5.3.20
O "Sistema"
A primeira vez que eu morei num prédio que tinha reunião de condomínio eu participei de uma. Depois nunca mais. Ah, nem! Que trem chato. Fica todo mundo se esquivando de cuidar daquilo que pertence a todos e dois espertalhões tentando provar que eles são os melhores para fazer isso (e por isso merecem nosso voto). Muito louco isso. Tenho certeza que não é por acaso. E senti a mesmíssima coisa na minha primeira reunião em uma Câmara de Vereadores. Calma! Não virei vereador. Estou funcionário público. E aí, os vereadores resolveram que deveriam ouvir de nós o que andamos fazendo pelo nosso soldo. Até aí tudo bem. Mas chega lá... reunião de condomínio de novo. A maioria nem tá a fim de estar lá e os que tão a fim só pensando no ganho secundário.
"Vote em mim! Eu te represento! Nem sei o que isso significa! Mas vote em mim!"
Ass.: (insira aqui o nome de um vereador, prefeito, deputado, governador, senador ou presidente)
Num tem jeito. Acho que uma sociedade, uma civilização, um país é tão bom quanto seu povo. E seu povo é tão bom quanto for a educação (seja de casa ou da escola).
Aí vou abrir mais um parênteses. Educação de casa ou da escola. A maioria dos pais (leia pai, mãe, responsável) hoje não tem a menor ideia do que está fazendo. A menor! Aí o professor de educação básica diz que "não dá para a escola ensinar e educar ao mesmo tempo." Concordo. Do jeito que tá, com os salários que os professores da educação básica ganham, com a estrutura das escolas públicas (pelo menos a maioria delas), não dá mesmo. Não dá pra fazer nada. Se eu fosse um ditador (e esse é um sonho secreto meu: ser um ditador), eu ia fechar todos os hospitais, todas as delegacias, todas as universidades, venderia todas as empresas privadas (talvez eu ficasse com os bancos... hehehe) e investiria tudo que o Estado arrecada em educação básica (não mencionei que fecharia o Congresso Nacional por que é óbvio que esse seria o primeiro a ser fechado na minha ditadura). Paga salário de médico pra professor de educação básica pra você ver se ele não vai educar além de ensinar. Aí você pode dizer: "Mas muitas pessoas vão morrer sem hospitais, o caos reinará sem delegacias!" É verdade. Mas paciência. pagando 10 mil pros professores de educação básica, em 10 anos, os jovens do país saberiam andar com as próprias pernas e teriam responsabilidade pelos atos (a maioria, né? sempre tem um ponto fora da curva...)
Boa parte do que eu escrevi até aqui não passou de uma digressão. Por que, na verdade, o que eu queria mesmo era falar sobre como vivemos em sociedade, mas não vivemos em comunidade. E como me dá, cada vez mais, a impressão de que existe um sistema muito bem engendrado para manter as coisas como estão. Aquela máxima do Napoleão de dividir e conquistar. É mais velho do que andar pra frente, mas vale até hoje. Vamos analisar alguns exemplos.
Relação empregador e empregado. Estão todos tão sobrecarregados por tributos que não é bom negócio nem pra um nem pra outro fazer negócio com o outro ou com o um. Aí essa relação tem tudo pra dar errado. Os dois estão sempre achando que estão sendo lesados, que mereciam lucrar mais pelo tanto que trabalham ou já trabalharam. O empregador fica de má vontade com o empregado e vice-versa. Mas, na real, os dois deveriam se unir e ficar com raiva do "sistema".
Mas não é só nessa relação que eu vejo isso. A sociedade de consumo, também conhecida como capitalismo, fica o tempo inteiro (por vezes implicitamente, por vezes de maneira bem escancarada) nos dizendo que feliz é quem tem mais. Bão é quem tem mordomia, carrão do ano, casão, tênis da Nike, iPhone... Mas é impossível todos terem tudo isso. Principalmente ganhando o que se ganha e pagando impostos como pagamos... E o mais louco é que na maioria das vezes ninguém precisa dessas coisas pra ser feliz. De verdade mesmo, tem até estudo sobre a felicidade que diz isso: ter coisas não faz ninguém feliz. Mas a gente segue acreditando nisso, estudando, trabalhando, abrindo mão de absolutamente tudo que tem valor verdadeiro por qualquer coisa que tenha valor financeiro.
