve que ficar até mais tarde no trampo. A gente pode pensar, para que a história tenha mais verossimilhança, que, aqui entre nós, é uma coisa que eu prezo acima de tudo em qualquer história, que o cara trabalhe em um banco e era época de fechamento. Pois bem, o cara chega em casa às 22:30, e quem já trabalhou em banco em época de fechamento sabe que estou sendo até bacana com nosso personagem, e pensa: "Bom, pelo menos tenho aquela Bohemia Oaken pra tomar, pra compensar toda a encheção de saco do trabalho." Ele abre a porta do apartamento (Sim, apartamento, por que a probabilidade de um casal homossexual morar em um apartamento é muito maior do que de ser em uma casa. Um casal homossexual teria uma vida muito mais tranquila em uma grande cidade. É de conhecimento de todos que, infelizmente, ainda existe o preconceito para com os homossexuais. A Argentina já autorizou a união estável entre eles, seguindo o exemplo de alguns outros países da Europa, mas não sem polêmica. Porém, a verdade é que o preconceito ainda existe e costuma ser maior em cidades menores. Imagino que isso ocorra por que em uma cidade grande, existem mais pessoas. Onde há mais pessoas, há mais histórias. E onde há mais histórias, uma coisa que parece de outro mundo em um lugar onde há poucas histórias pode parecer trivial em um lugar onde há várias histórias. Acho que é por isso que há mais preconceito em cidades menores. Acontecem menos coisas em uma cidade menor e as pessoas acabam, em alguns casos, criando caso com coisas que na verdade não deveriam render tanto assunto, como os relacionamentos homossexuais. E em uma grande cidade, o custo para se viver em uma casa é altíssimo. Isso sem falar no medo que a maioria dos habitantes das grandes cidades têm de viver em uma casa. Num apartamento bacana você tem porteiro 24 horas, cerca elétrica, playground, e se for bem-sucedido, até piscina.)...
Voltando.
O cara abre a porta do apartamento e vê seu marido bêbado de cueca no sofá assistindo ao início do Globo Repórter. Desolador. Mas ainda tem a Bohemia Oaken. Tudo vai ficar bem. Ele desaperta o nó da gravata, pendura o terno em uma das seis cadeiras da sala de jantar e vai direto pra geladeira de aço escovado (super tendência!). Ao abrir a geladeira, surpresa! Cadê a Bohemia Oaken? Não está mais lá. Como também não estão os doze latões de Skol que eles haviam comprado por que estava barato (Depois da primeira desce até Nova Schin, mas Skol é bem melhor. Aqui emito uma opinião, e não um fato.) . Então a cena é essa: o cara de saco cheio descobre que a cerveja preferida não existe e nem paliativo sobrou por que o marido dele encheu a cara das 3 e meia até agora com tudo que tinha na geladeira. Se fosse uma mulher o bebum, ... deixa eu redigir isso para prevalecer o entendimento sobre a poesia... Se o bebum fosse uma mulher, o cara ficaria puto, tomaria um banho e amanhã esqueceria o acontecido. Mas o bebum é outro cara. É um cara que está de cueca no sofá do primeiro cara, com toda a cerveja da casa na barriga. Ah, bróder, isso dá porrada.
Imagino que num casamento entre duas mulheres também haveriam certas particularidades. Mas não quero entrar nesses detalhes pois não sei o que se passa dentro da cabeça de uma mulher. Nem o Chico sabe! O que me leva, como diria meu pai, à vaca fria.
Existe uma expressão assim: voltar à vaca fria. Que quer dizer voltar ao assunto inicialmente iniciado. Ficou feio, mas cê entendeu.
Então, voltemos à vaca fria. Não escrevo sobre como imagino que seria o casamento entre duas mulheres pois acho que estaria falando de coisas sobre as quais não entendo muito bem. No entanto, posso dizer que me parece que duas TPMs para um casamento é um pouco demais. Imagina como vivem aqueles sultões do Oriente Médio que se casam com várias mulheres? Haja TPM pra administrar!
À vaca fria!
O casamento heterossexual tem uma utilidade enorme para o homem (e imagino que para a mulher em igual proporção). O homem vai aprender um pouco mais sobre o universo feminino (sem jamais, no entanto, compreendê-lo por completo). Sim, caro leitor, por que não adianta ser criado pela avó, morar só com a mãe solteira ou divorciada, ou mesmo dividir um apê com a irmã e as primas. Não, nenhum relacionamento entre homem e mulher tem as nuances e cores do casamento. Como por exemplo a tentativa de esconder certas coisas, como peidos, arrotos, depilação, menstruação, etc, mas no casamento, uma hora tudo vem à tona: manias, nóias, as idiossincrasias (ah, vá consultar um dicionário!) de cada indíviduo. E se essas coisas já são estranhas naturalmente entre indivíduos do mesmo sexo, o que dizer quando você conhece o que acontece com o outro sexo?
Não, nós não somos iguais (Louvado seja o Senhor!). Somos diferentes pra caralho! Bioquimicamente falando mesmo. Admitamos (aceitemos) que todo ser vivo, inclusive os seres humanos, não passam de um saquinho de água cheio de solutos dos mais variados tipos. De indíviduo para indivíduo, até mesmo gêmeos univitelinos, há uma diferença enorme de como essas substâncias interagem e em que proporção elas estão presentes. O que dizer da diferença que existe entre o homem e a mulher?! E são algumas dessas substâncias que ajudam, até certo grau, a moldar a personalidade de cada pessoa. Se você ainda insiste em dizer que somos todos iguais, eu vou tentar clarear um pouco mais as coisas. Somos sim, ainda que só no papel, (quase) iguais perante a lei, em direitos e deveres. Mas qualquer mentecapto, só de observar os corpos, percebe a diferença que existe entre um homem e uma mulher. Ao se conviver então, as diferenças saltam aos olhos (aos ouvidos, ao nariz...). E essas diferenças têm muito a ver com aquelas substâncias que estão dissolvidas no saquinho de água que é cada pessoa. O lance é que as substâncias ingeridas até podem ser as mesmas, mas como elas serão processadas, depende de outras substâncias que já estavam presentes ali. E as substâncias que estão presentes ali foram formadas a partir de uma "receita de bolo" presente nas duas primeiras células (uma da mamãe e outra do papai) que deu origem a todo aquele ser humano resultante. Muita coisa interfere no resultado final: como se deu a concepção, como se deu o desenvolvimento do embrião, como se deu o nascimento do rebento, como se deu a criação do filhote até que ele ou ela atingisse a maturidade sexual e pudesse enfim, como manda o dogma da Igreja Católica, até o presente momento a religião predominante no país, também ele ou ela casar para então procriar. Mas nada, absolutamente nada, interfere tanto quanto qual cromossomo sexual o espermatozóide do papai que fecundou o óvulo da mamãe carregava: X ou Y?

Livremente inspirado no seriado Separação.

24.6.10

23.5.10

Not Simple Past

People say I'm already lucky

Just because I tried it?
(Actually, there's more.)
All that because...
Once I knew what it was

Her hair, her voice, her touch, her scent, her taste

That's all I can put into words

If only I could wipe it out
I wish I didn't remember
But I can't fight it!

An arm, a leg, my reason
Just like her
A part of me

6.5.10

Jardim de K


O Jardim de Amor de K

Ela quer ser cinza
Então
se recusa a ver as cores do mundo
que dançam e cantam e gritam à sua volta
E ela se abraça às próprias pernas
E se enterra entre os próprios braços
E fecha os olhos
Pra que tudo fique negro
Nem uma nesga de cor!
No mundo que ela decidiu,
"É cinza!"