19.6.18
Registro Autobiográfico
Não importa se uma pessoa enfrenta uma guerra ou a fome. A tristeza pode vir por que você quebrou um bibelô que gostava. Não importa de onde ela veio. Não dá pra generalizar. Não dá pra dizer que uma tristeza é mais válida do que outra. A única pessoa que pode julgar se aquela tristeza é válida é a pessoa que está sentindo a tristeza.
Tinha muito tempo que eu não escrevia por escrever.
Houve um tempo que eu escrevia muito. Por uma necessidade. Eu vivia um momento que me via sem chão e acho que usava o escrever para me apoiar. Felizmente, eu achei outro chão. E o escrever deu espaço para outras coisas, outros projetos. O que é muito fácil pra mim: trocar de projetos.
Teve uma época que eu perdi o chão e escrevi, outra época tirei fotos. Devo ter feito outras coisas buscando chão.
Uma vez um amigo meu me disse que era mais fácil eu virar escritor do que médico. Acho que eu virei médico só pra provar que ele tava errado. Sou muito reativo, mesmo quando tento não ser. Talvez mais quando tento não ser.
Mas a verdade é que sinto falta de brincar com as palavras. Sinto falta de digitar no teclado. É a única hora que gosto mais de escrever no computador do que no papel. O papel é sempre melhor. Mas quando estou escrevendo coisas que vêm da minha cabeça, gosto mais de digitar. Devo ter uma visão romantizada do Fernando Pessoa digitando (datilografando seria o termo correto) em pé, sozinho, em transe. Não sei se ele entrava em transe. Eu não entro em transe. Entro numa de admirar o que eu consigo produzir. De ver as letrinhas surgindo, quase sem nenhum erro, com pontuação, com crase, com vírgula... É bem narcisista pra mim escrever.
Fiquei bem triste de ver que não conseguia mais escrever redação de vestibular depois de 6 anos de faculdade. Me acalentei no fato de que redação de vestibular dificilmente pode ser considerado literatura (muito menos nobre literatura).
Tenho que tirar esse trecho aí em cima de dentro dos parênteses. A nobre literatura.
Uma amiga minha uma vez me disse que temos que escolher entre uma vida tranquila e produzir a nobre literatura. Um professor de literatura disse uma vez que o que há de comum entre os grandes escritores, aqueles eternos, imortais de verdade, é o desconcerto com o mundo. Tem a ver. Ou haver. Não sei. Tem muito tempo que não escrevo pra saber se o certo agora seria a ver ou haver. Mas realmente escrevi mais (e li mais) quando me sentia desconcertado, desarranjado, bagunçado, perdido, sem chão.
A ideia desse blog não era ser um diário. Nem mesmo ser autobiográfico. Mas uma professora de oficina de texto uma vez me disse que todo texto é autobiográfico.
Foda-se as regras de hífen do português reformado. Antes a reforma tributária. E política. Fora todos.
17.10.17
Pernilongos
16.4.17
Rio
Aí surgiu a outra, do texto.
Não lembro agora se seria uma crônica, um conto, uma poesia... Mas levando em conta nossas personalidades libertinas, imagino que vale tudo. E comecei a escrever esse texto com cara de diário.
A Rua do Ouvidor representa muito bem o Rio de Janeiro. Principalmente num sábado à tarde, rolando um sambinha. O que é que a Baiana tem? Não sei. Mas o que é que o Rio tem que agrada tanto a gregos quanto baianos? Sei algumas coisas.
Na Rua do Ouvidor, você vê prédios centenários convivendo harmonicamente com os modernos prédios de escritórios à sua volta. É difícil explicar como ou por quê essa harmonia acontece. Mas ela acontece. Até essa mistura fica bonita no Rio.
Então o texto na verdade vai se transformar numa digressão sobre a Cidade Maravilhosa.
Por que o Rio, assim como a Rua do Ouvidor, provoca esse encanto nas pessoas? Tive a oportunidade de vir com pessoas diferentes em momentos diferentes à cidade. E nunca falha. Todos querem ficar mais tempo. Alguns iniciam os planos de mudança definitiva.
Acho que a música brasileira, em particular, mas também outras formas de arte, desde a pintura até o cinema, têm uma culpa muito grande no cartório. O Rio é pintado, fotografado e cantado inúmeras centenas de vezes. Isso encanta principalmente aqueles que não o conhecem. Quem vem pela primeira vez, já vem de abraços abertos como o Cristo.
Mas por que foi o Rio essa cidade tão cantada e tão pintada?
Imagino que a beleza natural da região nos dê alguma pista. Os pontos mais populares, o Corcovado, o Pão de Açúcar, são realmente um cenário deslumbrante. Mas se você tiver tempo e sair andando por aí, vai ver que não se resume a isso. Cito a praia da Macumba no Recreio dos Bandeirantes, um bairro afastado do centro que raramente é lembrado pelos turistas, que normalmente se aventuram até a Barra (que merece esse parênteses pra ser criticada: provavelmente o lugar mais sem graça e sem charme do Rio. Dá a impressão de nem estarmos no Rio. Até o mar lá é chato, raso e sem onda.). E se continuar seguindo no sentido sudoeste do Recreio em frente ainda tem a Prainha e a Restinga da Marambaia... É muito lugar bonito muito perto um do outro.
Mas existem outros lugares maravilhosos graças à natureza assim. O litoral norte de São Paulo, por exemplo. Subindo no sentido norte pela BR 101, depois que acaba Bertioga, é uma praia paradisíaca atrás de outra.
Aí a vantagem que eu imagino que o Rio leva é explicada pela história. Desses lugares maravilhosos, a região do Rio foi uma das primeiras a ser exploradas. No Litoral Norte de SP, por exemplo, a Serra do Mar dificultava muito as coisas. Até hoje dificulta. As cidades não têm espaço para crescer e o acesso ao centro do continente também não é nada fácil.
Chego à conclusão de que o acaso teve um papel determinante no encanto que o Rio exerce hoje. E essa participação do acaso deixa tudo ainda mais romântico.
Por acaso a região do Rio começou a atrair gente de toda parte e foi enchendo, enchendo até quase estourar, mas não estourou (como tenho a impressão que deve ter acontecido com a Terra da Garoa: dá a impressão de um cenário pós-apocalíptico). Mas o Rio encheu. Encheu muito. Essas ruas estreitinhas não estão só no Centro. Os bairros residenciais da zona sul todos têm esses recantos, de ruinhas apertadinhas, onde vive muita gente, com muita árvore. É uma delícia. E por atrair todo tipo de gente parece a cidade que já visitei no Brasil onde a diversidade tem mais espaço. As harmonias se harmonizam mais harmonicamente no Rio. O preto com o branco, o pobre com rico, a encaracolada com a alisada, a bicicleta com o carro, o vegano com o churrasco, e, voltando a rua do ouvidor, os prédios históricos com os contemporâneos...
E continuamos, aqueles pobres mortais que não habitam o Rio, indo embora com o coração de quem acabou de ver a garota de Ipanema passar.
10.4.17
The gap is widening
Growing up is like jumping across a wide gap.
When you're young, you're too small to do it. But if you wait too long, your body might not be fit enough to do it. So the gap is wide in the beginning. But it keeps getting wider as you grow old.
14.11.16
3.5.16
Tangencial
Cê é daqui?
Eu moro aqui.
Mas nasceu aqui?
Não. Em Três Corações.
Hum.
Mas morei pouco lá.
Mudou pra cá cedo?
Não. Morei no Rio e em Curitiba antes.
O Rio é uma bagunça.
Como assim?
Não dá pra dirigir lá.
É meio complexo mesmo.
Vou ali tomar um café.
Cachoeira
Vc deitada
Aquele tanto todo
Ali do meu lado
Sinto o cheiro
A temperatura
Não dá só pra por o pé
Tenho que mergulhar
18.4.16
26.3.16
Tá de sacanagem, né?
Ainda ressabiado, incrédulo, testou a porta. Com mais barulho do que gostaria, percebeu que ela estava aberta.
"Já vim até aqui..."
Ao começar a deixar a luz do corredor penetrar no quarto, ouviu gemidos. Continuou abrindo a porta e uma faixa vertical de luz revelou duas mulheres se despindo aos beijos. Uma delas, Yasmim, a menina que tinha acabado de beijar.