Me inspirei nesse quadro do Kandinski.

24.4.10

Just a Gardner

"Hello, little flower. Looking beautiful as always."
"Oh, my favorite gardner! What took you so long?"
"You know, places to go, people to see. I brought you some water."
"I love you, Mr. Gardner."

Some drops of water pour down on the little plant.
They smile at each other.

"I'm always happy when you come."
"No, little plant. I'm always happy when I come.
You're only happy in the sun.
And, right now, all I can give you is shade."
"Mr. Gardner, are you leaving again?"
"You know me better than that.
I'm only little drops of water
Dripping over your stem and beautiful petals...
God, you're so beautiful!
Sometimes, even I wish I could stay.
Farewell, now."
"Bye, Mr. Gardner. I hope you come here again soon."

23.4.10

Insônia

Deito na cama, no escuro. Que paz! Por que não dura?
Rapidamente meus olhos se acostumam e a escuridão agora é claridade que fere meus olhos. Meu corpo, esse sim, não se acostuma. A cama me irrita a pele, a colcha me esfola vivo. Eu me coço, me esfrego contra o lençol. Giro para um lado e vejo a parede me encarando, branca, vazia, sem nada pra dizer. Do outro lado, a porta, que mantenho fechada. Não quero que ninguém me veja assim, sem controle, sem máscara, sem armadura.
Penso em olhar as horas. Sei que não adianta nada. Muito pelo contrário. Saber que horas são provavelmente só vai me deixar mais estressado. Começo a calcular quantas horas dormi na noite passada, na noite retrasada, na última semana... Pra eu olhar as horas, vou ter que abrir o flip do celular e inundar o quarto com aquela luz laranja: mais uma agressão. Meu coração vai disparar e aí então é que eu vou demorar a dormir mesmo.
O ventilador faz aquele ruído incessante. Vou desligar essa merda! Mas pra isso, preciso me levantar. E eu sei que se sair da cama, vou ter taquicardia, meu corpo vai se inundar em adrenalina... já sei como isso acaba: não acaba.
Me levanto e desligo o maldito ventilador. O silêncio agora é quem me incomoda. Meus ouvidos começam a ser comprimidos, estou a 30 metros de profundidade... preciso respirar.
Amanhã tenho que levantar cedo. Muito cedo. Eu devia contar carneirinhos... as horas? Que horas serão agora?
00:34
Que merda! Olhei as horas. Meu olho tá ardendo por causa da luz. Meu coração parece que vai sair pela boca. A coceira volta pelo corpo inteiro. Já arremecei cobertor e lençol para longe. Agora vão os travesseiros e, na sequência, minha bermuda e minha cueca. É insuportável.
Já tem mais de uma hora que eu deitei, com a luz apagada. Estou mergulhado no mais absoluto silêncio. A cama é praticamente um palácio. Quase dois metros de largura só pra eu me esparramar. E eu me sinto completamente desconfortável.
Amanhã tenho que levantar muito cedo. Fecho os olhos, mas não há cola nas minhas pálpebras. Tento ficar bem quieto, bem imóvel. Mantenho os olhos fechados por um longo tempo, mas logo tenho que me mover. Agora são os meus joelhos... tenho a sensação de que vão estalar e os movo. Mas não acontece nada. Tenho a impressão de que a parte de baixo de minhas pernas, a batata, os pés, os tornozelos, não servem pra nada. Simplesmente estão lá para forçar mais os joelhos.
Meus olhos estão secos, como se eu estivesse na frente do computador há horas.
Que horas serão agora?
02:32
Estou cansado. Já não resisto mais. Faça comigo o que quiser. Vou aceitar. Só me deixe dormir. Só por uns minutos...

17.3.10

Proposta

Eles se conheciam a menos de uma semana. Tá certo que se falaram todos os dias desde então, mas agora ele a convidava para passar a noite juntos em um hotel?
A cabeça dela girava. Ela queria ir, queria muito. Mas tinha medo, receio, sei lá. Aquilo era certo? Como ela poderia ter certeza de que ele não era um psicopata, um louco? Ou pior, e se ele fosse chato? E se eles se beijassem, lá pelas tantas, e não rolasse química?
O problema é que ele propunha aquilo com uma naturalidade desconcertante. Como se dissesse assim: escuta, vamos dar um pulinho ali na padaria comigo pra eu te comprar um Sonho de Valsa? Ele argumentava que só queria ter privacidade com ela, poder conversar sem ter hora pra parar.
E ela queria dizer sim. Queria demais dizer sim! Só o despeito, a coragem, ou a cara-de-pau que ele teve em propor aquilo já a deixava curiosa demais.
Mas ela resistiu. Por algumas horas. E só topou por que ele aceitou suas condições.
"Quando eu falar que quero ir embora não é nem pra você tentar me convencer a ficar, ouviu bem?"
"Se! Se você falar. Você não pode ter certeza que vai querer ir embora sem nem ter ido ainda."
Ela enfim topou.
Ele saiu do trabalho e passou na casa dela. Ele estava muito limpinho e cheiroso, considerando que tivera um dia cheio.
Ela estava linda. Não. Ela simplesmente ERA linda. Não precisava de exageros: calça jeans, top preto e All Star. Só pra garantir, tinha decidido estrear um conjunto de lingerie novo.
Quando ela entrou no carro e ele a abraçou, sentiu como se já o conhecesse há muito tempo. Mesmo assim foi firme consigo mesma: não dou pra ele hoje de jeito nenhum!
No trajeto até o hotel conversaram sobre o dia. Pareciam mesmo um casal de namorados. Aquela uma semana de convivência virtual dera a eles uma intimidade não comum pro pouco tempo que se conheciam.
Já se riam um das questões do outro, por que as questões de um e de outro já eram como se fossem dos dois.
O hotel era simples. Nada demais. Mas também não era feio ou sujo. Era até bem bonito. Tinha até piscina, que eles só viram da janela do quarto.
No quarto, ele perguntou se ela estava com fome.
"Eu já jantei."
Ele abriu um salgadinho que estava em cima do frigobar. Enquanto mastigava estralado a batatinha, tirava o laptop da mochila.
"Vou por uma música pra gente. Eu trouxe um jogo de tabuleiro aqui. Quer jogar?"
Era um jogo de palavras cruzadas. Ela ficou meio sem entender o que ele pretendia com aquilo. E que coisa mais entediante! Por que ele não trouxe Banco Imobiliário ou War? Mas achou que seria indelicado não topar o joguinho.
Ele explicou as regras e a música começou a vir, baixinha, suave, do laptop. Era Seu Jorge cantando e tocando sozinho. Ela não conhecia aquele cd.
"Que cd é esse?"
"É da trilha de um filme. Mas não é um filme muito famoso. São músicas do David Bowie traduzidas pro português."
"Bacana."
O jogo até que não era assim tão mau. E proporcionava boas risadas quando eles tentavam inventar palavras. Iam conversando e se conhecendo mais. Ele falava de seu trabalho, das coisas que já tinha vivido. Ela contava das aventuras de final de semana, da saudade que tinha do irmão que morava longe.
Lá pelas tantas, ela percebeu que, embora ainda faltasse bastante para o fim do jogo, seria impossível vencê-lo. Começou a ameaçar rasgar o tabuleiro caso perdesse. Ela falava sério. Odiava perder. Mas ele ria e achava graça. E ria tão gostoso que ela também começou a achar graça de si mesma.
Ela então começou a se perguntar se ele nunca tentaria beijá-la. Ele parecia tão impassível, montando palavra atrás de palavra sobre o tabuleiro, olhando pra ela e sorrindo.
O jogo se estendeu por mais um bom tempo até que as peças se acabaram. Ela ficou bem irritada com a derrota. Ele continuava sorrindo e perguntava se ela queria ouvir outra coisa.
"Quem tá cantando agora?"
"Ben Harper. Cê gosta?"
"Não conheço muita coisa dele, mas tô gostando. Posso ver o que mais você tem?"
Ele pegou o laptop e o colocou gentilmente no colo dela. Ela estava sentada recostada à cabeceira da cama. Ele se colocou a seu lado. Enquanto ela olhava para a lista de músicas, ele a namorava com os olhos. Em algum momento, os olhos dela perceberam os olhos dele e o homem e a mulher, o menino e a menina, se encontraram num beijo.
Ela ficou muito feliz em descobrir que seus receios eram todos sem fundamento, especialmente sobre não haver química entre os dois.
Mesmo assim, ela foi forte. Não deu pra ele naquela noite.
No outro dia bem cedo, ela acordou. Tirou toda sua roupa e se deitou sobre o corpo quente dele.

3.3.10

"Nosso medo mais profundo não é o de sermos inadequados, nosso medo é de que sejamos poderosos além da medida. É a nossa luz, não as nossas trevas, o que mais nos assusta.

Perguntamos a nós mesmos: Quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentoso?

Na verdade, quem você não poderia ser? Você é filho de Deus. Sua atuação contida não ajuda o mundo. Não há nada que justifique o ato de se encolher para que as pessoas à sua volta não se sintam inseguras. Você foi criado para manifestar a glória de Deus que está dentro de você.

Não apenas dentro de alguns de nós; ela está em todos; e, quando deixamos nossa luz própria brilhar, inconscientemente permitimos a outras pessoas que façam a mesma coisa.

Como estamos livres do nosso medo, nossa presença libera automaticamente os outros."

(Nelson Mandela)

23.2.10

E agora, José?
Seu time perdeu
A cerveja acabou
A internet pifou

10.2.10

Losing It

I look around
I try to find it
Where did I leave it?

It's not under my pillow
Not on the bedside table
Maybe in its drawer!
Nope.

I've looked in all my jeans' pockets
I only have a jacket worth wearing
Not there either

Suddenly, it comes to me:
If I've never had it,
How can I be losing it?

1.2.10

God's Playground

A manual on living on this planet

As far as my interpretation goes, I believe Adam and Eve were not really kicked out of paradise. Eden is here. God, for reasons we might never know, created this planet for His children to play in. And He loved His children so much He put very simple rules for them to use the play ground. Those are the following:
1. Love one another.
2. Take good care of the playground I created for you.
Yes, that's it. No ten commandments. No 7 Deadly Sins. That's all that is.
The thing about Adam and Eve being kicked out was just a metaphor. Nobody is actually gonna be kicked out. The only thing is, if you do not abide by those two simple rules you might end up losing your playmates and/or the playground.

31.1.10

Onde?


Aqui. ...........................Aqui. Aqui.
Aqui. .....................................Aqui.
Aqui. Aqui. ...........................Aqui.
.....................Aqui. .........................
Aqui. .....................Aqui.
.........................................................
Aqui.

26.1.10

Algo sobre o que é válido escrever: as reticências

Eu me incomodei muito tempo sobre essa minha mania de escrever e terminar toda frase com reticências. É. Às vezes eu substituo até interrogação por reticências. Meu proof-reading normalmente me salva. Será que salva mesmo?
Mas a verdade é que quando releio um trem que escrevi antes de apertar o send eu fico sempre achando que tem reticências demais.

teve uma época que me incomada essa mania de escrever sem letra maiúscula. já superei. mas não aqui, né?

Eu fico pensando. A pessoa que lê vai achar que eu não terminei o que ia dizer... vai achar que eu não tinha certeza sobre o que estava escrevendo (o que é quase sempre verdade) vai achar que eu não terminei ainda e por isso vai ficar esperando (e eu de cá esperando uma resposta brotar de lá)

Foda-se. Ou como dizem por aqui: FODAS! (eu devia ter terminado com reticências)

...

p.s.: acabou? ...
Ócio

Bato nas teclas
Mas nem me sai um haikai.
Malditas férias!

2.12.09

A Highschool Girl Giving a Total Stranger a Little Hand

I have no idea why mother did that. I think she was really measuring me by herself. I knew she was crazy for sex. At a very early age -- not that early so I wouldn't understand what was going on, but still -- I walked in on her and my dad doing it several times. To be completely honest, it happened so many times that at a certain point I would turn around and they would carry on, as if the phone had rung and it had been a wrong number.
"Who was it?"
"Wrong number."
"Brilliant. Come here and let's try that again."
Sometimes if I had been actually looking for them because I needed to ask something, they would stop it, half covering their bodies, answer my question and then resume what they were doing.
I remember very clearly the day they told me about the divorce. Dad got home and we had dinner in silence. After dinner, they went into the den with a bottle of wine. I couldn't hear a thing from the TV room, even though the door was open. So they couldn't be having sex. I was about to go upstairs to brush my teeth and head to bed -- being such a nice girl -- when they called me into the den. Mom did the talking. She told me that she and dad were getting a divorce not because their love was over, but because their love had changed and they figured they'd be able to make me happier if they moved on being just friends. Dad smiled and took me to bed. He tuck me in and kissed me goodnight. After a few minutes I could hear mom screaming like a whore. Some people say make-up sex is great -- and I'll vouch for that -- but from the noise those two made that night, nothing beats break-up sex. I was about 8.
When I found out what that was all about, I figured, "sex must be awesome!" And I started reading everything remotely related to sex I could get my hands on. One day I came back from school and put my backpack on a chair at the kitchen table. Mom was on the phone and I decided to have a shower before dinner.
When I came back downstairs she was sitting on the couch reading the book I had brought from the school library. That day was important for me for two different reasons. First, I learned my mom's view on sex when it came to her little daughter thinking about it, since when it came to her doing it... well, let's say I was very familiar with her views on that. Second, I learned my mom was in the habit of going through my stuff, probably to make sure I was not smoking pot. There had been this time when I decided to support marijuana discriminalization during our usual dinner talk. I was just trying to show how grown I was and defend my point of view. For her, I was trying to defend myself in anticipation in case one day I got caught. I was about 12 then.
The book I had brought was one of those cheap chick bestsellers. It was about this girl who's very honest and noble and meets a guy who has all those nice things a girl learns from her family she should look for in a guy -- namely, money, likes children, plays an instrument, loves his mother, and so on -- but, due to the fact that he's engaged -- the girl is never engaged and is usually a virgin -- they can't be together. So, they meet occasionally here and there, kiss once, being a little drunk, until the day the guy's fianceé passes away. The book ends with a beautiful sex scene described from the viewpoint of a virgin -- which means she uses words like 'male organ'.
Anyway, there she was holding my book. She started offering to answer my questions, should I have any, but we ended up having this huge fight during which I stated she was disrespecting my individuality, whereas she argued that children don't have rights until they own a home, and, according to her, even then there are limits to their level of freedom. It was a good fight.
On the following day, she didn't wait for me to come to her with questions. She prepared a very professional presentation on the subject of sex and STDs -- she actually made a PowerPoint presentation. If her idea was to scare me out of the idea of ever having sex, she succeeded. For a while.
The truth is, I kept reading more and more virgin-falls-in-love-and-has-sex books. Then I moved on to really erotic literature. When I was about 15 I was in the habit of reading erotic poetry.
That and masturbation.
I found out at that time that I would have a much more intense orgasm, and it would be much faster to have it, if I had been reading about sex before (or while) I did it. And at that time, boys had become so interesting for me.
The thing is, I was going to one of those Catholic schools for girls only. My consolation was my cousins, my neighbor's son and Hollywood. I would fantasize about Hollywood actors all the time.
There was this once when I ran into my neighbor's son coming back from the subway station. He was a couple of years younger than me, very shy and, probably because of that, very charming. I invited him to have dinner with me and my mom -- only she was away on business. I "accidentally" found a bottle of wine and made him drink so that he would have the guts to actually do something to me. It was a very wise decision of mine to choose another virgin, especially someone younger than me, to do that, because that put me in total control of the situation.
While we ate and drank he was pretty quiet. After we had finished the first glass, he was telling me everything about his life, school, family. I suddenly asked him if he masturbated. He blushed a little and said, "only all the time." I then asked him if he did it thinking of me. "Only all the time!" I blushed a bit, too, and changed the subject. We drank about one and a half bottles and we were suddenly making out on the couch. He was a really good kisser but also really slow -- which was nice at first but things got really hot really fast. I could feel his dick pressing against my body and I could tell it was fairly big. I told him to stop kissing me and told him to masturbate for me to watch. I had seen thousands of dicks in movies and magazines, but nothing compared to seeing one live. He started doing it very slowly, smiling at me. He didn't look like a boy anymore. He was man. And he was all mine. I took the liberty of continuing his job.
I had never felt so powerful! And to be perfectly honest, I still think there are very few things which make a woman feel more powerful than when she's holding a man's dick. They become little puppets in our hands.
We went steady for quite a while but I was too curious to get attached so soon. I wanted something different. He was really pissed at me when I broke up with him. We never had sex, technically speaking.
There was this guy who always rode the subway with me on Friday nights after practice. I was always wearing my volleyball outfit and I noticed him eyeballing my legs a couple of times. I felt really good about it. He was older than me, he had an incredibly sexy five o'clock shadow, and he noticed my legs.
One fine day, the car was pretty empty, and I spotted him glancing out the window absent-mindedly. I simply sat next to him and said, "let me give you a handjob."
I still find it hard to understand where I got the guts to do it like that. The guy could have been a pervert. Or worse, he could have been gay. Turns out he was none of that. And I felt I could do anything I wanted after giving him that handjob. And to think I was still a virgin.
I never saw him again. That day had been the last time I was ever going to ride that subway. Mom and I moved downtown that weekend. Sometimes I wonder what would have happened if I had given him my number, if we had met after that. But I think the fact that it happened like that and only once makes that day all the more special.
Maybe my mom was right after all to measure me by herself.