De imediato, sua reação seria perguntar o que estava acontecendo. Mas achou mais interessante descobrir por si só. Sem dizer uma palavra, e fazendo o mínimo de barulho possível, entrou no quarto e fechou a porta.
O silêncio e a escuridão. Enquanto seus olhos se acostumavam, disse em voz suave para que elas continuassem. Alguns segundos mais de silêncio e podia ouvir a respiração das duas. Seus olhos começavam a se acostumar e, com a pouca luz que entrava através das cortinas, conseguia identificar Fernanda sendo cavalgada por Yasmim. Yasmim se movia delicadamente, mas como se tivesse um pau e estivesse comendo Fernanda, bem devagarinho. Uma deliciosa encenação. As duas olhavam para ele com cara de fome.
Escorou-se contra a parede às suas costas e deixou seu corpo escorregar até se sentar no chão. O quarto ia se tornando cada vez mais claro. E as duas mais à vontade.
Distinguiu um sorriso nos lábios de Fernanda enquanto ela o chamava:
"Vem..."
13.2.16
sem nome
eu fico incomodado
com esse tanto
que eu nao quero
parar de te olhar
parar de te ouvir
parar de ter você
cada vez q eu pisco
eu bato um retrato
quero congelar cada quadro
cada cara e cada careta
essa imagem
cada vez que eu distraio
que eu não ouvi
eu preciso entender
cada palavra e cada suspiro
essa mensagem
e se desaparece assim
sem vestígio, sem rastro
me pergunto
era miragem?
2.10.15
Olha!
Ainda que a porta se feche...
Não grite. Não esbraveje.
Pula a janela!
Se o vento não sopra,
Pra refrescar a seu favor,
Liga o ventilador.
Existe proposta?
Bate o martelo do juiz:
Cumpra-se!
4.9.15
As Invasões Bárbaras
Entro no quarto e dou de cara com ela
Cochilando com a roupa do trabalho
De bruços, a calça jeans recheada de chocolate
Preciso absorver aquela cena antes de dizer alguma coisa
"Te acordei!"
"Não... eu já... ia levantar..."
"Não, boba. Fica."
Pego minhas coisas e saio
Levando apenas a memória
27.7.15
Ê Sôdade
Saudade doida
Saudade doída
Saudade ardida
Saudade quem
Saudade aquém
Saudade zen
Saudade aqui
Saudade assim
Saudade aí?
19.7.15
Duvido da Certeza
Duvido de quem não tem dúvida
Uma pessoa firme eternamente
Provavelmente
Não vê além de seu próprio universo
Quem enxerga além
De sua própria cerquinha
Vê o diferente, o esquisito
E se questiona:
"Não serei eu o estranho?"
O mundo não tem mais fronteiras
A voz o atravessa
Na velocidade da luz
Uma visão da realidade
Não é mais suficiente
Os olhos têm que ser no plural
A cabeça precisa de dúvidas
17.7.15
Sonho
Fui dormir ouvindo Rie Chinito
Sonhei um sonho
Sonho feito do que são feitos os sonhos:
Fantasia
Desejo
O que a gente quer
Mas não tem
Mais...
Acordei melancólico
14.7.15
3.7.15
500 Anos
Você se lembra dos 500 anos do Brasil? Eu não. Por que eu sou brasileiro, eu não desisto nunca. Mas tenho memória curta. E se eu fosse Mané das Bandêra eu fazia um poeminha. Talvez em alemão. Why not?
Mas agora né o Mané que eu quero lembrar. É o Vinícius. O bom cronista faz crônica até sobre a cadeira.
Mas bão mesmo é escrever sobre insights.
Eu acho que tive vários insights esses dias. Friso: eu acho.
O problema é que agora não lembro de nenhum em particular para compartilhar comigo mesmo. Digo comigo mesmo por que no fim das contas eu descobri que essas coisas pseudo-artísticas que faço são pra mim mesmo. Uma masturbação que não envolve sexo.
De qualquer maneira fico feliz em ter redescoberto esse canal e saído mais uma vez da inércia. Taí um bom tema pra essa crônica.
Acho que eu começo as coisas e nunca termino pra não perder essa coisa de sair da inércia. Eu gosto de sair da inércia, seja ela estática ou dinâmica. Se eu tô de um jeito quero logo ir pro outro. Se eu tô parado, quero andar. Se tô andando, quero parar.