8.11.09

Dor ou Nada

Sempre pessoas, lugares novos
Entrando para alguém sair
E me pergunto:
Vale a pena?

Vale a pena conhecer gente boa
E ter que ir pra longe?
Vale a pena se apaixonar
Por um lugar,
Por uma idéia,
E ter que caminhar pra longe?

Melhor sentir dor do que não sentir nada.

6.11.09

Tesourinha

Se Foi Minha Tão Querida

Ai, que saudade da minha tesourinha!
Cabinho preto de marca Tramontina
Me acompanhava havia tanto tempo
Ainda tão nova que me sentia bento!

Cortava tudo com suas lâminas
Papel, tecido, até meu bigode
Ficava perto da minha câmera
Sumir assim: como é que pode?

Não sei se devo comprar outra...
Será que não seria traição?
Datas passadas tão poucas
Me resignar é a solução

Não corto mais papel
Nem corto mais tecido
Dedão ficou sem anel
Meu bigode tá crescido

p.s.: depois que eu escrevi esse poeminha, ela apareceu... o poder das palavras...

18.10.09

What If

What If...?


What if I'm wrong?
I'm not sure.
I don't know for certain.
What if it doesn't go the way I planned?

I can't be certain.
I fall sometimes.
Everybody does.
Some people go on.
Some people quit trying.
But what if I'm wrong?

I can't predict what's going to happen.
I can't tell you for sure that...
... everything is gonna be alright.

But...

What if you try?
And what if you succeed?
What if ...
... everything you've always wanted...
... everything you've always dreamed of...
... is right there,
... just waiting for you to make a move?

What would YOU do?

29.9.09

Coisas de Dois

"Então me diz."
Coçou a barba com a mão direita enquanto a esquerda se sustentava na altura da cintura. Seu olhar corria os cantos da sala.
"Digo. Com uma condição."
"Qual?"
"Você vai tentar apreciar o que eu falar, mesmo que a princípio soe estranho." Foi até a janela e acendeu um cigarro, ensimesmado. Soltou a primeira nuvem de fumaça. Ela aguardava, sentada sapeca no pufe. Ele completou:
"E vai dormir aqui hoje."
"Mas aí são duas condições!" Ela disse sorrindo com as mãos nas cadeiras.
"É pegar ou largar."
"Ok. Vou apreciar o que você disser. E só vou topar a segunda condição por que já era parte do plano mesmo. Agora, desembucha."
Ele voltou-se de novo para a janela. Soltou outra baforada de fumaça e disse sem olhar pra ela:
"Você pra mim é perfeita mesmo com tantas imperfeições."
Ela pensou um pouco e depois sorriu. Se levantou e o abraçou por trás, já que ele ainda fumava com o rosto voltado para o lado de fora da casa. Terminado o cigarro, apagaram a luz e subiram as escadas para o segundo andar. Já estava ficando tarde e amanhã começaria tudo de novo.

25.9.09

Tomada Banana

Tó, Madá, banana.
Tô má. Dá banana?
Tomada, banana!
Tô, ma dá banana?

23.9.09

Sábado À Tarde, Centro

Ele ia descendo a ladeira
Salpicada de gente
Os tornozelos dizendo pra ir devagar
A barriga quentinha, digerindo

Viu uma moça de vestido
Sem razão aparente
Ela atraíra seu olhar
O vestido moldando seu corpo
Seus cabelos ao meio dia ainda bem desembaraçados
Panturrilhas amostra e os pés na sandália
Ressecados: era como ele mesmo
Operário e operária descendo a ladeira

Olhando em volta, o ponto de ônibus
Parou um, depois outro logo atrás
Dois vagões do mesmo trem
As portas se abriram
Inundando a calçada de gente
Mais gente como ele
Rostos cansados
Belos como todo o resto

7.9.09

Do Trabalho Pra Casa

Catarina desce do palco
Sua voz pouca e rouca
A alma lavada
O corpo cansado

No camarim, Leonardo aguarda
Ele tem dessas coisas
E a recebe com uma palavra:
-- Surpresa!

31.8.09

Domingo no Teatro

A mão entrava dentro da bolsa
Sem pudor, sem vergonha, nem embaraço
E resgatava lá de dentro a salvadora bombinha

Seus olhos no palco brilhavam ao som dos holofotes
O ar lhe faltava, mas ela não se movia
O sorriso no seu rosto era de entendimento
Além do que assistia, de si mesma
Sorriso de quem se enxerga no outro
De quem se vê do lado de fora de si
E talvez sem que ela percebesse
Não era só no palco que ela estava
Também estava em toda a platéia
No rosto e na alma de todos aqueles
Que com ela agora sorriam

No palco, um gracejo
O sorriso, agora, fazia barulho
Seu corpo balançou, crise de tosse
Salvadora bombinha!
Ela chacoalhou-a e deu duas aspiradas
Não tinha vergonha, pudor ou embaraço
E já com o ar de volta aos pulmões
Continuou a sorrir, a se assistir

25.8.09

Cigarette Break

They'd seen each other before
A couple of times, maybe more
Exchanging shy glances and smiles
Walking around was worthwhile

She used to work in the storeroom
He learned that tripping on a broom
He used to be a simple errand boy
Doing things which most people annoy

There was this one plain particular day
In windy September, perhaps in May
Taking the lift for a cigarette break
When the doors were open, he was awake

She was there then just staring at him
None of them knew what was to begin
They said hello and together rode down
A lift ride like a nice trip out of town

Her hair so scented, her skin so white
Her eyes sparkled, a star isn't that bright
They talked about nothing, sharing everything
Never done that before, yet one could so think

Outside the building, the sky was blue
A stroll around was certainly due
He then realized he'd left his pack
Up in the office, in his backpack

Her own was enough
She was glad to share
Love was given birth
Just out of thin air


19.8.09

Gato no Telhado

O gato subiu no telhado
Mas não caiu
Nem quis se jogar

Primeiro sentou-se confortavelmente
Beeeeeem na beiradinha
Lambeu a primeira patinha
Depois a segundinha

Observou um casal de pombos
Passavam voando e pousaram
Lááááááááááááááááááááá longe

Nas ruas, lá embaixo
Movimento de gente
Uns que chegam, uns que saem
Outros chegam, outros saem

A orelha coçoooooooooou
E ele obedeceu
Depois se espreguiçou
Devagariiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinho
E se deitou
E ficou por ali
Assistindo o pôr-do-sol

13.8.09

from Alessa Menezes
to Bruno Guima
date Thu, Aug 13, 2009 at 9:05 PM
subject RE: para Francisco,

Nao apenas me fez sorrir num dia cinzento e abafado em SP como me fez lembrar que indo contra tudo que digo que 'nao se faz amigos depois dos 30' me mostrou que fazemos até irmão.
Aqueceu meu coraçao apenas por ter lembrado de me dizer tudo isso.
amo vc, sim. esteja onde estiver.
beijos



Bruno wrote: -----------------------------------------

Então, quase 8 meses depois de você ter me dado o livrinho, minha irmã me diz sobre um blog de uma moça que fotografa seu outfit diariamente. Diz que tem a ver com um projeto para amenizar a dor de ter perdido o marido grávida. E eu penso: "Já ouvi essa história".
Vou na minha prateleira e encontro o livrinho que você me deu de aniversário. E o leio em duas tardes. E me lembro por que somos um do outro sem importar onde estamos.
Beijos,
Bruno

9.8.09

A Cerveja

Entrou no banheiro. Precisava dar uma mijada. O banheiro era estreito e comprido. Felizmente estava vazio. Havia um mictório comprido que ia da porta até o final do banheiro, onde uma privada aguardava. Para chegar à privada, se houvesse mais alguém mijando, certamente teria que pedir licença. Mas não havia ninguém, então ele caminhou calmamente e entrou na estreita cabine. Desabotoou a calça, desceu o zíper e tudo mais e, enquanto o líquido amarelo ia sonoramente colorindo a água dentro do vaso, ele olhava em volta. Uma garrafa de cerveja?!
Na cabine havia um desses compartimentos onde se coloca o papel higiênico em banheiros públicos, para evitar que espíritos de porco roubem o rolo. E sobre ele, uma garrafa longneck de cerveja. Heineken! Cheia! E ainda suadinha. Deveria estar geladíssima.
Ele começou a pensar em todas as possibilidades.
Alguém muito bêbado deveria ter entrado ali antes dele. O cara provavelmente já teria tomado várias. Aquela deveria ser sua oitava ou nona longneck. Isso se não tivesse tomado mais alguma coisa -- talvez uísque, talvez vodka, uma caipira. O cara deve ter entrado cambaleando. Acabara de pegar aquela Heineken. Veio se escorando na parede e, por perceber que seu centro de equilíbrio havia desaparecido, decidiu mijar na cabine. Ao entrar na cabine, deu graças a Deus por haver aquela mesinha improvisada, colocou a cerveja sobre ela, apoiou as costas contra a parede, abriu a braguilha e deixou a água escorrer do joelho. Quando se sentiu aliviado, subiu o zíper novamente e saiu cambaleando. Deixou a garrafinha pra trás, sem nem se dar conta.
Teoria plausível. Porém, era muito cedo. O pubzinho acabara de abrir. Ele já dera uma volta lá dentro e vira: deveriam haver no máximo uns oito caras lá dentro e umas três meninas. E ninguém ali parecia bêbado o suficiente para protagonizar a cena que passara por sua cabeça. Além disso, o banheiro estava limpíssimo, até cheirava bem. A história teria sido outra.
Alguém entrara ali para dar uma mijada e, como ele, aproveitara o conforto da cabine da privada. Fora até lá. Para maior conforto ainda, decidira colocar a garrafa que acabara de pegar no bar sobre o compartimento de papel higiênico. Durante a mijadinha lembrara-se de que não havia ligado o alarme do carro. Saiu correndo, a cueca até recebeu alguns pingos indesejados no processo, e a cerveja ficara esquecida lá, intacta.
Gostou dessa versão para a história. Mas ainda achou que a chance de algo assim ter acontecido era muito pequena.
-- Foda-se! -- resmungou.
A chance de uma garrafa de Heineken ter sido largada no banheiro era menor ainda, e, no entanto, lá estava ela, suadinha, tão gelada que o suor ainda nem começara a escorrer. Fechou o zíper, pegou a garrafa, deu uma cheiradinha só por desencargo de consciência e mandou o primeiro gole para dentro. Perfeita! Saiu do banheiro sorrindo. Sua sorte começava a mudar.

8.7.09

Manhã de Devoção

Ela

A arte de falar sem ser ouvida. Talvez por isso eu tenha me tornado professora. Chorara durante o banho. Entrei na cozinha e ele me olhava impassível, com um quase sorriso no rosto. Seus olhos definitiva e deliciosamente em mim. Mas o rádio ligado me deixava ainda mais irritada. Sustentando o olhar com o qual eu o fusilava, desliguei o chiado enlouquecedor. Gesticulava muito, andava de um lado a outro da cozinha enquanto jogava tudo que estava carregando sozinha em cima dele. Era quase insuportavelmente difícil continuar olhando para aqueles olhos pertubadores e tranquilos. Ele acabara de se levantar, a barba que começava a acinzentar o rosto esculpido a cinzel, a camiseta colada ao tronco, os shorts, os chinelos de dedo... O antebraço empunhando a xícara de café... um arrepio nascia no meu cóccix e morria em minha nuca, todos os pêlos do meu corpo se levantaram, mas eu mantinha a pose firme. E falava, falava, falava. Finalmente estaquei. O diálogo que eu esperava havia nascido e morrido monólogo. Meus olhos o inquiriam, exigiam dele uma reação.
- Deus te abençoe. - ele disse.
Como se não houvesse outro lugar no mundo para o meu corpo, me achei em seus braços sendo carregada para o quarto. Pela primeira vez na minha vida não achei ruim ter um sermão meu ignorado.