Putz! Que insight! Que bom que tive esse insight. Insight parece ser uma coisa boa pra gente não correr o risco de se enquadrar em um transtorno mental.
Hehehe
Good night. Glad I'm back pra mim mesmo.
Chupa, todo mundo que não sou eu.
9.12.13
O Primo
Dans La Maison
22.3.13
Tudo Muda. ou Melhor ou Pior? ou Diferente.
É até cliché comentar isso, mas acho que é a melhor ilustração para o que eu quero dizer. Pensa em aparelhos de emissão sonora. Até o final dos anos 70, o que rolava era o vinil, o LP. Tinha que ter uma vitrola (toca-disco) para ouvir sua banda favorita. Imagina o cara sentado em uma sala de estar, ouvindo um disco do Caetano, segurando a capa do disco retratando o cantor com aquela cabeleira farta e rebelde. Depois surgiu o toca-fita. Ficou muito prático carregar as suas músicas prediletas. Elas cabiam no seu bolso. Depois veio o walkman e você não só carregava as músicas no seu bolso, ainda que com certo volume, mas as ouvia enquanto caminhava (daí o nome do aparelhinho). Isso sem falar que a experiência passou a ser individual, quando antes ela era necessariamente, forçosamente, compartilhada (funkeiro no buzão). A liberdade individual tomava novos rumos. Depois veio o CD. E, embora o tamanho do discman não seja tão diferente do walkman, a qualidade do som é inquestionável. As fitas se deterioravam rápido com o uso. Depois veio a era do mp3. Estamos nessa era. E, para fechar o meu argumento, agora compare a distância temporal entre uma mudança e outra. Quanto tempo entre o lançamento do toca-disco e do toca-fita? Quanto tempo entre o CD e o mp3? Percebe?
Mas o lance dos aparelhos de emissão sonora é só uma ilustração. Vamos falar sobre algo que gera mais repercussões: as relações interpessoais. O conceito de rede social existe há muito tempo (muitas décadas, talvez séculos, não sei), mas só agora ele tá na boca do povo. E o que tem me chamado a atenção é a maneira como as novas redes sociais se formam e como elas são superficiais e frágeis. E aí, fazendo uma analogia com os toca-fitas e mp3 players, pensa em como seria você falar sobre seu dia para alguém nos anos 70 e como é hoje. Eu não vivi nos anos 70, mas imagino que, se você quisesse contar para alguém sobre alguma experiência que teve, teria que conversar com a pessoa. Talvez você pudesse telefonar para essa pessoa. Talvez pudesse mandar uma carta (o que demandaria bastante tempo, tanto na confecção da carta quanto no processo de fazê-la chegar ao remetente, e esse tempo, em geral, te dava a oportunidade de se esmerar). E hoje? Você tira uma foto com seu celular, posta no facebook e escreve uma linha e meia descrevendo ou comentando a foto. Pronto. O mundo inteiro viu. Rápido, não? Mas a questão é: isso é melhor ou pior? Tenho percebido que as pessoas não precisam mais se esforçar para se expressar. Não há muito o que pensar, não dá nem tempo. Eu tô vivendo aquilo e, naquele mesmo minuto, já tô dizendo pro mundo que aquilo tá acontecendo comigo. O que me preocupa é que às vezes, essa rapidez não nos dá tempo para refletir sobre a experiência, sobre seu significado (se é que teve algum), e, de repente, já tá lá, para todo mundo ver (ainda que ver não seja enxergar), todo mundo saber. E aí, das duas uma:
1. Experiência vazia: Você publica um monte de coisa sem significado algum, por que não dá tempo para refletir sobre se houve ou não algum siginificado e, consequentemente, se valia ou não a pena publicar.
Ou...
2. Experiência significativa transformada em experiência vazia: Você publica algo que teve sim um significado enorme para você, mas, da mesma maneira, não acrescenta muito, por que foi rápido demais e você nem mesmo teve tempo de perceber esse significado. E, pra piorar, como tudo acontece tão rápido, provavelmente aquela sua publicação que teria significado, vai ser sobrepujada por um mar de outras sem significado algum.