Ele

Ela entrou com aquele vestido roxo de amarrar na cintura. Eu adorava a maneira com que ele envelopava seu corpo, a maneira como o decote descia seu colo: ousado e sóbrio. Eu ainda tomava meu café e ouvia as primeiras notícias da manhã pelo rádio. Ela desligou a maquininha de fazer barulho: queria minha atenção exclusivamente para si. Meus olhos pelo menos já pertenciam a ela desde o momento em que pusera os pés na cozinha. Estava frio e, além do vestido, usava aquele sobretudo de malha preta e meias calças da mesma cor. Nos pés, aquele sapatinho fechado, de tecido, baixinho. Ela sempre o calçava quando queria parecer séria. Falava, falava, falava e eu ia saboreando meu café amargo, imaginando a que altura de sua coxa a meia terminaria, o contraste de sua pele alva com o negro da meia. Seus olhos vermelhos me fulminavam através das lentes dos óculos de armação grossa e escura que amadureciam um pouco seu rosto de menina e contrastavam belissimamente com o louro dos seus cabelos, ainda molhados. Seu corpo exalava cheiro de banho. Ela finalmente parou de falar. Seu olhar exigia de mim algum tipo de reação.
- Deus te abençoe. - eu disse.
Com todo o carinho e reverência que merece uma santa em procissão, levei-a em meus braços para o quarto e fizemos amor a manhã inteira.

7.7.09

Perdendo Dentes

Entrei no banheiro e me coloquei em frente ao espelho do armarinho. Era definitivamente eu. Fui abrindo a boca devagar, passando a língua pelos dentes de cima, da parte da frente. De repente, percebi que um deles estava meio mole. Era quase imperceptível, mas estava mesmo meio solto. Eu comecei a empurrá-lo, pra frente e pra trás, com a língua. E sentia que ele se movia, bem pouquinho, mas se movia, em relação aos outros dentes. Decidi continuar aquele procedimento, agora usando os dedos. O dente pareceu ceder mais um pouco.
Comecei a pensar no tempo transcorrido desde minha última visita ao dentista. Fazia mais de 10 anos. Eu cuidava relativamente bem dos meus dentes: escovava-os duas ou três vezes por dia, passava o fio dental uma ou duas vezes por semana, raramente comia doces... Nunca sentia dor em nenhum deles. Vez ou outra inspecionava-os. Nunca encontrei nada, exceto por algum tártaro, bem de leve, devido ao fato de eles serem muito tortos. E por isso acreditava que estava tudo bem.
O presente me mostrava que eu estava enganado. Dentes saudáveis não se movem.
Tentei me lembrar se eu havia batido a boca em algum lugar, ou se alguma coisa havia me acertado, mas nada me ocorria. E enquanto eu pensava, continuava empurrando o dente para frente e para trás. Percebi que os dois outros dentes que cercavam aquele com o qual eu já brincava também pareciam estar moles. Sim. Estavam os três meio soltos. Não eram só eles! Os quatro dentes da frente da parte de baixo também estavam moles. Comecei a me desesperar. Mas ao mesmo tempo não conseguia parar de mexer com eles. De repente, o de cima, o primeiro a se mover, se soltou em minha mão!
Eu me via no espelho, com um grande espaço vazio na arcada superior. Olhei para a pia e soltei o dente. Assisti o bloquinho branco acertar a louça da pia, ecoando alto dentro do banheiro, e depois escorregar para dentro do ralo.
Eu ainda estava de boca aberta, literalmente, com o que acontecia, e senti que mais alguma coisa estava solta na minha boca. Agora era um dente de baixo. De repente, outro e mais outro. E eu os cuspia na pia, estupefato. Sentia minhas têmporas latejarem mais forte, mais rápido. Como poderia sair para trabalhar com aquela boca banguela? E os dentes continuavam se soltando. E eu os cuspia no pia, aos montes, o barulho dentro do banheiro apertado era ensurdecedor.

Ontem sonhei que estava perdendo dentes. Levantei esbaforido e corri para o banheiro. No espelho do armarinho aquele rosto era definitivamente eu, e eu estava acordado. Joguei um pouco de água no rosto para terminar de acordar e me encarei novamente. Alisava a barba que começava a querer apontar de novo, até que minhas mãos chegaram à minha boca. Toquei de leve os meus dentes com as pontas dos dedos.
Seria impressão minha ou eles estavam meio moles?

Pra Onde?

Onde cê vai?
Sei lá
Tô indo

Vou pra casa de um amigo
Vamo tomá uma
Trocar uma idéia
Ver um filme

Vai pra onde?
Sei lá
Vô indo

Vou pra casa de uma amiga
Escutar ela falar
Fazer um sarau
Tomar um argentino

Tá indo pra onde?
Sei lá
Tô saindo

Vou dar uma volta na lagoa
Correr um pouco
Caminhar pra pensar
Tomar água de côco

Mas onde?
Sei lá
Por aí

Talvez eu leve o violão

Dentro do Mar

...que o mar me atrai
...que o mar me chama

E eu tenho medo, tanto medo

Dentro do mar eu me perco
E eu não me desespero
É tão gostoso

E eu tenho medo, tanto medo

Mas nem sempre tem alguém por perto pra me resgatar
Nem sempre tem quem me tire lá de dentro

E eu fico por horas lá

E bebo aquela água salgada

E deixo de respirar

E me perco

Não me desespero

E muitas vezes...
Eu morro.
Eu morro.
Muitas e muitas vezes eu morro dentro desse mar.

É confortável, reconfortante
Cômodo é morrer dentro do mar

E eu tenho medo, tanto medo

4.7.09

Sexta à Noite

O Accord prata vinha encostando junto ao meio-fio devagarinho, de faróis baixos. As duas morenas de salto alto, a primeira usando uma mini-blusa branca muito decotada, que revelava o sutiã vinho, e um micro-short amarelo ovo que garroteava suas grossas coxas cor-de-feijão, a segunda vestia um mini-tubinho preto, uma tarja preta que tapava apenas seus seios e sexo, desfilaram juntas em direção à beirada da calçada.
Dentro do carro, dois homens. Um mais jovem, cerca de 35 anos, usava uma camisa preta, jeans e sapatos de couro, de grife certamente, tinha os cabelos muito pretos e a pele branca, esverdeada na região da barba, e sorriso odontologicamente perfeito. Outro mais velho, usava uma camisa azul folgada, calça de brim e sapatos de couro marrom, tinha cabelos grisalhos, escassos no alto da cabeça e mais densos e compridos próximo à nuca, usava óculos de armação marrom avermelhada.
O primeiro homem, o mais jovem, se debruçava pela janela do banco do passageiro, exibindo os dentes perfeitos enquanto cumprimentava as duas morenas.
O segundo homem, apertava firme o volante do carro com as duas mãos, a coluna encurvada para frente, seu tronco esticando o cinto de segurança, o rosto muito próximo ao pára-brisa, os olhos arregalados, a boca fechada, o maxilar latejava nas laterais do seu rosto.
O carro finalmente estacou. A morena de tubinho se inclinou apoiando o antebraço direito no teto do carro enquanto ouvia os galanteios do homem mais jovem. A outra, de shortinho amarelo, continuava o desfile na calçada para o rabo de olho do homem mais velho.
- A gente vai dar a volta no quarteirão. - disse o moço dos dentes perfeitos.
O carro voltou a se movimentar.
- Cê tem certeza que isso é uma boa idéia? - o homem de óculos perguntava, enquanto seus olhos ainda captavam o andar gingado das moças que iam ficando para trás pelo retrovisor.
- Relaxa, Ferreira! Relaxa! Vamo curti, cara! Hoje é sexta, pô! Até quando cê vai ficar nessa?
O moço então dizia para o homem de óculos continuar a volta no quarteirão. Relembrava-o que ali era a Zona Norte, onde ninguém os conhecia. Além disso, a menos de 100 metros de onde estavam havia um drive-in. Ele continuava encorajando o amigo dizendo que pegariam duas cabines para terem alguma privacidade.
- Mas, não esquece, quando cê terminar, a gente troca. Quero comer as duas, hein, Ferreira! Manda a sua pra mim também. Tem certeza que não quer um azulzinho, véio? Né vergonha pra ninguém não, viu?
- Tenho.
Terminaram a volta no quarteirão e reencontraram as moças. O moço desceu do carro, segurando a porta aberta para a morena do shortinho amarelo entrar em seu lugar. Depois abriu a porta de atrás e gesticulou com um sorriso para a de tubinho preto se acomodar no banco traseiro, onde ele a acompanharia.
Com todos devidamente acomodados, o carro partiu mais uma vez. Chegaram ao tal drive-in, onde o senhor de óculos pediu duas cabines. Entraram e estacionaram o carro na cabine 7. O moço saiu do carro, e caminhou até a cabine 8 de mãos dadas com a morena de tubinho preto.
Agora, estavam a sós. A mulher se colocou de lado em seu assento para olhar para aquele homem maduro ao seu lado, ia começar a falar quando ele perguntou, sem olhar para ela:
- Como devo te chamar?
- Rose.
- Rose, pode me fazer um favor? Desce do carro e vai ali pra frente, junto a parede, onde eu posso te ver.
A mulher sorriu, mascando o chiclete. E olhando para ele, desceu lentamente do carro, ao colocar os dois pés para fora, levantou-se exibindo o volume das nádegas apertadas dentro do shortinho, como penas de pavão. Caminhou lentamente para a frente do carro. Os fárois, holofotes em um palco, a iluminavam.
- Quer que eu tire a roupa? - ela perguntava sorrindo com as mãos na cintura.
- Não, caminha de um lado pro outro, como cê tava fazendo na rua.
Ela sorria e agora desfilava sem olhar para ele, como se o ignorasse propositalmente. Ele tirou o cinto de segurança, e esfregou o rosto. Seus olhos eram dela. Dentro do bolso da camisa pegou o maço de Benson & Hedges e acendou um. Sua mão tremia um pouco. Os cabelos negros compridos da mulher balançavam suavemente, ele percebia as curvas das nádegas e dos seios se salientarem quando ela ficava de perfil para fazer um giro naquela passarela improvisada, observava cada detalhe do corpo daquela linda mulher.
Finalmente, ele desceu do carro, apagou o cigarro no chão com a sola do sapato e foi até ela. Ela, agora parada, as mãos na cintura, olhava para ele, sempre sorrindo.
- E agora?
Ele a agarrou e a jogou sobre o capô do carro, ainda quente, e atacou-a como um esfomeado a um prato de comida. Suas mãos percorriam e apertavam com força a carne tenra daquele corpo. Sua boca arfava, beijava, mordia. O cheiro vulgar do perfume da moça o embriagava ainda mais. Devorou a morena ali mesmo, sem nem tirar a roupa.
Fechou o zíper e se arrastou para dentro do carro novamente. Enquanto a moça se recompunha, ele ofegava dentro do carro e acendia outro cigarro. A moça o deixou seguindo para a cabine 8.
Dentro do carro, ele finalmente conseguia não pensar. Apenas saboreava aquele cigarro. O melhor dos últimos 3 anos.
Não muito tempo depois seu amigo ressurgia no retrovisor, escoltado pelas duas morenas. Os três sorriam muito e entraram juntos no banco de trás.
- Ferreira, me deixa em casa com elas.
O senhor de óculos, calmamente obedeceu. Alguns minutos depois, os três ocupantes do banco traseiro desciam. Ele, enfim sozinho, ligou o rádio e foi embora, acompanhando a bossa que tocava com um assovio baixinho, pensando no mar.

19.6.09

Olhar de Mulher

Seus olhos falam
Contam essa história que eu não canso de ouvir
Essa história que eu nem entendo
(Não foi feita pra entender)

O olhar me fala muito mais
Mais que essa boca rosa, linda
Me fala que você é uma mulher

Mulher!

Mulher que sente
Que ri, que chora
Que sofre, que goza
Que tem certeza
Mas nunca consegue se decidir

Seus olhos me dizem muito
Talvez mais do que eu possa absorver
E eu os ouço
Por que me falam tudo aquilo de que não me canso de ouvir