Já tentou achar uma postagem antiga no facebook? O que é uma postagem antiga? Quantas postagens surgiram na sua timeline nas últimas 24 horas? Quantas dessas tiveram siginificado? Cês entendem a minha questão?
O surgimento dessas novas redes sociais, as virtuais, através da net, certamente deve ter funcionado como um canal para diversas pessoas que se sentem embaraçadas em contextos sociais concretos. E, a César o que é de César, eu reconheço esse valor. Porém, ao mesmo tempo, parece que o surgimento desse canal tirou dessas pessoas a necessidade de se esforçarem um pouquinho e desenvolverem habilidades que elas não tinham (agora nunca terão). Mas será que elas vão precisar dessas habilidades no mundo de hoje? Essa é uma pergunta que ainda não consegui responder definitivamente. Em geral, posso afirmar que ainda há uma necessidade de saber socializar presencialmente, na maioria dos contextos. Essa necessidade, contudo, vem diminuindo. Vão surgindo novas relações que permitem que uma pessoa passe sua vida toda dentro de casa, sem nunca se relacionar fisicamente com seus pares. Só não sei se isso é bom. Ou ruim. Ou simplesmente diferente. Você sabe?
Dedicatória: Como não tenho escrito muito ultimamente, a partir de hoje, quando o fizer, vou escrever uma dedicatória para pessoas que importam. Digo pessoas por que meus textos têm ficado cada vez mais escassos, de forma que quando surgi um, eu devo aproveitar para dedicá-lo para o maior número de pessoas possível.
1. Em primeiro lugar dedico esse texto para a minha cara metade, minha linda, habilidosa, astuta, genial, brilhante, gostosa namorada. Por que ela sempre reclama que eu não escrevo mais pra ela. Eu tento explicar que eu escrevo quando tô sofrendo de amor. E ela, felizmente, só me faz feliz. Acho que eu também escrevi no começo do nosso namoro quando eu achava que nem era real, que era um sonho. Mas hoje, super, hiper, felizmente, vejo que nosso amor é real, concretíssimo.
2. Vou dedicar esse texto também pro Zuba que me deu um mousepad hoje. Só pelo mousepad? Não, ele também tem me ajudado muito com meus estudos. Então, dedico pro Zuba também.
3. Dedico também pro Rony e pro Navarro por que eles escrevem mais do que eu. Só por isso, já merecem.
4. E, finalmente, eu quero mandar um beijo pro meu pai, pra minha mãe e pra você. Esse "você" nos anos 80 seria a Xuxa. Mas hoje não é mais. Hoje é você mesmo que tá lendo esse texto. Um beijo.
20.1.13
Apostas
Sabe aquelas cadeiras triplas? Você pode encontrá-las em salas de espera, em rodoviárias, em alguns bancos (instituições financeiras). São aquelas que são uma cadeira grudada na outra, lado a lado, formando um trem em que os vagões não andam um atrás do outro, mas lado a lado.
Como nas receitas, reserve essa ideia. Precisaremos dela mais tarde. Agora vamos pra outro lugar.
É interessante como o ser humano evita o contato com outros seres também humanos em lugares públicos. Tenho a impressão de que isso é um fenômeno recente. Velhos, quanto mais velhos são, não agem assim. Se bem que, talvez por serem velhos, e aqui está outro fenômeno dos tempos mais recentes, se sentem só. E, por isso, talvez tenham o hábito de tentar se comunicar com estranhos em lugares públicos. Ainda assim, acredito que há 50 ou 60 anos, as pessoas não se evitavam tanto quanto se evitam hoje. Existe gente demais no mundo. Então evitamos o contato para não ficarmos sobrecarregados. Por isso dizemos bom dia dentro do elevador pra ninguém em particular. E baixamos a cabeça. E torcemos pra chegar logo no térreo.
O que nos leva de volta às cadeiras triplas. Se você encontra uma dessas e não tem ninguém sentado, onde você senta? Imagina a Patrícia Poeta dizendo: "A sua resposta pode falar muito sobre sua personalidade, é o que diz um estudo da Universidade de Massachusets..." Não. Não é a Patrícia Poeta. É o que eu digo, sem estudo nenhum. Eu imagino que a maioria das pessoas sentaria em uma das cadeiras das pontas, esquerda ou direita. Comportamento que eu vou chamar aqui de uma aposta conservadora. A maioria das pessoas, uma maioria até maior do que a supra-citada, preferiria sentar-se sozinha nesse tipo de assento. Só que o mundo tá cheio demais, então entende-se que há uma grande probabilidade de uma outra pessoa, um estranho, chegar e querer se sentar também.