15.6.09

Madalena Não Se Arrependeu

Com seus 12 anos de experiência na corporação, Ronaldo não podia antecipar o que veria ao atender aquela chamada. A princípio, parecia algo corriqueiro para aquela região. Vizinhos disseram ter ouvido um estouro seco. Eram pouco mais de 5 da tarde de uma quarta-feira.
– Será que foi tiro mesmo? – perguntava Leonardo, seu parceiro.
– Deve ser. – respondeu Ronaldo, quase em tédio. – E pelo horário... um tiro só... deve ser mulher matando marido que pulava a cerca.
Ligaram a sirene e em menos de 10 minutos chegavam à rua indicada pelo rádio da viatura. Ronaldo conhecia a região muito bem. Além de fazer ronda por ali há mais de dois anos, morara naquele bairro por mais de cinco. Depois de ter se tornado sargento, decidira se mudar.
Ao entrarem na rua, desligaram a sirene. A viatura ia deslizando silenciosa e vagarosamente rua abaixo. Ninguém por ali: era tiro mesmo. Alguns moradores mais curiosos, esticavam olhos interessados de dentro de suas janelas em direção ao carro. Ronaldo, com o braço direito para fora do veículo, segurava sua pistola negra.
Enfim, Leonardo estacionou junto ao meio-fio. Desceram do carro e olharam em volta. Uma velha subia a rua lentamente.
– Boa tarde, minha senhora. – Ronaldo a abordou.
Explicou que averiguavam uma denúncia anônima e perguntou se a velha não teria percebido alguma coisa fora do normal naquela tarde, um barulho, um estouro talvez.
A velha disse ter ouvido um tiro. O som teria vindo da casa 32. Ela usou a palavra tiro, com a autoridade de quem já ouvira vários. Ronaldo então pediu que ela permanecesse próxima à viatura e instruiu Leonardo a ficar de olho.
Novamente, o experiente policial sacou a arma e caminhou em direção à casa de número 32, a uns 50 metros de onde a viatura estava estacionada. A casa tinha muros de tijolos, mas não havia um portão que a encerrasse. Ronaldo se encostou ao muro e deu uma olhadela rápida para dentro do lote.
Leonardo o acompanhava de longe, vez ou outra voltando o olhar à velha, à viatura e varrendo os arrededores. Se espantou com a cara de Ronaldo. Seu parceiro agora arregalava os olhos e guardava a arma no coldre. Olhava para Leonardo e dava de ombros como se não entendesse o que acontecia. Ronaldo sinalizou para que o colega permanecesse onde estava e entrou no lote.
Ele encarava uma menininha. Uma criança com rosto de anjo, sentada no degrau de cimento que dava para dentro da casa, cabelos negros amarrados num rabo-de-cavalo, olhos grandes, o rosto um pouco preocupado. Vestia o uniforme da escola pública e tinha um 38 nas mãos.
– Coloca a arma no chão e levanta devagarinho. – Ronaldo ordenou.
A menina obedeceu calmamente. Usando as duas mãos, colocou o revólver ao seu lado, sobre o degrau de cimento, com muito cuidado, como se fosse uma boneca de porcelana. Depois levantou-se e perguntou:
– Cê vai me prender?
– Uma coisa de cada vez.
Ronaldo, segurou-a pelo braço delicadamente e a conduziu até a rua. Leonardo já estava à entrada do lote.
– Fica de olho nela e não deixa ninguém entrar.
Voltou para dentro da casa e tirou novamente seu revólver do coldre. Caminhou em direção à porta de entrada. A arma à frente do corpo, sustentada pela mão direita inabalável. A porta estava aberta, mas bateu antes de entrar. Como ninguém respondeu, escancarou-a com um pontapé dando chance para seus olhos e sua arma vasculharem o que parecia ser a sala daquela casinha. Não havia nada de estranho ali. Um sofá velho, uma estante com uma televisão e alguns porta-retratos, um aparelho de som e uma máquina de costura.
Havia um corredor que saía da sala. Caminhou em direção a ele, sempre com a arma em riste. Três portas à direita e uma cozinha apertadinha ao fundo.
A primeira porta, entreaberta, revelava um banheiro. Azulejos e louças brancas, uma cortina de plástico e um armário com espelho na porta pregado à parede sobre a pia.
A segunda porta estava fechada. Bateu e perguntou se havia alguém. Sem resposta, entrou. Dessa vez, com mais calma, empurrando a porta devagar com a mão esquerda, enquanto o cano do revólver ia penetrando o quarto seguido de seu olhar atento. Um guarda-roupa sem porta, roupas de meninas, duas camas de solteiro, uma penteadeira e... dois pés que saíam de entre as camas. Um deles calçado com uma havaiana azul.
Guardou o revólver no coldre e deu a volta na primeira cama se colocando entre as duas. Um homem estirado de bruços no chão com um rombo no meio das ventas que atravessava a cabeça e saía do outro lado. Havia sangue respingado na parede e nas cobertas das duas camas e uma poça vermelha no chão: tiro à queima-roupa. O homem usava shorts e camiseta. E as havaianas.
Ronaldo voltou à viatura. Quanta papelada dava assassinato!
O nome da menina era Madalena. Era a filha mais nova de Vanderléia, que tivera outros dois filhos, Maria e Jesus, com Carlos, morto a tiros em uma briga de bar. Vanderléia era casada pela segunda vez com o agora também defunto Sebastião. Jesus, aparentemente trabalhara como aviãozinho dos traficantes da região. Fora preso havia pouco tempo. A irmã mais velha de Madalena era constantemente violentada pelo padrasto. Naquele dia, Madalena completava 15 anos. E para seu padrasto, a idade de poder “brincar” havia chegado. Madalena assistira calada Sebastião estuprar Maria. Muitas vezes. Ela sabia onde seu irmão havia escondido o revólver. Planejara tudo sozinha. Ao chegar da escola naquela tarde, subiu no telhado e tirou o embrulho de saco plástico preto de dentro da caixa d’água. Lá dentro estava o 38. Desceu com a arma e foi para a cozinha. Sentou-se à mesa, com a arma em seu colo e tomou um copo de leite com Nescau, enquanto esperava Sebastião. Sua mãe demoraria a chegar e Maria tinha aula à noite. Seu padrasto certamente seria o primeiro a aparecer. Terminou o copo de leite e foi se deitar em sua cama. Colocou o revólver sob o travesseiro. Cochilava quando foi despertada pelas mãos de Sebastião tocando seus pés.
– Chegou a sua vez, Madá. – ele olhava para ela como um bicho que olha sua presa, sua caça, sua comida.
– Não, seu puto. Chegou a sua vez! – foi a resposta da menina. E sem a menor hesitação, Madalena puxou o 38 de debaixo do travesseiro e deu um tiro certeiro no meio da cara do padrasto.

4.6.09

Quero seu amor
Esse amor safado
Esse amor risonho
Esse amor tarado

Quero seu amor
Seu amor chorado
Seu amor sofrido
Seu amor lavado

Quero seu amor
Não quero pedaços

Lápide

Acabou
Despeço-me
De vocês
Desses lugares
Até logo?
Não digo
Digo Adeus
A Deus
Antes a Ele
(Se é que Ele existe)

Acabou
Ponto final
Ou exclamação?
Certamente não são reticências
Sei que é o fim

Tudo que acumulei
Tudo que aprendi
Tudo que amei
Acabou

Alcançarei a paz?
Com Ele?
Com o universo?
Com a minha eterna não-existência?
Não sei
Só sei que...

Acabou
Subvivendo

Não por falta de condição
Nem por falta de estudo
Falta de orientação?
Também não.

Mas não vivo
Nem sobrevivo
Subvivo
Vivo abaixo da linha
Da linha da pobreza?
Não! Blasfêmia!
Abaixo da linha do que eu sou
Abaixo da linha do que posso
Abaixo da linha 
Minha
Linha

Por quê?
Sem força
Sem vontade

15.5.09

Cozinha

Troppo
Tropeiro
Troputu
Tutu
Não troco nem pela lasanha

Italiana ou brasileira?
Mineira!

11.5.09

Tarde de Domingo

Deitados depois do almoço
A brisa que dança com o sol
Seus cabelos onde se perde meu rosto
Sua pele que envolve meu corpo

Esse dengo de deitar
Me dá e me tira o ar
Primeiro sonhamos
Nos embalamos

A segunda preguiça
Já no fim do dia
Me desperta o bacuri

Seu único ofício é brincar
E se enfia entre nós num pulo
O lençol, cabana pra três
Tanto amor, uma só cama
Paraíso No Inferno

Que lugar tão frio e escuro
Tão quente, o sol tão puro
Esses olhos que me destroem
São os braços que me acolhem

Empurrado, enganado
Recebido com tanto prazer
Acoado, apertado
Muito espaço pra viver

A cidade em minhas mãos
Não conheço lugar algum
Todos aqui são meus irmãos
Mas agora sou só mais um

Aqui reencontro o amor
Outra velha companheira
Sempre presente: a dor

4.5.09

O Que Ainda Não Aprendi



Me irrito 
Com quem erra
Onde tudo é tão fácil pra mim

Com quem ainda não viu
Tudo o que eu agora enxergo
Mesmo sabendo que antes 
Eu também não percebia

Com quem consegue
Vencer essas barreiras
Desatar esses nós
Que eu mesmo dei
E não sei desdar

Venho do trabalho
Parado no vermelho
Três garotos e uma bicicleta
Sem freios e sem corrente
Um deles se diverte guiando
Mas os outros dois empurrando
Também gargalham

O verde permite os carros seguirem
Os garotos se jogam na sarjeta
As risadas são descontroladas
E rolam de um lado ao outro
Se esbarrando, se trombando

O vermelho volta
E a brincadeira recomeça
O garoto da vez abre as pernas
Para dificultar mais o próprio equilíbrio
E todos riem

Será que a vida é assim tão simples?

Vou Te Beijar

Vem cá, quero te beijar. 
Mas calma. 
Não quero sua pressa de sempre. 
Vou te beijar diferente. 
Devagarinho vou saboreando cada milímetro dessa iguaria tão cara, tão rara. 
Vem dançar comigo. 
Eu sou seu homem, deixa que eu te levo. 
Vem deslizando no ritmo da minha língua, dos meu lábios. 
Olha o gosto, escuta o cheiro da minha pele tão perto da sua. 
Vem devagarinho.