Agora invertamos a situação.
Você chega e encontra um cidadão sentado lá. Se esse estranho estiver sentado em uma ponta, você se senta na outra. Agora, se ele estiver sentado no meio, além de eu arriscar dizer que você só vai se sentar se estiver realmente precisando, machucado ou exausto, digo que esse estranho faz apostas ousadas.
Escolher sentar-se no meio, quando as três posições estão vagas, é uma aposta ousada, se opondo à aposta conservadora de se sentar em uma das pontas na mesma situação, pelo seguinte: pela mesma razão que você escolheria sentar-se, caso uma ponta estivesse ocupada, na ponta oposta, existe uma chance menor de, caso alguém chegue, esse alguém querer sentar-se ao seu lado, o que forçaria você a dividir o assento com um estranho.
Entretanto, assim como com os investimentos financeiros, se o retorno é alto, o risco também o é. Caso o segundo a chegar esteja realmente querendo ou precisando se sentar, ele vai ignorar os costumes do nosso século, e se sentará em uma das pontas, colocando-se ao lado do nosso apostador arrojado que sentara-se na cadeira do meio inicialmente. E, se já não queríamos compartilhar o assento com um estranho com uma cadeira nos separando, o que dizer de sentar lado a lado com o desconhecido?
28.6.12
Sobre Estereótipos e Preconceitos
Mas, naquela manhã, dois grupos novos surgiram no parque. Ele nunca havia visto nenhuma daquelas pessoas por lá.
O primeiro grupo, 3 homens, por volta de seus 30 e poucos anos, entraram correndo no parque, carregando uma bola de futebol, e foram direto para a primeira quadra vazia. Ele deteve o carrinho por um momento. Já era mesmo tempo de fazer uma pausa. O que três marmanjos estariam fazendo no parque às 10 da manhã de uma terça? Será que não trabalhavam? Não é possível, pensava. Sentou-se no banco mais próximo embaixo de uma árvore frondosa que protegia sua cansada careca do sol forte. Apenas observava enquanto com um lenço secava algumas gotas de suor que começavam a surgir na testa. Os três se portavam como crianças: riam, chutavam a bola para fora do campo, gozam com a cara um do outro. E ele foi seduzido. Começou então a conjecturar sobre o porquê daqueles homens estarem ali. Deveria de haver uma explicação para isso. Tinham boa aparência, cabelos bem cortados, barbas feitas, usavam meias brancas e tênis, shorts e camiseta. Um deles também tinha um boné. Poderiam estar de férias, imaginava, ou talvez são autônomos e hoje é um dia fraco para o negócio deles. Poderiam ser professores e trabalhar à tarde e à noite. Bom, alguma coisa assim seria. Foi quando chegou o segundo grupo.
Cinco jovens, por volta dos 20 e poucos anos, e dois bebês. Os jovens usavam calças jeans ou bermudas xadrez. Alguns usavam camisetas largas, outros estavam sem camisa. O mais velho deles carregava o menor dos bebês no colo. Tinha os cabelos compridos e não usava camisa, ostentando uma enorme barriga e muitas tatuagens. O bebê tinha pouco mais de 1 ano, como se tivesse a pouco aprendido a caminhar com as próprias pernas. Traziam skates e se dirigiam para a pista. O ex-motorista de ônibus decidiu então que sua pausa se prolongaria um pouco mais. Percebeu rapidamente que os bebês eram filhos do rapaz tatuado, pois chamavam-no de pai quando queriam demonstrar alguma manobra, como ficar em pé em cima do skate. Ele não dava muita atenção. Estava ocupado com as suas próprias manobras na pista e com a atenção que não dava, mas recebia dos outros jovens. O que esses jovens estariam fazendo ali àquela hora em pleno dia de semana? Certamente um bando de desajustados, pensava apoiado ao carrinho preparando para se levantar. Certamente usam drogas, concluiu.
Guardou o lenço no bolso e seguiu em frente, empurrando seu carrinho, balançando a cabeça em reprovação.